[...] Ora eu entendo que a criança pertence ao Estado, como expressão jurídica da Nação. Todos, desde que nascem, pertencem, evidentemente, mais ao Estado, que personifica a origem comum, do que a si mesmos, e nem pode uma mãi dar à luz um filho para destino mais nobre e mais elevado do que vê-lo morrer pela sua Pátria.
A criança pertence à Nação, inclusive, para, quando homem, morrer por ela.
Mas se assim penso, do mesmo modo entendo que, se o Estado tem interesse directo na educação da criança como germe de um futuro valor nacional, deve entregar a sua educação à família. Essa educação, de índole essencialmente maternal, deve também ter um ambiente maternal, e esse ambiente só a família o pode proporcionar.
Tenho, pois, de concordar absolutamente com que se entregue a educação pre-escolar da criança à família. É ela, evidentemente, o melhor meio de a educar. Mas para isso temos, indeclinàvelmente, de procurar melhorar as condições morais da família em Portugal.
Isto não quere dizer que o modo de ser das famílias em Portugal constitua um motivo para nos sentirmos alarmados. Pelo contrário, no edifício que erguemos, e em que a família, como agregado social, é a pedra angular, podemos sentir-nos tranquilos com o que ela nos oferece no tocante à sua moral.
O que precisamos de combater na família portuguesa é o seu obscurantismo, a sua ignorância, o seu espírito retrógrado. Caso contrário, não conseguiremos que Portugal progrida como é necessário.
É claro que na base do problema da elevação moral da família está o combate a dar a certos usos e costumes que, talvez por serem considerados elegantes, têm conseguido introduzir-se lamentavelmente entre nós como cousa corrente. Com efeito, para que o ambiente familiar melhore, ou pelo menos não sofra prejuízos importantes, não seria desacertado que o Estado interviesse para corrigir certas usanças actuais. Na verdade não faz sentido que a família seja o agregado social em que o Estado se baseia e que, ao mesmo tempo, nas praias elegantes se exiba o nudismo e que nas pastelarias, casas de chá e um pouco por toda a parte se exibam donzelas e mais de família a fumar como fragateiros.
Isto, se não são invenções comunistas, são hábitos comunizantes, que não deixarão ir muito longe a moral da família, por maiores esforços que façamos para a elevar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem![...]
1938-03-30
posted by camponesa pragmática on 18:33
Excerto parlamentar
[entre os meus fetiches conta-se este de ler debates parlamentares]
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de darmos início aos nossos trabalhos, eu desejava dar-vos uma informação. Pelo muito respeito que tenho por todos vós, per esta Assembleia, por este órgão de soberania, não podia deixar de vos fazer esta comunicação.
No último número do jornal Expresso, sob o título «Tito de Morais clandestino» e referindo que se trata do Presidente da Assembleia da República, vem uma notícia dizendo que eu sou veraneante das casas clandestinas da ria de Faro.
E evidente tratar-se de uma afirmação ofensiva para esta Assembleia, já que pessoalmente tanto me faz que os jornais digam que frequento esta ou aquela casa, esta ou aqueloutra região. Mas é tanto mais ofensiva quanto eu nem sequer conheço a ria de Faro. Não tenho lá casa nenhuma, nem alugada nem nada. Eu nunca fui lá.
Trata-se, portanto, de uma intenção que, creio, não me é permitido deixar em claro e que de resto se vem juntar às outras do mesmo estilo.
Com a intenção de acabar com as notícias desta natureza, que, penso, nada têm a ver com a liberdade de informação, antes pelo contrário ...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - ..., eu entreguei o problema ao Sr. Procurador-Geral da República para os efeitos que julgue convenientes.
Era, pois, esta a informação que vos queria dar. Muito obrigado pela vossa atenção.
Aplausos gerais.
Sr. Deputado Narana Coissoró, poderá informar a Mesa se pediu a palavra? É que não temos a certeza ...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, de facto, eu pretendo usar da palavra logo que V.Exa. dê início formal aos trabalhos desta Assembleia.
O Sr. Presidente:- Se é essa a sua pretensão, tem V.Exa. a palavra, pois eu já declarei aberta a sessão.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o meu partido, no início dos trabalhos desta Câmara, respeitosamente pede a V.Exa. que nos informe do seguinte: os deputados receberam um telegrama convocando-os para a sessão de hoje, com início às 15 horas, e indicando a ordem dos trabalhos. Eu queria, Sr. Presidente, que nos dissesse em que disposição regimental se baseou V.Exa. para mandar este telegrama e qual a interpretação que lhe dá para que os trabalhos possam ser iniciados com base num telegrama.
Afinal há Mattotti a cores em português: Doutor Jekyll & Mister Hyde, de Mattotti & Kramsky, Witloof edições, 2002.
[...]
Todas as artes têm as suas fórmulas, e um desenhador experimentado sabe sempre como abordar uma determinada cena, com jogos de planos gerais e grandes planos, campos e contracampos. Em Mattotti, vivemos numa espécie de sobressalto permanente, porque nunca sabemos o que pode acontecer na próxima vinheta: uma sombra contra uma parede?, um olho ao virar de uma esquina?, metade do arco-íris numa calçada? É a imaginação à solta.
Em Doutor Jekyll & Mister Hyde, Mattotti está no seu meio. Numa história que assenta como uma luva ao expressionismo alemão dos anos 20, com o doutor Jekyll a desdobrar a sua personalidade e a acabar refém da metade maligna que há em si, onde Bacon é uma referência evidente, o autor italiano aproveita para explorar a esquizofrenia através da magia dos seus quadros-vinhetas. A um passo da pintura, a um dedo da BD.
Mil coisas estranhas se passam em Paris. As aventuras de Adèle Blanc-Sec, pela Witloof:
"Adèle est la cousine de Brindavoine, c'est le même genre de personnage au féminin. Mais là où Brindavoine subissait, Adèle provoque les événements, et elle contrôle mieux la situation."
Propos de Tardi (sources non définies)
"On m'a souvent interrogé sur son caractère. Mais je suis incapable de le définir. Elle n'a certainement pas la mentalité de l'époque et je n'ai jamais cherché à coller à cette mentalité-là. Elle n'a pas très bon caractère. Elle exerce le même métier que moi: elle écrit des feuilletons parce que je l'imaginais mal pratiquer une profession que je n'aurais pas connue. Je pense qu'elle va à ces rendez-vous pour que j'ai quelque chose à raconter."
Propos de Tardi recueillis par Benoît Mouchart pour Auracan N°10, Mai-Juin 1995
"Adèle est une petite nana normale, ni belle, ni laide. C'est le contrepoint au héros masculin musclé, au menton carré et qui saiqui-sait-tout-faire! Je n'aime pas le principe du héros. "
Propos de Tardi recueillis par J.P. Quenez pour Le Matin de Paris du 14 juillet 1977
"— Adèle, c'est vous?
— Certainement. Elle fait le même métier que moi."
Propos de Tardi recueillis par B. Lu pour Morfo N°34, juin 95
Al llegar a la casa vi un tigre que se paseaba despacio y luminoso por el salón, entre los cristales de Bohemia y las cajas de porcelana Ming: - No es un tigre - se apresuró a decirme el mayordomo -. No lo mire, es sólo una metáfora, y los ojos de las metáforas contagian falsas emociones poéticas!
first i learned to crawl and then some other strokes
i can never remember any real good jokes
do you feel like swimming
do you feel like swimming
yes right now
i know a way to swim all the way down town
i know a way to swim all the way down town
it's a lot like swimming first time over your head
it gets easier when you move your arms and legs
and for air you lift your head, why don't we try right now
yes right now
yes right now
well
i know a way to swim all the way down town
i know a way to swim all the way down town well
i know a way to swim all the way down town
i know a way to swim all the way down town
we'll go by way of the garden, fat with tomatoes and leaves on the vine
sweet like the way it was
like swimming for the very first time
do you feel like swimming
do you feel like swimming
well
Wislawa Szymborska, entrevistada em castelhano por Felix Romeo:
FELIX ROMEO — ¿Tiene alguna fórmula mágica para escribir?
WISLAWA SZYMBORSKA — Sé lo que quiero escribir, pero no siempre me sale. Trabajo constantemente en los poemas. Hay algunos poemas que surgen de forma espontánea... (Es mi secreto: no voy a decir nunca cuáles sales con facilidad y cuáles salen con esfuerzo.) Pero no siempre salen de forma espontánea.
FR — ¿Y cómo es la Szymborska que narra sus poemas?
WS — Creo que cada poema lo escriben dos personas. Hay una persona que es la que siente las cosas, la que las experimenta, la que piensa. Y otra persona, que está detrás de mí y dice: "¿no estarás exagerando?, ¿qué va a entender el lector de lo que estás escribiendo?, y, además, ¿para qué le sirve?". Ese yo irónico está siempre, pero si desaparece escribiré muy malos poemas... ¡Y si desaparezco yo, también serán malos! [risas].
FR — Utiliza un lenguaje muy especial.
WS — Mi lengua es una lengua viva. Utilizo frases hechas, lengua coloquial, juegos de palabras, que no necesariamente funciona en otras lenguas... La suerte de los poetas en el exterior depende de los traductores. En otra lengua el traductor es fundamental. Si el traductor no capta los matices, el poeta no existe... Fuera de Polonia estoy en manos de los traductores. Ellos tienen el mérito o la culpa.
FR — ¿Hablamos de los temas de su poesía?
WS — Todos mis poemas nacen del amor. Diría incluso que todos los poemas nacen del amor, incluso aquellos que transmiten el mal tienen en el fondo una forma de amor hacia el mundo. Estoy totalmente convencida de que es así... Y si no es así, lo siento por esos poetas.
FR — ¿Y el odio?
WS — Tengo un poema sobre el odio, que es verdaderamente un sentimiento del siglo XX, el más fuerte, el que encuentra más seguidores. Y eso es algo horrible. Quizá en algún momento fue necesario, cuando se reaccionaba a lo extraño, pero ahora el odio es un sentimiento horrible. Aunque parece más fácil que un loco propague sus ideas con los nuevos medios. Antes, alguien llegaba y se subía a un cajón en una plaza y se ponía a hablar con un megáfono a la gente... Todo era más pequeño. En esta misma ciudad hubo una fuerte experiencia de odio. Incluso ahora se oyen los gritos en el barrio judío de Cracovia. No podría vivir allí. No se puede vivir allí. En Cracovia vivían ortodoxos, católicos y judíos. Había una especial convivencia que Filipovich, un fabuloso escritor, muy universal, que supera la prueba del tiempo, retrató muy bien en unos relatos de infancia... Pero ese clima cambió.
FR — En sus poemas aparecen muchos animales. [Se levanta y coge una pequeña Arca de Noé. Se la acaba de regalar su amigo el escritor Slawomir Mrozek, autor de Juego de azar y de La vida difícil, que también vive en Cracovia].
WS — No imagino la poesía sin los seres que nos acompañan en la vida: los animales, las plantas... e incluso las piedras. Mi animal preferido es el mono. [Señala uno que estira las patas hacia el mar en la borda del Arca]. Me encantó un libro de Jane Goodall, A través de la ventana: treinta años estudiando a los chimpancés, en el que cuenta su investigación en Tanzania con los primates y con los chimpancés. No los estudió como un grupo, sino que los estudió como individuos. Estuvo años siguiéndolos de uno en uno, investigando cada animal en concreto y descubrió que uno era individualista, otra era una mala madre, otra era muy cariñosa, otro era muy travieso... Se trataba de una forma de estudiar a los animales desde una perspectiva totalmente diferente. No me imagino otro enfoque distinto al del análisis individual. Todos somos un poco diferentes. El hombre se somete a diversas ideas de grupo y no siempre es bueno. Porque a veces el hombre no es siempre una individualidad sino que es una especie. El hombre tiene rasgos de especie...
FR — En sus poemas aparecen muchos sueños.
WS — Escribo de la realidad y los sueños también son una parte de la realidad. Creo que lo dijo Goethe: todo poeta sabe qué quiere escribir pero no se da cuenta de lo que ha escrito.
FR — Además de escribir poemas, está haciendo collages.
WS — Mis collages son un juego. Hoy veo muy clara la diferencia entre la forma de hacer literatura y la forma de hacer arte. La escritura requiere soledad, aislamiento, trabajo y cansancio. Pero he visto a pintores trabajando mientras hablaban, riéndose, rodeados de gente, y eso es absolutamente imposible para un escritor. Necesito tiempo y que nadie me moleste. Mis collages son un juego, para que la gente los disfrute. Son mi forma de descansar. Me canso mucho escribiendo.
FR — Pero sigue escribiendo sin parar.
WS — Aún estoy viva, para extrañeza de algunos y también para la mía. Y soy escéptica ante la poesía, incluso ante la mía.
FR — Por eso utiliza tanto el humor.
WS — Mi poesía, como la vida, es una moneda: tiene una parte trágica y una parte cómica.
FR — Y también una parte cósmica.
WS — Recuerdo una anécdota de Filipovich: Cuando el hombre llegó a la luna (fecha importantísima para mí), mucha gente estaba en Cracovia asombrada. Filipovich estaba pescando y trataba de ver el acontecimiento con prismáticos [risas]. Una vez, caminando por los alrededores de Cracovia con Filipovich, nos paramos a identificar estrellas: esa es Marte, esa es la Osa Mayor, esa es Casiopea... y cuando nos dimos la vuelta había un enorme grupo de gente a nuestro alrededor; tanta, que al día siguiente la prensa publicó que se había producido el avistamiento de un ovni en Cracovia. Una información que nunca fue desmentida. Espero que eso hiciera feliz a alguien. Escribí un poema en el que decía que no hay que mandar bromistas al Cosmos.
FR — Le fascina el espacio, pero realmente se ha movido muy poco.
WS — No sé si es por mi signo zodiacal, soy cáncer, pero no me gusta viajar. Nací un día después (y muchos años después) que Marcel Proust, que escribió doscientas páginas para decir cómo se preparaba para ir a la playa. No me gusta viajar, pero me gusta mucho volver. Hace unas semanas estuve en Italia. Todo estaba lleno. No se podía visitar nada. En el Vaticano, en la Capilla Sixtina no se puede sentir nada... pero me lo pasé muy bien mirando las caras de la gente. Si me pregunta mi opinión mi respuesta es clara: ¡vivan las reproducciones!
FR — ¿Es cierto que estudió español?
WS — Hace mucho tiempo iba a unas clases de español. No me acuerdo de nada, pero la estructura de la lengua todavía la controlo. Leíamos fragmentos de El Quijote. No me acuerdo cómo surgió lo de aprender español. Eran los años 60, antes del boom latinoamericano. Nos daba clase un profesor que no sé si se enteraba mucho, porque se preparaba la clase el día anterior... pero tenía unos cuantos discos maravillosos con música española: canciones populares estupendas. Soy admiradora del Goya luminoso, el de los retratos, el de los tapices, el de las escenas costumbristas y el de las majas. Y he corregido a Velázquez en uno de mis collages: he sacado a una de las meninas al aire libre.
Wislawa Szymborska enciende un pall mall extralight. Antes fumaba sport, que era un tabaco muy popular. En Polonia hay un marcaje férreo sobre los fumadores. Dice que comenzó "a fumar durante la guerra por las preocupaciones y por otros muchos motivos".
FR — Hablaba antes del amor, ¿le puedo preguntar algo de los suyos?
WS — Le contaré algunas historias de mi infancia. Se dice que la infancia es maravillosa, pero está llena de sufrimientos. Cuando te enamoras, cuando quieres que te hagan caso... Cuando tenía doce años me enamoré perdidamente del novio de mi hermana que no me hacía ningún caso. Un día me vendé la cabeza y él dijo "¿qué le ha pasado a eso?". Años más tarde lo volví a ver y me pregunté cómo podía haberme enamorado. No era nada interesante. Nunca le dije nada. También había otro chico. Cuando iba a la escuela antes de la guerra, siempre iba por el mismo camino, había un chico que me seguía... Era tan tímido que no me dirigía la palabra. Me escribía cartas, en una de ellas, donde me arreglaba toda la vida -"por ti surcaré los mares, subiré a la cumbre más alta..."-decía al final: "estaré mañana bajo tu ventana si no llueve". [risas]. Estoy a favor de que todos nos mezclemos con todos. Es algo buenísimo para todo. No hay nada peor que las razas puras.
FR — Leer también es una forma de acabar con las formas puras.
WS — Leo todo el tiempo. Muchos libros de divulgación científica y de antropología, de zoología. Leo a Brodsky, con el que tenía mucha afinidad. Pero como no quiero olvidarme de nadie sólo voy a decir que leo a Rilke, con él comenzó mi fascinación por la poesía.
Via-te do outro lado
como se de um abrigo subterrâneo
saísses: cauteloso e espantado
com a luz que brilhava sobre os telhados
ainda trazias o casaco comprido de inverno
podia ter feito um sinal
podia-te ter feito perguntas
havia entre nós a rua como água
atrás de mim estavam mães sentadas no parque
em redor do museu, os filhos
levavam bofetadas até chorarem
a mim salvou-me o tempo,
a distância, este poema
Mas é verdade Alexandra, falta “coerência à narração” do Pântano. No entanto o filme está “suficientemente construído”. A lógica desse raciocínio está errada. Passo a argumentar: a história,... mas, há história no filme? Tudo nos prepara para algo que vai acontecer e quando acontece o filme acaba. Há história no filme? Uma história geralmente divide-se em partes, mais ou menos claras, e no fim podemos tirar conclusões. D’ O Pântano nada podemos concluir. Como a nossa vida, é fragmentado e inconclusivo. A montagem e os movimentos de câmara reforçam esse sentimento precário. Ninguém consegue evitar o acidente porque ninguém sabe o que vai acontecer (talvez, como tu dizes, se ouvissem os sons pudessem prever) e no entanto logo no início do filme há duas pistas: Mecha cai e Luciano corta-se, ambos vão ao hospital. É essa a história? A queda? Em vários actos? Até à queda fortuita que é o verdadeiro pântano. Mais do que a velhice ou o álcool, o racismo ou a incompreensão.
Como a vaca que se afunda nas areias, não há retorno. Como é que poderia haver coerência no relato da morte de uma criança?
No fim até a santa do reservatório de água se recusa a Momi.
Lucretia Martel aprendeu bem as histórias da avó, sabe filmar o medo, a fragilidade e a morte: Os contos negros marcaram a minha infância. A minha avó contava-me as história de Horacio Quroga como se fossem histórias que ela inventava. São contos muito mórbidos. Quroga é muito popular na Argentina. Durante toda a minha infância não tinha bem a certeza se estas histórias eram ou não da minha família. E, verdade seja dita, olhando para a minha família não era de todo impossível. A presença ameaçadora dos animais no meu filme vem daí. O filme enraíza-se nos meus medos de infância.
Ainda ouço a mosca, uma mosca que volta e meia aparece no filme, mais do que as unhas do cão no chão. Esqueci o medo do cão mas não esqueci o zumbido da mosca.
NUNZIO: Pino...
PINO: Qu'é qu'é?
NUNZIO: Cando vultores do Brósi, tu cozes-me um espurguete cum'agura?
PINO: Cu molhe temate?
NUNZIO: E melaguete.
PINO: Melaguete.
NUNZIO: E tucinhe, tas de pôr um becade tucinhe tumbém. Puins, nu puins, tucinhe?
PINO: Cloro...
NUNZIO: E caje?
PINO: E caje.
NUNZIO: Tens de lo pur caje tumbém.
PINO: Está bum, punho caje.
NUNZIO: Maj d'uvalhe, 'stá bum... eu gusto é de caje d'uvalhe... Esse parmesum nu, nu, nu, nu gusto dessa cusa do parmesum. Maj gusto d'uvalhe. Aduro...
Sempre disse: 'Escrevo metade de histórias', são histórias incompletas. O público deve adicionar-lhe a sua própria história. Juntas elas fazem o teatro. A sugestão é muito importante. Não convém dar muito. O que gosto em MOUCHETTE é que há uma espécie de felicidade e desespero ao mesmo tempo. É negro e há humor. (...) Arsène e Coulette são dois cães, é um combate de boxe com os seus próprios instrumentos. É uma linguagem quotidiana da rua, mas a forma é teatro puro, um ringue... O público deverá sentir qualquer coisa do tipo Aaaah, isso não é muito simpático...! É a vida!
Eram quatro e meia duma madrugada de Abril
Eu caminhava, assobiando o St. Louis blues
Mas assobiava-o de modo muito meu
Assobiando dizia-me: quem dera igualasse
o meu assobio o cantar da tordeira
E querem ver, passado um pouco
o meu assobio do St. Louis blues
igualava o cantar da tordeira:
turdus viscivorus.
[...]
Muitas vezes, estabelece-se de outro modo ainda uma relação com a paisagem. Foi, se bem me recordo, Aldous Huxley quem escreveu que só percebeu a pintura de Mondrian quando do avião, sobrevoando a Holanda, viu pela primeira vez a geométrica ordenação dos campos de tulipas e dos prados. Sob influência dessa paisagem, a poesia neerlandesa revelar-se-ia, ela também, austera e sem retorcidos burlescos.
Hoje é o terceiro e último dia das Jornadas de Cinema Francófono no Porto. Às 17h00 passa Après la Réconciliation, de Anne-Marie Miéville e à noite Salut cousin!, de Merzak Allouache.
"A little nightmare about the fear connected with learning. It's very abstract, a pretty dense little film."
Zaziedanslemetro [7:25 PM PST]: About 11 Setember, Stockhausen said that terrorism is the only way now make us surprises that art can't do anymore? what do you think Mr David Lynch?
"You go by most paintings, and they don't stop you. You can walk by so much because it's merely beautiful. I like to feel that you could bite my paintings. Not to eat them, to hurt them. I like to feel like I'm painting with my teeth. I call my painting `bad' because bad painting has its own beauty. It's not a designer tapestry or a commercial hype. It makes you react to it."
Zaziedanslemetro [3:35 PM PST]: one question Mr. David Lynch: with so many analises and psic explications about our mind how can you be away from theory and keep your imagination so pure?
DAVIDLYNCH [3:38 PM PST]: ZAZIE - I USE THIS EXPRESSION OFTEN BUT IT WORKS - KEEP YOUR EYE ON THE DONUT AND NOT ON THE HOLE ---- THAT'S ALL IT TAKES
Zaziedanslemetro [4:03 PM PST]: just one more Mr David Lynch: Francis Bacons still is your favourite painter?i think he's great.
[...]
As três irmãs: é preciso dizer que são um trio de velhas cantoras do "music-hall" dos anos 30, uma piscadela de olho a Betty Boop. São elas que abrem "Belleville Rendez-Vous", num delirante "show" a preto e branco que inclui ainda Josephine Baker, Django Reinhardt e Fred Astaire - vejam como o desenho dança -, para desaparecerem, de seguida, quando a emissão televisiva é interrompida. São figuras angulosas numa cidade de obesos, Belleville, que é onde o transatlântico e a história vão dar. Belleville, ou seja, Nova Iorque, uma megalópole com edifícios altos, táxis amarelos e uma Estátua da Liberdade bovina. É aí que se descobre Madame Souza como uma invulgar precursora de "street music", de música concreta, e se dá o seu encontro com as três irmãs, as "triplettes de Belleville", agora mais velhas, mas que ainda continuam a viver para a música. Fazem aquilo a que Chomet chama "jazz doméstico", uma música de percussão produzida a partir de objectos quotidianos, um jornal, grelhas de um frigorífico, um aspirador - e, agora, Madame Souza, que fez dos raios de uma roda de bicicleta o seu xilofone.
[...]
A Pedalada de Madame Souza, por Kathleen Gomes no Y
Cinemas Cidade do Porto | Sala 4 | Sessões: 13h40, 15h20, 17h30, 19h20, 21h40, 24h
Tom fez Águas de Março no sítio da família em Poço Fundo, estado do Rio de Janeiro, em março de 1972. A propriedade estava passando por uma pequena reforma, que consistia basicamente no reforço de um muro. Chovia muito, e a estradinha que levava ao sítio estava enlameada. Neste ambiente de obra, chuva, e lama, Tom escreveu a letra e a música. No folheto que acompanhou a primeira gravação da música, lançada em um encarte da revista "O Pasquim" em 1972, Tom diz que foi inspirado pelos versos iniciais de Olavo Bilac em "O Caçador de Esmeraldas":
"Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada
Do outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação
Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata
À frente dos peões filhos da rude mata
Fernão Dias Paes Leme entrou pelo sertão."
Há um ano atrás o Luís começou a escrever o nosso moleskine preferido. A prenda dispensa embrulho:
Paisagem VI
Este é o dia em que as brumas do rio saem
para a bela cidade no meio de prados e colinas
e a esfumam como uma recordação. Os vapores confundem
os verdes, mas as mulheres das cores vivas ainda
caminham por ela. Vão na branca penumbra
sorridentes: na rua tudo pode acontecer.
Pode acontecer que o ar embebede.
A manhã
ter-se-á aberto num dilatado silêncio
atenuando as vozes. Até o pedinte,
que não tem cidade nem casa, o terá respirado,
como aspira o copo de aguardente ao desjejum.
Vale a pena ter fome ou ter sido traído
pela boca mais doce, só para sair com aquele céu
e voltar a encontrar no hálito as mais diáfanas recordações.
Cada rua, cada simples esquina
na bruma conserva um antigo tremor:
quem o sente não pode abandonar-se. Não pode abandonar
a sua embriaguês tranquila, feita de coisas
duma vida cheia, descobertas ao acaso
duma casa ou duma árvores, dum súbito pensamento.
Também os grandes cavalos que passarão
entre as brumas de madrugada falarão daquele tempo.
Ou talvez um rapaz fugido de casa
volte precisamente hoje em que a bruma
se eleva sobre o rio e esqueça toda a vida,
a miséria, a fome e as lealdades traídas,
para parar a uma esquina bebendo a manhã.
Vale a pena voltar, mesmo que seja diferente.
Cesare Pavese, "Trabalhar cansa"
Tradução de Carlos Leite, edição da Cotovia
Se eu pudesse forrava este blog com música do Keith Jarrett. Forrar como os livros da escola ou como as paredes das casas das pessoas que Martin Parr fotografa. Martin Parr... não, hoje não me apetece.
posted by camponesa pragmática on 11:27
So long Calcutá
Kleist voltou à normalidade (aparentemente). Título tem, agora, fundo roxo, como aquelas terras ocupadas que, depois de reconquistada a independência, conservam as unhas e as lentes do inimigo, em exposição heroíca num qualquer lugar central e ameno onde as famílias felizes fazem piqueniques ao domingo. Ou como Lisboa onde, de vez em quando, tropeçamos num buraco com arranjo adiado desde 1755 até hoje. O presente não é, nunca será, só presente; terá, como certos bolos, algumas passas.
posted by camponesa pragmática on 11:23
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
José, Carlos Drummond de Andrade
posted by picatostes on 10:47
fila X
Desconhecia a existência de um grupo de cinema no IST até me deparar com o folheto num placard do Central. A visitar: fila X, blog do Cinema ParaIST.
Fevereiro no Nordeste argentino. Sol escaldante e chuvas tropicais. Algumas terras tornam-se pantanosas. Esses pântanos [ciénaga em espanhol] são mortais para os animais que neles se afundam. Mas esta história não é sobre pântanos, mas sim sobre a cidade La Ciénaga e os seus arredores.
Mecha tem 50 anos, um marido que pinta o cabelo e quatro filhos. Nada que dois ou três copos não possam curar. A família passa o Verão no campo, em La Mandrágora, numa casa com uma piscina decrépita, imunda, mas que mesmo assim é um alívio. Tali, prima de Mecha, também tem um marido e quatro filhos. Vive em La Ciénaga numa casa sem piscina. Um acidente vai reunir as duas famílias durante o tempo de um Verão, o tempo de uma estação no Inferno.
Cinema Nun’Álvares | Sessões 3ª e 4ªFeira (23 e 24 Março) às 19H30
A crítica literária às vezes é muito aborrecida, outras não:
O Idiota de Dostoiévski
O conteúdo de O Idiota de Dostoiévski persegue-me por todo o lado. Interessam-me muito os cãezinhos de estimação. Não há nada que eu procure tão ardentemente como uma Aglaia. Infelizmente, foi um outro que ela escolheu. À Marie, não a poderei jamais esquecer. Não fiquei eu já, uma vez, postado em admiração perante um burro? Quem me apresentará a uma Generala Epantchiná? Houve já também criados de quarto que ficaram surpreendidos comigo. Restaria ainda apurar se eu teria uma caligrafia tão bonita como o rebento da casa Míchkin e se eu herdaria uns milhões. Seria magnífico ganhar a confiança de uma mulher bela. Porque será que nunca vi uma casa comercial como a dos Rogójin? Porque não sofro eu de ataques espasmódicos? O idiota era franzino e pouca impressão causava. Era um bom rapaz e, uma vez, ao cair da noite, a dama de reputação duvidosa caiu de joelhos diante dele. Estou na expectativa de que me suceda algo de semelhante. Kólias conheço eu apenas uns dois ou três. Quem sabe se não irei, um dia, encontrar também um Ívolguin. De virar um jarrão seria eu bem capaz, duvidar de tal possibilidade seria subestimar-me. Fazer um discurso tem tanto de difícil como de fácil, tudo depende da inspiração do momento. Gente que não está satisfeita consigo própria encontro eu com muita frequência. Algumas dessas pessoas sentem-se descontentes, porque são demasiado exigentes. Depois disso, daria entrada no Instituto Schneider. Antes, porém, urgiria tranquilizar a Nastássia. Não tenho absolutamente nada de idiota, sou, pelo contrário, sensível a tudo o que seja racional; lamento não ser herói de um romance. Não estou à altura de desempenhar um tal papel, por ora só leio demasiado.
Robert Walser, “A Rosa”
Tradução de Leopoldina Almeida, edição da Relógio d’Água
"O Idiota", de Fiódor Dostoiévski. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Editorial Presença
Em relação aos seus poemas que papel atribui ao leitor?
Atribuo-lhe sempre um papel activo. A poesia, quer se queira quer não, especializou-se. Aliás é um fenómeno que se verifica em qualquer domínio da cultura. Mesmo para se gozar de um desafio de futebol se têm de conhecer as regras. Ainda dentro do mesmo âmbito, contarei que desconfio sempre dos meus leitores, que além de o serem, são católicos. Sempre penso que se estarão a sentir acompanhados, que aderem ao que e não ao como eu digo. Ora é no como que está principalmente uma obra de arte.
Oh escuro escuro escuro. Todos vão para o escuro,
Os vazios espaços interestelares, o vazio para dentro do vazio,
Capitães, banqueiros comerciais, eminentes homens de letras.
Generosos patronos da arte, homens de estado e dirigentes,
Distintos funcionários superiores, presidentes de muitas comissões,
Magnates da indústria e pequenos empreiteiros, todos vão para o escuro,
Escuros o Sol e a Lua, e o Almanaque de Gotha
E a Gazeta da Bolsa, o Rol dos Directores,
E frio o senso e perdido o motivo da acção.
E nós vamos todos com eles, para o funeral silencioso,
O funeral de ninguém, pois não há ninguém para enterrrar.
Eu disse à minha alma, está quieta e deixa vir o escuro sobre ti,
O qual será a treva de Deus. Como, num teatro,
Quando as luzes se apagam, para ser mudada a cena,
Com um surdo rumor de bastidores, um movimento de treva na treva,
E nós sabemos que os montes e as árvores, o panorama ao longe
E a altiva fachada imponente estão todos a ser empurrados para fora —
Ou como quando um comboio do metro, no túnel, pára muito tempo entre estações
E a conversa se eleva e lentamente esmorece em silêncio
E se vê por detrás de cada rosto o vazio da mente aprofundar-se
E apenas resta o crescente terror de nada em que pensar;
Ou quando, sob o éter, o espírito está consciente mas consciente de nada —
Eu disse à minha alma, está quieta e aguarda sem esperança
Pois a esperança seria esperança na coisa errada; aguarda sem amor
Pois o amor seria amor pela coisa errada; há ainda fé
Mas a fé e o amor e a esperança encontram-se todos no acto de aguardar.
Aguarda sem pensar, pois não estás pronta para pensar:
Assim a treva será a luz, e a quietação a dança.
Sussuro de arroios a correr, e relâmpagos de Inverno.
O tomilho bravo invisível e o morango bravo,
O riso no jardim, repercutido êxtase
Que não se perde, mas reclama, aponta para a agonia
Da morte e do nascimento.
Dizes que repito
Algo que disse antes. Vou dizê-lo de novo,
Digo-o de novo? A fim de lá chegares,
De chegares onde estás, de saíres de onde não estás,
Tens de seguir um caminho por onde não há êxtase.
A fim de chegares àquilo que não sabes
Tens de seguir um caminho que é o caminho da ignorância.
A fim de possuíres o que não possuis
Tens de seguir o caminho do despojamento.
A fim de chegares àquilo que não és
Tens de seguir pelo caminho em que não és.
E aquilo que não sabes é a única coisa que sabes
E aquilo que tens é o que não tens
E onde estás é onde não estás.
T.S. Eliot, East Coker "Quatro Quartetos", tradução de Gualter Cunha, edição da Relógio d'Água, Janeiro de 2004
D.S:— O que o levou a pintar uma figura que roda a chave na fechadura de uma porta com o pé?
F.B.— Acho que isso me veio… Não, não sei por que fiz um pé rodando a chave. Isso em grande parte saiu de um poema de Eliot: “Escutei a chave / Rodar uma vez na porta e rodar uma vez apenas…”. Você conhece isso. Está em "A terra devastada". Não sei por que teria colocado a chave rodada com o pé. Mas saiu desse poema.
D.S:— É um exemplo maravilhoso da maneira como interage a intenção e o resultado. A intenção, a imagem de Eliot, é a sua visão particular.
F.B.— Sem dúvida.
D.S:— Não está visível na obra.
F.B.— De maneira nenhuma.
D.S:— Enquanto a coisa mais evidente na obra, a coisa que parece ser o próprio tema, essa não foi planejada.
F.B.— Acho que essas coisas talvez tenham saído também do Surrealismo, até certo ponto. Quando se imagina que uma chave rodada com o pé e não com a mão, como usualmente se faz, seja de certo modo mais imediato.
D.S:— É verdade. Há aqui uma relação com o Surrealismo, não é? Estou pensando em Magritte que estava sempre escrevendo sobre o mistério da realidade banal o desejo de usar a pintura para expressar esse mistério. Só que ele pintava uma fruta ou um pão flutuando no ar; ele deslocava a coisa para que o mistério fosse aprendido de forma mais imediata, apesar de que, como ele mesmo dizia, uma fruta ou um pão em cima de uma mesa estão repletos de mistérios.
F.B.— Exacto. Isso praticamente é a mesma coisa que rodar uma chave na fechadura com o pé.
D.S:— Nunca tinha notado que havia uma relação entre esse quadro e Eliot, apesar de saber perfeitamente que você sempre foi louco por "A terra devastada". Existem outros versos de Eliot que tenham inspirado outras pinturas em particular? Fora, é claro, o tríptico Sweeney Agonistes?
F.B.— Sempre soube que eu era influenciado por Eliot. Sobretudo "A terra devastada" e os poemas que precedem essa obra sempre me emocionaram muito. E volta e meia estou lendo os "Quatro Quartetos", que, como versos, talvez sejam até melhores que "A terra devastada", apesar de não me tocarem da mesma maneira. Mas só muito poucas vezes fiz alguma coisa directamente inspirada em versos ou em algum poema em particular. Admiro a poesia, ela me emociona e me estimula a ir ainda mais fundo em meu trabalho. Essa é a maneira como ela me influencia. É muito difícil pegar uma poesia e fazer dela uma pintura; é toda a sua atmosfera que me emociona. Também sofri a influência de uma quantidade de poemas de Yeats. Acho que uma das coisas que mais admiro nele é a maneira como se foi construindo… Possivelmente Yeats sempre foi um grande poeta e, a meu ver, soube explorar sua pessoa de um modo verdadeiramente fantástico. Mas estamos aqui falando de poetas modernos, quando podemos encontrar o Eliot inteiro, o Yeats inteiro, além de tudo quanto é assunto e praticamente tudo quanto é poeta em Shakespeare, que simplesmente deu um vigor à vida, por mais fútil que a gente possa achá-la, de uma forma como nunca alguém foi capaz de fazer. Eles simplesmente põe a vida à mostra de uma forma excepcional. Revigora-a com sua profunda falta de esperança e seu pessimismo e, também, pode-se dizer, com seu humor. E, num certo sentido, com seu total cinismo, verdadeiramente diabólico. Por exemplo, o que pode haver de mais cínico do que Macbeth no final dizendo: “Amanhã, e amanhã, e amanhã”? Quer que eu vá pegá-lo para você? Justamente hoje eu o estavo lendo e pensava comigo: continua sendo realmente uma síntese fantástica.
retirado de “Entrevistas com Francis Bacon – A brutalidade dos factos” de David Sylvester, edição brasileira da Cosac & Naify
"A terra devastada" e "Quatro quartetos" estão traduzidos por Gualter Cunha e editados pela Relógio d'Água
Retrato de Isabel Rowsthorne numa rua do Soho, 1967
D.S:— Pensa que é mais difícil pintar hoje em dia do que foi antigamente?
F.B.— Penso que é mais difícil hoje porque o pintores anteriormente tiveram um duplo papel.. Estou convencido que eles pensaram que estavam a fazer relatos, e então fizeram muito mais do que recordar. Penso que hoje em dia, com os métodos mecânicos de gravação, tal como um filme e a câmara e o gravador, teve de se regredir na pintura para algo mais básico e fundamental. Porque pode ser feito melhor por outros meios que eu considero de um nível mais superficial— não estou a falar de um filme, que é cortado e refeito de todos os modos possíveis, mas estou a falar de um directo fotográfico e de um directo gravado. Penso que estes ficaram com o aspecto ilustrativo que no passado os pintores julgavam que tinham de fazer. E penso que os pintores abstractos, tendo noção disto, pensaram: porque não tirar toda a ilustração e todas as formas de relatar e apenas dar os efeitos da forma e da cor? E logicamente isto estava muito certo. Mas não resultou, porque parece que a obsessão com algo na vida que se quer recordar dá muito mais tensão e muito maior excitação do que quando apenas se continua num modo de fantasia-livre e a recordar sombras e cores. Penso que actualmente estamos numa posição muito curiosa porque, uma vez que não existe qualquer tradição, estamos perante dois objectivos extremos. Existe a reportagem directa como algo que está muito próximo de um relatório policial. E então a única finalidade é fazer grande arte. E o que é considerado a meio caminho, a arte realista, num tempo como o nosso não existe. O que não significa que, no desejo de fazer grande arte, não haja quem a pratique. Mas pode dizer-se que é esse o factor que cria uma situação extraordinária. Porque, com estes maravilhosos meios de gravar factos, o que apenas se pode fazer é caminhar para uma coisa muito mais extrema, na qual se está a relatar o facto, não apenas como simples facto, mas a muitos níveis, que abrem áreas de sensação que lidam com um sentido mais profundo da realidade da imagem a que se quer chegar e por meio da qual essa coisa será captada em bruto e viva e deixada aí e, finalmente fossilizada, poder-se-á então dizer— aqui está.
in David Sykvester, Interviews with Francis Bacon (1975).
Shall we ever meet again?
And who will meet again? Meeting is for strangers,
Meeting is for those who do not know each other T.S.Eliot
À hora do almoço sentei-me com o Duque de Portland, o Trevelyan, o Lord Trend e, perto de mim, ali mesmo à mão, o Eliot. À passagem trocamos sorrisos de galhardetes comunicativos ele bebia vinho branco e eu latino tinto.
Durante o almoço não quis ideias geniais apenas marquei pormenores de passagem afectuosa —, tudo se desenrolou numa expectativa e os versos continuavam e ele estava encolhido, perdido e em forma de concha apresentava-se de consistência flácida —, a certa altura o ritmo declarou-se pagão e eu preparava a frase numa confudão de ananazes, Vossa Excelência e poesia. Quando me aproximei as esquinas do pensamento poliram-se e falámos calma tranquila e minhotamente — ele tinha também gostado estático do Alto Minho. Os génios ingleses são acanhados, receptivos e simples como os grandes homens — afinal entre mim e o Eliot só havia uma diferença poética.
Depois do longo da tarde fizemos cortesias e não pensei mais no poeta — estávamos entretidos a desempenhar papéis equilibrados — a questão passou e o cerimonial acabou quando rápido vim para o comboio londrino. Qual não foi o meu espanto quando vejo o artista sentado ao meu lado no vágão restaurante — então conversámos —, eu excitei-me — ele encolheu-se um pouco mais e olhávamos a paisagem verde de vacas maltadas e molhadas — o sol e o azul tinham aparecido no firmamento e nós trocávamos monossílabos e garfadas.
Falava da beleza de Portugal e meditava mais um pouco —, ele era aquele poeta
«Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos dos videntes.»
E assim aqui estou, no meio caminho, tendo passado vinte anos —
Vinte anos muito mal gastos, os anos de l'entre deux guerres —
A tentar aprender a usar as palavras, e cada tentativa
É um inteiro recomeço e um diferente tipo de fracasso
Pois apenas se aprendeu a tirar o melhor das palavras
Para aquilo que já não tem de se dizer, ou para a maneira pela qual
Já não se está na disposição de o dizer. E assim cada investida
É um novo começo, uma incursão no inarticulado
Com equipamento gasto sempre pronto a deteriorar-se
Na desordem geral de sentimentos imprecisos,
De indisciplinados pelotões de emoção. E o que há para conquistar,
Por força e obediência, já antes foi descoberto
Uma vez ou duas, ou várias vezes, por homens que não podemos ter esperança
De emular — mas não se trata de competição —
Trata-se apenas da luta para recuperar o que se perdeu
E achou e perdeu outra e outra vez: e agora, sob condições
Que parecem desfavoráveis. Mas talvez nem ganho nem perda.
Para nós, há apenas a tentativa. O resto não é connosco.
A casa é de onde se começa. À medida que envelhecemos
O mundo fica mais estranho, o padrão mais complicado
De mortos e de vivos. Não o momento intenso
Isolado, sem antes nem depois,
Mas uma vida inteira a arder em cada momento
E não a vida inteira de apenas um homem
Mas de velhas pedras que não podem ser decifradas.
Há um tempo para o anoitecer sob a luz das estrelas,
Um tempo para o anoitecer sob a luz do candeeiro
(A noite com o álbum das fotografias).
O amor é mais aproximadamente ele próprio
Quando o aqui e o agora deixam de importar.
Os homens quando velhos deviam ser exploradores
Aqui ou acolá não importa
Temos de estar quietos e quietos mover-nos
Para uma outra intensidade
Para uma ulterior união, um comungar mais fundo
Através do frio escuro e da desolação vazia,
O grito da onda, o grito do vento, as vastas águas
Da procelária e do golfinho. No meu fim está o meu começo.
Não serás mais do que areia, erva, pó ou gota de água (Gilles Deleuze. Francis Bacon, logique de la sensation)
D.S.— (…)Vê um conteúdo erótico no jacto de água? Sei que pode não ter sido conscientemente desejado: é óbvio a partir do modo como as coisa foi feita.
F.B.— Para mim é apenas um jacto de água.
D.S.— Talvez. Vejo-o como algo mais porque para mim o quadro, tal como o erva, tem uma espécie de energia animal —não uma elementar energia macro cósmica mas uma energia que tem uma animalidade, mesmo uma escala humana.
F.:B.— O que eu gostava é que essas coisas fossem uma essência, que se pudesse dizer de uma paisagem e uma essência de água. Era o que eu gostava que fossem.
in David Sykvester, Interviews with Francis Bacon (1975).
F.B.—Penso que tendo a destruir os melhores quadros, ou aqueles que foram os melhores até uma certa dimensão. Experimento e tento levá-los mais longe, e eles perdem todas as suas qualidades, e perdem tudo. Penso que posso dizer que tendo a destruir todos os meus melhores quadros.
D.S.— Nunca consegue retroceder quando o processo tende a ultrapassar o topo?
F.B.— Agora não, e cada vez menos. Como o modo como trabalho é totalmente acidental, e torna-se cada vez mais e mais acidental, e não parece ser de outro modo que não seja acidental, como posso recriar um acidente? É uma coisa praticamente impossível de se fazer.
(....)
D.S.— Já tínhamos falado da roleta e da sensação que se tem na mesa em que cada um está como que sintonizado com a roda e não pode fazer nada errado. Como é que isto se relaciona com o processo da pintura?
F.B.— Bem, tenho a certeza que existe uma forte relação. Afinal de contas, foi Picasso quem disse uma vez: “Não preciso de jogos de azar, estou sempre a lidar com eles”.
in David Sykvester, Interviews with Francis Bacon (1975).
Letra despeitada esta. Penso sempre isso quando ouço. De gaja despeitada. Mandar um gajo chorar um rio é violento, é bonito heheheh E depois há uma altura em que a voz de Ella se ergue acima de tudo e já não consigo concentrar-me no que diz, é só som, só voz, só música, uma das maravilhas do mundo, a única maravilha do mundo.
posted by camponesa pragmática on 21:47
É uma das jóias da coroa da programação da Cinemateca Portuguesa para este mês: "Vendaval Maravilhoso", a última longa-metragem de ficção de José Leitão de Barros, é hoje exibido às 21h30 horas, numa cópia nova que resulta de um trabalho de restauro que se prolongou por dois anos. O filme, uma co-produção luso-brasileira de 1949, com Amália Rodrigues no principal papel feminino, foi durante muito tempo considerado um "caso perdido" do cinema português.
[…]
Beyond all this, the wish to be alone:
However the sky grows dark with invitation-cards
However we follow the printed directions of sex
However the family is photographed under the flag-staff -
Beyond all this, the wish to be alone.
Beneath it all, the desire for oblivion runs:
Despite the artful tensions of the calendar,
The life insurance, the tabled fertility rites,
The costly aversion of the eyes away from death -
Beneath it all, the desire for oblivion runs.
Il pianeta Terra è una palla grigia coperta di cenere e detriti. Il suo perenne viaggio è accompagnato da voci disperate che si esprimono in russo e a volte in americano. Probabilmente sono astronauti persi negli spazi, che non sanno più dove e come atterrare. Questi uomini sono i soli che hanno visto la foresta dell'Amazzonia in fiamme e l'acqua dei poli che invadeva i continenti, trascinando le balene tra i grattacieli di New York e gli elefanti in alto mare. Poi tutto è diventato vapore e l'azzurro dell'acqua è scomparso nel cielo e le ossa degli animali e delle città sono diventate sedimenti polverosi.
[…]