A crítica literária às vezes é muito aborrecida, outras não:
O Idiota de Dostoiévski
O conteúdo de O Idiota de Dostoiévski persegue-me por todo o lado. Interessam-me muito os cãezinhos de estimação. Não há nada que eu procure tão ardentemente como uma Aglaia. Infelizmente, foi um outro que ela escolheu. À Marie, não a poderei jamais esquecer. Não fiquei eu já, uma vez, postado em admiração perante um burro? Quem me apresentará a uma Generala Epantchiná? Houve já também criados de quarto que ficaram surpreendidos comigo. Restaria ainda apurar se eu teria uma caligrafia tão bonita como o rebento da casa Míchkin e se eu herdaria uns milhões. Seria magnífico ganhar a confiança de uma mulher bela. Porque será que nunca vi uma casa comercial como a dos Rogójin? Porque não sofro eu de ataques espasmódicos? O idiota era franzino e pouca impressão causava. Era um bom rapaz e, uma vez, ao cair da noite, a dama de reputação duvidosa caiu de joelhos diante dele. Estou na expectativa de que me suceda algo de semelhante. Kólias conheço eu apenas uns dois ou três. Quem sabe se não irei, um dia, encontrar também um Ívolguin. De virar um jarrão seria eu bem capaz, duvidar de tal possibilidade seria subestimar-me. Fazer um discurso tem tanto de difícil como de fácil, tudo depende da inspiração do momento. Gente que não está satisfeita consigo própria encontro eu com muita frequência. Algumas dessas pessoas sentem-se descontentes, porque são demasiado exigentes. Depois disso, daria entrada no Instituto Schneider. Antes, porém, urgiria tranquilizar a Nastássia. Não tenho absolutamente nada de idiota, sou, pelo contrário, sensível a tudo o que seja racional; lamento não ser herói de um romance. Não estou à altura de desempenhar um tal papel, por ora só leio demasiado.
Robert Walser, “A Rosa”
Tradução de Leopoldina Almeida, edição da Relógio d’Água
"O Idiota", de Fiódor Dostoiévski. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Editorial Presença