Mas é verdade Alexandra, falta “coerência à narração” do Pântano. No entanto o filme está “suficientemente construído”. A lógica desse raciocínio está errada. Passo a argumentar: a história,... mas, há história no filme? Tudo nos prepara para algo que vai acontecer e quando acontece o filme acaba. Há história no filme? Uma história geralmente divide-se em partes, mais ou menos claras, e no fim podemos tirar conclusões. D’ O Pântano nada podemos concluir. Como a nossa vida, é fragmentado e inconclusivo. A montagem e os movimentos de câmara reforçam esse sentimento precário. Ninguém consegue evitar o acidente porque ninguém sabe o que vai acontecer (talvez, como tu dizes, se ouvissem os sons pudessem prever) e no entanto logo no início do filme há duas pistas: Mecha cai e Luciano corta-se, ambos vão ao hospital. É essa a história? A queda? Em vários actos? Até à queda fortuita que é o verdadeiro pântano. Mais do que a velhice ou o álcool, o racismo ou a incompreensão.
Como a vaca que se afunda nas areias, não há retorno. Como é que poderia haver coerência no relato da morte de uma criança?
No fim até a santa do reservatório de água se recusa a Momi.
Lucretia Martel aprendeu bem as histórias da avó, sabe filmar o medo, a fragilidade e a morte: Os contos negros marcaram a minha infância. A minha avó contava-me as história de Horacio Quroga como se fossem histórias que ela inventava. São contos muito mórbidos. Quroga é muito popular na Argentina. Durante toda a minha infância não tinha bem a certeza se estas histórias eram ou não da minha família. E, verdade seja dita, olhando para a minha família não era de todo impossível. A presença ameaçadora dos animais no meu filme vem daí. O filme enraíza-se nos meus medos de infância.
Ainda ouço a mosca, uma mosca que volta e meia aparece no filme, mais do que as unhas do cão no chão. Esqueci o medo do cão mas não esqueci o zumbido da mosca.