O roteiro de “Persona” não se assemelha àquilo que costumamos designar por roteiro.
Quando se escreve um roteiro também se leva em conta as dificuldades técnicas. A bem dizer, é uma partitura que se escreve. Depois é só questão de colocar as vozes diante do atril e deixar a orquestra tocar.
Não sou pessoa para chegar ao estúdio ou ao lugar onde se realiza a filmagem e me convencer de que “este negócio vou solucionar de uma maneira ou de outra”. Para mim não é possível trabalhar a partir de uma improvisação. Eu só me atrevo a improvisar se sei que posso apoiar-me num plano meticulosamente traçado. Não sou capaz de confiar na inspiração quando me encontro no local de filmagem.
Quando lemos o texto de “Persona”, talvez dê a impressão de ser uma improvisação. Mas não. Esse texto foi rigorosamente concebido. Apesar disso, nunca repeti tantas cenas em minha vida como nesse filme. E quando digo que repeti cenas, não quero dizer filmagens de uma e mesma cena, no mesmo dia, mas sim novas filmagens por não ter ficado satisfeito com as sequências reveladas de cada dia.
A filmagem de “Persona” começou em Estocolmo e, no princípio, não correu nada bem.
Depois, pouco a pouco, pudemos dizer: isto vamos fazer melhor, aquilo podemos arranjar de outro modo, e assim por diante. Ninguém se irritou. E ganha-se muito quando ninguém começa a dizendo: foi culpa minha. Além de o filme ter ganho bastante com o facto de se terem manifestado sentimentos pessoais durante a filmagem, a qual se pode classificar de filmagem feliz. Apesar do cansaço que sentia, experimentei uma liberdade ilimitada com a câmara e com a equipa técnica.
Com este filme, “Persona”, e, mais tarde com “Lágrimas e suspiros”, fui o mais longe que pude quanto à técnica narrativa. Isto é, com total liberdade toco em segredos para os quais não existem palavras e que só a cinematografia pode patentear.
Este espectáculo é baseado no vazio.
É um espectáculo sobre telenovelas e frases bombásticas sobre romances de cordel e sapatos prada e golpes de misericórdia, vestidos miou-miou e jantares vegetarianos, os campos de refugiados e as madeixas no cabelo, as acções humanitárias e o combate à celulite, o meu carro, a minha empregada, os meus electrodomésticos e a minha carreira e o combate ao el niño, ao efeito estufa, a clínica veterinária dos meus gatos, o desemprego e as guerras étnicas.
Este espectáculo é sobre um tempo de pessoas empalhadas, com sentimentos empalhados - é um espectáculo de espantalhos.
Os espantalhos somos nós. Lúcia Sigalho
Hoje e amanhã no Castelo de Montemor-o-Velho às 22h30.
I work all day, and get half-drunk at night.
Waking at four to soundless dark, I stare.
In time the curtain-edges will grow light.
Till then I see what's really always there:
Unresting death, a whole day nearer now,
Making all thought impossible but how
And where and when I shall myself die.
Arid interrogation: yet the dread
Of dying, and being dead,
Flashes afresh to hold and horrify.
The mind blanks at the glare. Not in remorse
--The good not done, the love not given, time
Torn off unused--nor wretchedly because
An only life can take so long to climb
Clear of its wrong beginnings, and may never;
But at the total emptiness for ever,
The sure extinction that we travel to
And shall be lost in always. Not to be here,
Not to be anywhere,
And soon; nothing more terrible, nothing more true.
This is a special way of being afraid
No trick dispels. Religion used to try,
That vast moth-eaten musical brocade
Created to pretend we never die,
And specious stuff that says No rational being
Can fear a thing it will not feel, not seeing
That this is what we fear--no sight, no sound,
No touch or taste or smell, nothing to think with,
Nothing to love or link with,
The anaesthetic from which none come round.
And so it stays just on the edge of vision,
A small unfocused blur, a standing chill
That slows each impulse down to indecision.
Most things may never happen: this one will,
And realisation of it rages out
In furnace-fear when we are caught without
People or drink. Courage is no good:
It means not scaring others. Being brave
Lets no one off the grave.
Death is no different whined at than withstood.
Slowly light strengthens, and the room takes shape.
It stands plain as a wardrobe, what we know,
Have always known, know that we can't escape,
Yet can't accept. One side will have to go.
Meanwhile telephones crouch, getting ready to ring
In locked-up offices, and all the uncaring
Intricate rented world begins to rouse.
The sky is white as clay, with no sun.
Work has to be done.
Postmen like doctors go from house to house.
A edição de autores russos continua a bom ritmo. Desta vez é a Relógio d' Água que publica "Contos" de Aleksandr Púchkin, com tradução de Nina e Filipe Guerra.
Púchkin foi o primeiro escritor russo a escrever não em francês, como era hábito e de bom tom, mas em russo, língua que aprendeu com a ama. Desconfio que foi também com ela que aprendeu uma série de histórias tradicionais russas que irá utilizar nos seus livros.
Extremamente versátil, Púchkin escreveu romances, poemas, peças, novelas e contos. E, para além de os escrever também os ilustrava. Os seus manuscritos são muito bonitos.
da esquerda para a direita: Acampamento de ciganos, para o poema "Os Ciganos", e Bebendo chá, para o conto "O Coveiro".
a esquerda para a direita: dois autoretratos, no primeiro Púchkin desenha-se a cavalo para "A viagem para Arzum durante a campanha de 1829", e um autoretrato feito para o seu primeiro livro de poemas
Recentemente surgiu uma nova linha de texto na nossa barra de publicidade. Não sei bem o que é que quer dizer mas percebo que se relaciona com palavras que existem no corpo do blog. Às vezes criam-se frases muito engraçadas que parecem cheias de segundos sentidos. Enquanto o blog não abre entretenho-me a ficcionar.
Há bocado dizia assim:
Searches: • ingmar bergman • bergman • vai • lobo
Eu aqui com as “Imagens“ do realizador sueco na mão fiquei de boca aberta perante a beleza e pontaria da frase. E ninguém a escreveu...
Depois da longa explicação, o dia declina. Quando Alma está prestes a adormecer, é como se alguém andasse pelo dormitório, como se a névoa vinda de fora entrasse nele para a enregelar, como se uma angústia cósmica desabasse sobre ela. Então Alma levanta-se para vomitar, mas não consegue. Ao voltar para a cama, vê a porta do quarto da senhora Vogler entreaberta. Quando entra, vê a senhora Vogler desmaiada no chão. Em pânico corre para o telefone, mas o aparelho não dá linha. Ao voltar para junto do corpo inerte, olha-o com os olhos semicerrados e, subitamente, as duas mulheres trocam de carácter entre si. Será desta maneira, embora ainda não saiba muito bem como. Mas ela experimenta, com lucidez e até o absurdo, o estado de espírito da outra. A senhora Vogler é agora Alma, e ela fala-lhe com a sua voz. Depois ficam sentadas uma diante da outra, falando com entoações e gestos. Atormentam-se uma à outra, ofendem-se, depois riem e brincam. Como se fosse uma cena de espelho.
A explicação é um monólogo dobrado. Ele vem, por assim dizer, de dois lados. Primeiro de Elisabet Vogler, depois da enfermeira Alma.
O fotógrafo Sven Nykvist e eu, originalmente, tínhamos pensado numa iluminação connvencional para ambas as actrizes, Liv Ullmann e Bibi Andersson, mas não deu bom resultado. Concordamos então em pôr uma metade do rosto numa escuridão total, não havendo sequer uma luz de compensação.
Depois, na parte final do monólogo, foi um passo natural combinar as duas metades iluminadas dos rostos, fazendo com que se integrassem numa só face.
A maior parte das pessoas tem uma metade do rosto mais fotogénica do que a outra. As fotografias meio iluminadas dos rostos de Liv e de Bibi que ligamos uma à outra mostram as suas metades feias.
Quando recebi do blaboratório o filme com esta duplicação, pedi a Liv e a Bibi que viessem ao estúdio de montagem.
Surpresa, Bibi exclamou: “Como vocês está esquisita, Liv!” E Liv por sua vez disse: Mas essa cara aí é a sua, Bibi. É você que tem um ar esquisito!” Quer dizer, ambas negaram espontaneamente as metades menos bonitas de seus rostos.
Uma noite quente. Numa esplanada junto ao rio, fazemos planos: alugar bicicletas, dar a volta à ilha, atravessar a mata que leva à praia, ir jantar ao Coluna, fotografar os painéis quinhentistas da igreja matriz…
A memória e as expectativas. A nossa vida encontra-se entre as duas.
Can photographs change the way we think? In an exclusive extract from her new book, Susan Sontag argues that while shock and horror can wear off, there are some images that never leave us.
É um extracto de "Regarding the Pain of Others", publicado na edição de sábado do Guardian
O verão é feito de coisas
que não precisam de nome
um passeio de automóvel pela costa
o tempo incalculável de uma presença
o sofrimento que nos faz contar
um por um os peixes do tanque
e abandoná-los depressa
às suas voltas escuras
Logo às 22h00, o Mezzo vai transmitir, mais uma vez, o concerto da Marisa Monte gravado em 1994 no "Palais des beaux-Arts" em Bruxelas.
O alinhamento é o seguinte: Maria da verdade, A menina dança, Eu não sou da sua rua, Ao meu redor, De noite na cama, Diariamente, Pale Blue Eyes, Dansa de solidão, Ensaboa, Xote das meninas, O céu, Segue a seco, De mais ninguém, Preciso me encontrar, Give me love, Beija eu, Na estrada, South American way, Chocolate, Balança a perna e Lenda das sereias.
Em meus tempos de rapaz, havia uma loja de brinquedos onde se podia comprar rolo de filme de nitrato, já utilizado. Custava cinco centavos o metro. Eu punha trinta, quarenta metros de filme num banho forte de soda cáustica durante meia hora, desfazendo assim a emulsão, pelo que as imagens desapareciam. A fita ficava branca, virgem, transparente, sem nenhuma imagem.
Depois, com tintas de várias cores, eu desenhava bonecos novos. Quando, depois da guerra, apareceram os filmes de Normam McLarens directamente desenhados no celulóide, aquilo não era novidade nenhuma para mim. Tiras de filme que rolam no projector, explodindo em curtas sequências de imagens, são coisas que trazia dentro de mim há muito tempo.
Durante o mês de Maio tinha ainda ataques de febre:
Toda esta febre esquisita e todas estas reflexões a sós. Nunca estive tão bem e tão mal na minha vida. Creio que se me esforçar, talvez logre algo único que até aqui não me foi dado atingir. Uma transfiguração do motivo. Uma coisa que se dá com simplicidade, sem pensarmos como aconteceu.
Por intermédio da senhora Vogler, Alma procura a sua própria pessoa, aprende a se conhecer.
Alma conta uma longa história da sua vida, absolutamente banal. Fala da sua paixão por um homem casado, do aborto que fez, de Karl Henrik que, afinal, não ama e com o qual lhe é difícil partilhar a cama. Depois bebe vinho, revela mais intimidades, começa a chorar, acabando nos braços da senhora Vogler.
Esta se condói com tudo aquilo. A cena vai desde a manhã até ao meio-dia, continua à tarde, prolonga-se até cair a noite, mantendo-se até ao raiar do dia seguinte. Alama afeiçoa-se cada vez mais à senhora Vogler.
A passagem que se segue foi escrita em Ornö, em Maio. Estou proximando-me do ponto central tanto de “Persona” como de “A pele da serpente”:
A senhora Vogler tem amor à verdade. procurou-a em tudo, na vida, e, às vezes, lhe pareceu encontrar algo que estava perto dela. Existente, duradouro. Mas, de repente, a vida a traía. A verdade então se desvanecia, desaparecia ou, pior dos casas, se transformara numa mentira.
Já agora, o meu detective preferido tem um nome muito mais adequado à função: chama-se Alack Sinner (José Muñoz e Carlos Sampaio),... mas isso é um assunto para o Beco das Imagens
Recebemos um mail do detective Lima , que não conhecemos de lado nenhum, perguntando, assim mesmo no gerúndio e com dois pontos de interrogação: "Você está sendo traído"?
Fui indagar e descobri um texto brilhante : "O adultério virtual e sua conotação".
Na citação que dá conta da posição da Igreja Católica (apesar da fonte não me parecer lá muito segura) e que diz assim: "A traição por e-mail e contatos sexuais imaginários são tão condenáveis quanto os condenáveis encontros físicos", pareceu-me encontrar a mãozinha do Diácono Remédios. E o § 9 também é muito interessante...
Rickie Lee Jones em concerto, às 22h00 no Mezzo. Para abrir o apetite, que tal uma voltinha no site oficial?
Melhor fotografia: Annie Leibovitz
Melhor companhia: Rickie, Waits and Sam Diego em Inglaterra, Agosto de 1979
minha amiga Alexandra (com olhar de escorpiona aguçado) escreveu-me, fazendo o seu comentário sobre o artigo acerca d'Os Espaços em Branco de Agustina Bessa- Luis, que saiu ontem no Mil Folhas. aqui fica:
margarida rebelo pinto alerta: não há coincidências.tipo os avisos nos cigarros marlboro: fumar provoca cancro.
agustina bessa luís , tão dada a aforismos , apreciaria certamente a tirada.e contaria uma historia ancestral para ilustrar o dito.a audiência apreciaria.haveria riso em sintonia.as gentes no afã de partilhar do universo das genialidades literarias acenam .e acenam.e acenam.e perdem o juìzo crìtico.
será que ninguém leu clarice ? quem? CLARICE LISPECTOR.
há um livro ( serve a palavra livro , serve a palavra literatura para clarice?) desta autora( ?) que termina :
« -Eu penso , interrompeu o homem e a sua voz estaca lenta e abafada porque ele estava sofrendo de vida e de amor , eu penso o seguinte : ».
É o livro acaba assim.isso mesmo , com dois pontos.clarice em todo o seu esplendor.o livro : Uma Aprendizagem ou o Livro dos prazeres. Está editado pela Relógio dÁgua , com a graça dos deuses , que poucas são as obras do Brasil que cá nos chegam.
Então e ninguém lê ou leu a Clarice quando tanto falam do livro de Agustina e do facto de , também este último , terminar assim , com dois pontos?
Não há coincidências , pois não , mas descoincidências não faltam.
Engraçado , mas senhores jornalistas , há que pensar antes de encomiar.
On Reading é um livro sobre a ideia de leitura, isto é, sobre a visão da leitura. Como todos os actos humanos que exigem uma lenta e afeiçoada aprendizagem, ler, a visão da leitura, move à piedade. Ler na rua, entre os ruídos dos passeantes, dos automóveis, estar protegido, sentado no chão entre os detritos próprios das cidades, chupando um sorvete, ou guardado em casa, guardado pelos deuses do lar, o anjo-da-guarda da infância: querer ir ter, querer ir ter com alguém, ter marcado encontro com alguém:"agora enquanto posso..."; "ah! depois de estar tudo arrumado", "antes que a luz se extinga", "daqui a pouco não haverá tempo", "teria ficado aqui?", "meu Deus, conseguirei ir até ao fim?". À luz gordurosa do refeitório do asilo, um velho lê uma carta (Paris, 1929), refúgio da velhice, a sua prova;(...); os anjos no intervalo da representação teatral revendo o seu papel (Nova Iorque, 19 de Abril de 1938); os inúmeros refugiados nas varandas, sacadas, telhados (...). Esquece-se. Esquece-se o frio, os pés gelados (como na única fotografia que provém da Hungria, Estergom, 1915), o cheiro nauseabundo, a multidão, a alegria alheia, a dor de cada um, estar tanto tempo só. Pouco importa o que lêem todos eles, histórias de quadradinhos,notícias desportivas, o livro das salmos, o livro do Jacob, cartas, anedotas (...). Trata-se sempre de participar num segredo. No acto de leitura isso que é o próprio do homem-"um animal jamais substitui uma coisa pela outra", como diz Clarice Lispector-é levado ao seu limiar mais cego; rigorosamente falando, ler não substitui, suspende e faz caminhar, ler é um dos modos de antecipação mais prodigioso, em que o espírito se guarda e inspira, aprofundando, alargando e contraindo o tempo.
Maria Filomena Molder, Semear na Neve- Estudos sobre Walter Benjamin, Relógio d' Água Editores, 1999.
Amar o mar completa a minha vida
com o tacto de um amor imenso.
Amar ateia a margem
arrebata-me de júblio e paixão.
Mas veio o vento e, por momentos,
amargurou o meu corpo, a oscilar.
E está o sol aqui, depois de uns dias
de jardim obscurecido, a beber sombra.
E sei que os átomos zumbem
e dançam como os insectos
ébrios em redor do pólen.
De um sonho
Uma casa que sonha com o mar
tem a luz que está a ser sonhada.
Nela, os habitantes vivem e morrem,
ouvindo só o som do mar distante.
Porém um dia, os habitantes saem
para o mar. A casa acorda
e não mais se recorda do seu sonho,
deixando entrar outro sol da realidade.
Fiama Hasse Pais Brandão, As Fábulas, Edições Quasi, 2002.
um amigo meu voltou a encontrar um site que eu,há muito, queria voltar. o poema "Daddy" lido pela poeta S Plath, os poemas de Augusto Campos cantados pelo Caetano Veloso, as leituras de La Toison D'Or e Les Voleurs d'Enfants pelo autor Jean Cocteau são algumas de muitas muitas razões que me faziam querer muito encontrar este site: http://www.ubu.com/ agora não há maneira de perdê-lo. mais do que excelente!!!!!!
Acrescentamos uma série de links nos “Blogs cá de casa”, que estavam em falta.
A descoberta de hoje foi reflexos de azul eléctrico . É um blog de reflexão, de visita obrigatória.
Continuando o seu excelente trabalho, a Zero em comportamento vai apresentar nos próximos dias 29, 30 e 31 no Cine-Estúdio 222, uma cópia restaurada de “Persona”, de Ingmar Bergman.
É um filme a não perder. Merece ser visto e merece ser pensado, por isso resolvemos convidar o próprio realizador sueco para lançar algumas pistas de leitura. Começamos hoje a publicar alguns excertos do livro “Imagens”, editado no Brasil pela Martins Fontes. O livro foi escrito em discurso directo, parece uma conversa ou até mesmo um blog.
Senhores e senhoras: Ingmar Bergman
O que se segue foi escrito em Maio, em Ornö. refiro-me simultaneamente ao tema de “Persona” e de “A pele da serpente”. São notas da minha agenda de trabalho com data de 29 de Abril:
Vou tentar seguir as seguintes normas:
Café da manhã às sete e meia; juntamente com os outros pacientes.
Arranjar-me para o passeio matinal.
Não ler jornais ou revistas durante este período.
Não ter nenhum contacto com o teatro.
Não abrir cartas, telegramas ou receber mensagens telefónicas.
Ao fim da tarde estou autorizado a ir para casa.
Sinto que se aproxima o combate decissivo. O importante é não o odiar. Tenho de chegar a alguma conclusão, de contrário o Bergman vai dar em pantana.
Lendo isso, é evidente que a crise que atravessava era grave. Mais tarde, elaborei normas idênticas ao tentar suplantar toda aquela história dos impostos. A meticulosidade foi o meu bote de salvação.
E desta situação crítica foi surgindo “Persona”:
A personagem foi actriz – talvez possa transigir quanto à profissão? Depois, um dia, deixa de falar. Não há nada de estranho nisso.
Vou iniciar o filme com uma cena em que o médico informa a enfermeira Alma do que aconteceu à paciente. Essa é a primeira cena fundamental. Enfermeira e paciente se aproximam uma da outra, passando a ser como unha e carne. Mas a paciente não fala, rejeita a própria voz. Não quer faltar à verdade.
Estes são, portanto, os primeiros apontamentos da minha agenda de trabalho, com data de 12 de Abril. Ali também está uma coisa que não fiz, mas que tem relação com “Persona”, sobretudo com o título: “Quando o namorado de Alma, a enfermeira, lhe faz uma visita, ela apercebe-se pela primeira vez do modo como ele fala, nota como ele a toca, ficando aterrorizada porque percebe que ele está representando, está fazendo um papel.”
Mas quando sofremos é horrível, e então não representamos.
Confesso que essa fase da minha vida foi extremamente difícil. Tinha o pressentimento de que a minha existência estava ameaçada:
Será possível transpor isso para um processo interior?. Quer dizer, dar a entender que é uma composição a várias vozes, um “concerto grosso” no interior da mesma alma? De qualquer modo os factores do tempo e do lugar serão de importância secundária. Um segundo poderá abranger um largo lapso de tempo, conter uma série de réplicas dispostas sem nenhuma relação umas com as outras.
No filme concluído vê-se isso. Os actores mudam de lugar para lugar sem que os vejamos se deslocarem. Quando o fazem, a acção é prolongada ou encurtada, ficando assim anulado o factor tempo.
Depois surge uma coisa relacionada com algo muito antigo de minha infância:
Imagino um pedaço de filme branco, sem imagens. Esse pedaço passa uns segundos no projector e, pouco a pouco, ouvem-se palavras vindas da fita sonora (talvez só durante um instante). Depois surge justamente a palavra que eu imagino, logo seguida de um rosto que mal se distingue no branco da fita. É o rosto de Alma e da senhora Vogler.
Os “três homens”, da esquerda para a direita: Carl Hentschel (Harris), George Wingrave (George) e Jerome K. Jerome (J)
Anda por aí a segunda edição de “Três homens de bicicleta” (Three men on the Bummel). É muito divertido e recomenda-se. Alguns anos depois de um famoso passeio de bote, os três homens sentem necessidade de arejar e resolvem ir até à Floresta Negra. Segue-se um retrato hilariante do povo alemão.
A edição é da Cotovia e tem tradução de Luísa Costa Gomes.
Hoje é a última oportunidade para ver Goblin Market, uma co-produção de Coimbra e do Arexploratóriodasartes. O espectáculo está marcado para as 17h00 na mata do Jardim Botânico, em Coimbra.
Criado a partir de um poema alegórico escrito em 1859 por Christina Rossetti sobre a tentação e redenção femininas, o espectáculo apresenta-se sob a forma de um conto para crianças.
Através de um imaginário onírico enquadrado pela voluptuosidade da natureza, Goblin Market , descreve o encontro inevitável de duas irmãs, Laura e Lisa, com os sinistros Goblins, seres bestiais que habitam a floresta e que ao cair da tarde seduzem as donzelas com o seu canto e com os seus luxuriantes frutos.
Ilustrações de Laurence Housman para a edição de "Goblin Market" da Macmillan, 1893 (Londres)
Muitos flashs e vedetas na estreia de "Um Hamlet a mais" na passada quinta-feira no Rivoli.
É mais uma leitura da peça eterna. Desta vez pludisciplinar, com vídeos, muita música e muitos efeitos. Há microfones, espadas e até o que me pareceu ser um Theremin. Os actores desdobram-se e transvestem-se. Enche o olho mas não enche o coração. Saí da sala sem qualquer inquietação. Terei mesmo visto Hamlet?
Nome Vulgar: Oliveira
Nome botânico: Olea europaea Distribuição: Todo o país excepto nas zonas alpinas
Características: Árvore de folha persistente, resistente à secura e ao calcário
Fotografia: Abril de 2003, Belgais, antes do concerto
Texto: retirado do livro "A Árvore em portugal", de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles (edição Assírio & Alvim)
Uma colectânea das gravações feitas pela Winter & Winter na Villa Medici (Briosco, Itália). O disco é bom e tem uma capa muito bonita, aliás como todas as capas desta etiqueta.
Bom, o início do sonho da ascensão ao Pico ia cumprir-se, a lua corria nos pinhais (a memória dos pinheiros só em Santa Maria pode, esparsamente, ser recuperada a um continental, pelas outras ilhas fazem sempre figura de ornamento impossível de jardim). Da base da ilha, a montanha erguia-se mansa, poucas nuvens, apenas se congregavam em montão num pequeno ponto cimeiro. A cerca de vinte e cinco quilómetros da Madalena, aí a uns mil e duzentos metros de altitude, a carrinha largar-nos-ia para partirmos a pé e viria buscar-nos no princípio da tarde seguinte. Eu ia tão contente que nem queria ver o que o luar exigia, fugindo a entregar-me, sem o conseguir, às notas habituais nos solavancos de transportes que me enlouqueciam a letra.
…
Todas as noites canto, porque sou pago para isso, mas as canções que ouviste eram pézinhos e sapateiras para os turistas de passagem e para aqueles americanos que se estão a rir lá ao fundo e que daqui a pouco se vão embora aos ziguezagues. As minhas verdadeiras canções são só quatro chama-ritas, pois o meu repertório é escasso, e depois eu estou a ficar velho, e fumo de mais e a minha voz está rouca. Tenho de vestir este balandrau açoreano que se usava em tempos, porque os americanos gostam do pitoresco, depois voltam para o Texas e contam que estiveram numa tasca, numa ilha perdida, onde um velho com uma capa cantava o folclore do seu povo. Querem a viola de arame que dá este som de feira melancólica, e eu canto-lhes modinhas pirosas onde a rima é sempre a mesma, mas tanto faz, eles não percebem e, como vês, bebem gin tónico. Mas tu, o que é que procuras, que todas as noites vens aqui? Tu és curioso e procuras outra coisa, porque é a segunda vez que me convidas a beber, mandas vir vinho «de cheiro» como se fosses dos nossos, és estrangeiro e finges falar como nós, mas bebes pouco e depois ficas calado e esperas que fale eu. Disseste que és escritor e, no fundo, talvez a tua profissão tenha alguma coisa a ver com a minha. Todos os livros são estúpidos, há sempre pouco de verdadeiro neles, e contudo li muitos nos últimos trinta anos, mesmo italianos, naturalmente todos traduzidos, aquele de que mais gostei chamava-se Canaviais no vento, de uma tal Deledda, leste-o? E depois tu és jovem e gostas de mulheres, bem vi como olhavas para aquela mulher muito bonita com o pescoço alto, olhaste para ela toda a noite, não sei se estás com ela, também ela olhava para ti e talvez te pareça estranho, mas tudo isto acordou em mim qualquer coisa, deve ser porque bebi de mais. Sempre escolhi o demais na vida e isto é uma perdição, mas não há nada a fazer quando se nasce assim.
...
Ouvi um barulho e voltei-me. Alguém pousava sacos cheios junto a um papelão. De dentro de um deles reconheci o logotipo da K. “Mas... a K não pode ir para o lixo!” Atravessei a rua e fui remexer. Os sacos estavam cheios de revistas, a maior parte sem interesse. Depois de vários movimentos dignos de uma respigadora, saí vitoriosa com dois exemplares impecáveis da revista.
Vou ficar com o número 5 porque faz parte de um empréstimo a que perdi o rasto. Mas tenho o número 11, de Agosto de 1991, disponível para oferta a quem provar tratá-lo bem e, já agora, acertar na pergunta que vem a seguir.
Esta edição era especial, a K estava quase a fazer um ano e por isso oferecia uma moto BMW K1 a quem preenchesse um cupão e uns binóculos a quem acertasse no difícil, mas não impossível, inquérito formulado por Maria Filomena Mónica e António Barreto. Dentro do "espírito" do dia aqui fica a questão crucial:
1. No princípio, era o vinho Bebia-se mais no Antigo Testamento ou no Novo? Quantas vezes é o vinho citado em cada um?
a) 10
b) 82
c) 155
d) 230
e) 461
Outros assuntos tratados na K #11 Um inquérito feito a mais de cem portugueses: Borregos e Leitões, Ratos e Rochas, Motas e Fragatas, Cruzes e canhotos, minerais e vegetais, arquitectos e jornalistas, políticos e maníacos. A cada um fizemos três perguntas diferentes. Uma banda desenhada: “O Eterno passageiro”, de Luís Félix
As rubricas habituais de Miguel Esteves Cardoso, Agustina Bessa Luís, Manuel Hermínio Monteiro,…
“Retrato do Herói - Paiva Couceiro: de África à Galiza”, de Vasco Pulido Valente
O melhor é responderem na caixa de comentários para a senhora do Governo Civil se certificar que não houve batota.
O prémio inclui os portes e convém que saibam: tenho o número 12 para conferir as respostas.
Há muitos livros sobre álcool. Assim desprevenida lembro-me de “As memórias de um alcóolico”, de Jack London (Antígona), de algumas das histórias de Raymond Carver (Teorema) e deste : “De Moscovo a Petuchki - a lucidez de um alcoólico genial” de Venedikt Erofeev. Está editado em português pela Cotovia e é genial.
É mais ou menos auto-biográfico, narra uma viagem de Moscovo a Petuchki, de comboio, em que Venitchka partilha o álcool com os outros bêbados do comboio e com os anjos (a esfinge e o diabo que o alucinam).
Venitchka fala do estado soviético, da literatura russa e de filosofia e ainda apresenta umas receitas mirabolantes de cocktails, tipo “lágrima da jovem comunista”ou “tripa da cadela”, compostos por partes de vodka, água de colónia e outros ingredientes suspeitos.
Erofeev é uma personagem obscura das letras e dizer que é das letras já é suspeito. O livro foi escrito nos anos setenta e circulou mais ou menos na clandestinidade. Será o álcool capaz de dissolver o poder?
A primeira edição De Moscovo a Petuchki vendeu-se muito rapidamente por ter sido apenas de um exemplar. Desde então fui bastante criticado pelo capítulo “Foice e Martelo - Karatcharovo”, mas injustamente. No prefácio dessa primeira edição, eu prevenia todas as moças de que deveriam passar por cima do capítulo “Foice e Martelo - Karatcharovo” e não o ler, porque depois da frase E comecei imediatamente a beber seguem-se páginas inteiras dos mais refinados palavrões, já que em todo esse capítulo não há uma única palavra normal, à excepção da frase E comecei imediatamente a beber. Com essa informação bem intencionada consegui que todos os leitores, e em particular as moças, se atirassem logo ao capítulo “Foice e Martelo - Karatcharovo” sem lerem os anteriores, nem sequer a frase E comecei imediatamente a beber. Por isso achei necessário nesta segunda edição, retirar do capítulo “Foice e Martelo - Karatcharovo” todos os palavrões. Assim será melhor porque, primeiro, irão ler a obra conforme a ordem estabelecida e, segundo, não haverá ofendidos
Quando o Luís Rei me perguntou se eu conhecia poemas com alto teor alcoólico lembrei-me de Omar Khayyam, o poeta das “Rubaiyat - Odes ao Vinho" (edição da Estampa).
Escolhi alguns poemas para sintonizar com o Robin Laing. Podem ler à vontade, na poesia a tolerância ao álcool é total.
Na Primavera, gosto de me sentar na orla de um campo florido.
E, quando uma bela rapariga me traz uma taça de vinho,
não me impota nada a minha salvação.
Se eu tivesse essa preocupação, valeria menos que um cão.
Ninguém pode compreender o que é misterioso.
Ninguém é capaz de ver o que ocultam as aparências.
As nossas moradas são provisórias, excepto a última: a terra.
Bebe vinho! Basta de palavras supérfluas.
A tua vida não terá sido inútil,
se tiveres enxertado no teu coração a rosa do Amor
ou se tiveres procurado ouvir a voz de Alá
ou ainda se tiveres empunhado a tua taça sorrindo ao prazer.
Dizem-me:«Não bebas mais, Khayyam!»
Eu respondo: Quando bebo, ouço o que me dizem as rosas, as túlipas e os jasmins.
Escuto mesmo aquilo que não pode dizer-me a minha bem-amada.
Retóricos e silenciosos sábios morreram
sem terem podido entender-se sobre o ser e o não ser.
Ignorantes, meus irmãos, continuemos a saborear o sumo dos cachos
e deixemos esses grandes homens regalarem-se de uva-passas.
Senta-te e bebe. Gozarás de uma felicidade que Mahmud nunca conheceu.
Escuta as melodias que exalam os alaúdes dos amantes:
são os verdadeiros salmos de David.
Não mergulhes no passado nem no futuro.
Que o teu pensamento não ultrapasse o momento presente.
Esse é o segredo da paz.
No tempo em que ainda não havia blogs, escreviam-se diários. Hoje, este romance poderia ser dois blogs?
Confissão impudica
1 de Janeiro
Decidi anotar de hoje em diante neste diário coisas que até aqui não ousava confiar-lhe. Eu não queria falar de uma maneira muito clara das minhas relações íntimas com a minha mulher. Com efeito, tinha medo que ela se zangasse se lesse este diário às escondidas, mas a partir deste ano decidi deixar de temer a sua fúria. Tenho a certeza que ela sabe que meto este caderno numa determinada gaveta do meu escritório.
4 de Janeiro …
Seja como for, que importância é que isso tem? Mesmo que isto seja assim, não lerei nunca o seu diário. Não quero transpor os limites que fixei a mim própria, penetrando nos segredos da alma de meu marido. Tal como não gosto de revelar aos outros o que me vai na cabeça não sinto curiosidade em saber o que os outros têm no íntimo de si mesmos. Além disso, se ele quer que eu leia o seu diário, é porque talvez contenha mentiras. Não está, forçosamente, escrito só com coisas agradáveis para mim. Meu marido pode escrever e pensar o que lhe apetecer, eu faço o mesmo. A verdade é que também comecei este ano a redigir um diário. As pessoas como eu, que não contam aos outros os seus assuntos , têm necesidade de os contar a elas próprias. Mas não cometo a imprudência de deixar o meu marido suspeitar que escrevo o meu diário. Escrevo-o aproveitando as suas ausências e escondo-o num lugar de que não faz a menor ideia.
O Citemor começa na próxima sexta-feira. O programa está disponível em www.citemor.com. Podem reservar bilhetes pela internet. Já comprovei, e funciona. Quanto a dormidas, a Residencial Abade João está cheia, o melhor é procurar em Coimbra. Deixo-vos com os títulos:
25, 26 E 27 DE JULHO > 22:30 > Teatro Esther de Carvalho
A FESTA, de Spiro Scimone > um trabalho de Miguel Borges e Américo Silva > Tá Safo > residência de criação > ESTREIA
26 DE JULHO > 24:00 > Teatro Esther de Carvalho
GUERRA, de Harold Pinter > leitura por Jorge Silva Melo
31 DE JULHO E 1 DE AGOSTO > 22:30 > Castelo
CAPRIIICHO!, um espectáculo de Lúcia Sigalho > Companhia de Teatro Sensurround
2 E 3 DE AGOSTO > 22:30 > Teatro Esther de Carvalho
UGLY, concepção e direcção de Carlota Lagido > ESTREIA
7 E 8 DE AGOSTO > 22:30 > Castelo
COMPRÉ UNA PALA EN IKEA PARA CAVAR MI TUMBA, direcção de Rodrigo Garcia > La Carniceria Teatro > ESTREIA NACIONAL
9 DE AGOSTO > 22:30 > Teatro Esther de Carvalho
SUPERMAN, seguido de Dossier HITCH, direcção de Francisco Camacho > residência de criação/apresentação informal
10, 11, 12 E 13 DE AGOSTO > 22:30 > Castelo
VERÃO - programa de cinema ao ar livre Janela Indiscreta, Alfred Hitchcock, 1954
Noites Escaldantes, Laurence Kasdan, 1981
Juventude Inquieta, Francis Ford Coppola, 1983
Verão Escaldante, Spike Lee, 1999
14 DE AGOSTO > 22:30 > Castelo
TONY ALLEN (concerto), ESTREIA NACIONAL
Master classes, Jordi Savall: Musiques pour la paix
Une partie de la culture européenne se trouve chez Jordi Savall. Celle de la musique médiévale avec toutes ses richesses. Espagnol et d’abord Catalan, Jordi Savall est né en 1941 à Barcelone. L’Espagne, et surtout la Catalogne espagnole, a une forte tradition de violoncelliste avec des musiciens tels que Pablo Casals. Jordi Savall termine ses études de violoncelle en 1965 et a eu immédiatement après la possibilité d’acquérir une viole de gambe. Dans le même temps on lui proposa de jouer en concert avec Victoria de Los Angelès à Barcelone: une longue carrière commençait.
En 1966, il se rend à Paris et fait des recherches à la Bibliothèque Nationale où il découvre les livres de Marin Marais, les pièces de Couperin pour Violoncelle, de Forqueray et Caix d’Hervelois. Il joue de manière autodidacte et prend conscience de l’importance et de la richesse du répertoire de la viole de gambe. Il part à Bâle en 1968, car c’est là que se trouve le seul centre de recherche sur la musique ancienne, la Schola Cantorum Basiliensis. En 1974, avec sa femme Montserrat Figueras (soprano), il fonde l’ensemble Hespérion XX, puis en 1989, le Concert des Nations, composé de musiciens internationaux et inspiré des Nations de Couperin.
Apaga-me os olhos: inda posso ver-te,
tranca-me os ouvidos: inda posso ouvir-te,
e sem pés posso ainda ir para ti,
e sem boca posso inda invocar-te.
Quebra-me os braços, e posso apertar-te
com o coração, e o cérebro baterá,
e se me deitares fogo ao cérebro
hei-de continuar a trazer-te no sangue.
Rainer Maria Rilke,
Poemas, as elegias de Duino e sonetos a Orfeu (tradução Paulo Quintela), Ed. Asa, 2001
Tu és tão grande que eu já nem existo
quando me vou pôr ao pé de ti.
Tu és tão escuro; a minha fraca luz
não tem sentido ao pé da tua fímbria.
O teu querer é como uma onda
em que vai afogar-se cada dia.
Só a minha saudade
chega à altura do teu rosto,
e fica frente a ti como o maior dos anjos,
um anjo estranho, pálido, ainda não liberto,
a estender as asas para ti.
Ele já não quer aquele voo sem margens
pelo qual passavam pálidas as luas,
e dos mundos sabe há muito já bastante.
Com as asas quer ele, como com chamas,
ficar diante da tua face sombria
e quer, à luz clara delas, ver
se os teus cenhos escuros o condenam.
Rainer Maria Rilke,
Poemas, as elegias de Duino e sonetos a Orfeu (tradução Paulo Quintela), Ed. Asa, 2001
Fotografia: um anjo na Marginal (do Porto). 20.07.03, ao fim da tarde.
Não sei porquê mas a verdade é que gosto de becos sem saída e ruas estreitas e incaracterísticas. Quando aproveito a hora do almoço para ir à baixa tomo geralmente a Rua das Oliveirinhas, que me leva mais rapidamente da Fernandes Tomás ao Largo do Padrão. É muito estreita, e só tem uma faixa – diminuta – de passeio mas, como quase não passam carros, atravesso-a pelo meio. Parte dela é feita de traseiras, de muros que resguardam os quintais das casas de Coelho Neto. Nesses logradouros crescem laranjeiras e uma palmeira. Encontro gatos e alguns jornalistas do “Primeiro de Janeiro” que vêm à rua fumar ou atender o telemóvel. As casas são antigas, sem desenho artístico, não são bonitas mas é mesmo disso que gosto. Uma rua que cresce à margem de urbanistas, arquitectos ou autarcas.
Volto da baixa pela mesma rua e páro numa das esquinas a olhar uma casa recentemente pintada de verde pantone 3395C
Não tem todos os livros que eu quero ler e o horário não é muito jeitoso para quem trabalha mas estes são os únicos defeitos que encontro na Biblioteca Municipal Almeida Garrett. Fora isso, gosto do edifício (desenhado por José Manuel Soares), do tapete de cascalho que rodeia a entrada, da parede feita de troncos e das janelas rasgadas para os jardins do Palácio de Cristal. Gosto das cadeiras, dos sofás e dos candeeiros. Mas o que eu gosto mesmo é de andar por entre as estantes a ver as lombadas, a folhear, a escolher os livros que trago para casa. E têm sido muitos: JD Sallinger , Philip Roth, Seamus Heaney, Paul Celan, Wallace Stevens, Francis Ponge, Jack London… estão lá todos à nossa disposição.
Por brincadeira costumo chamar-lhe a “nossa biblioteca nórdica” porque aqui a burocracia é menor, reina o à vontade e a boa educação e há vestígios de Alvaar Alto. Dá gosto frequentá-la.
Nome popular: pitanga-vermelha; cerejeira-brasileira
Nome científico: Eugenia uniflora L.
Família botânica: Myrtaceae
Origem: Matas dos Estados de Minas Gerais até Rio Grande do Sul.
Pitanga é uma palavra proveniente da língua tupi que quer dizer vermelho-rubro. E ela é, de fato, fruta vermelha, rubra, roxa, às vezes quase preta, gostosa de se comer, refrescante, refrigerante. Como se dizia há muito tempo atrás, "grande calmante do sangue".
O sabor adocicado da polpa da pitanga, levemente ácido e de perfume característico próprio, tem lugar certo no paladar brasileiro. O ato de comer pitangas colhidas diretamente no pé tem, também, espaço garantido na cultura e nos sentimentos mais brasileiros. Sua imagem delicada, sua forma arredondada de gomos sutis e sua vermelhidão exagerada são símbolos da terra.
Originária do Brasil, a pitanga encontra-se por toda parte, país afora, para quem quiser e puder desfrutá-la, espalhando-se desde o Nordeste até o Rio Grande do Sul, ultrapassando fronteiras para chegar até algumas regiões do Uruguai e da Argentina.
Nascendo em pequenas ou grandes árvores, a pitanga, quando cultivada, é fruta típica e própria para quintais e pomares de residências urbanas ou sítios, onde a ornamental pitangueira pode compor bonitas cercas vivas e jardins.
A floração da pitangueira é abundante, branca e perfumada. Na época da frutificação, a árvore se transforma, chamando a atenção mesmo quando vista de longe, pois seus ramos ficam completamente pintados de um vermelho brilhante, atraindo grande quantidade de pássaros, crianças e adultos que se esqueceram de crescer. E todos eles podem se deliciar com o sabor dos frutinhos maduros.
Além de consumi-la fartamente in natura, com o sabor da pitanga o brasileiro criou inúmeras receitas de sucos, refrescos, geléias e doces, além do famoso "licor ou cognac de pitanga" ao qual se atribuem propriedades afrodisíacas. Este último, também conhecido como "cognac tropical" e cuja receita ficou imortalizada no livro "Açúcar" do pernambucano Gilberto Freyre é uma das bebidas regionais mais características do Nordeste brasileiro, juntamente com o caldo de cana, com a cachaça mexida com mel e com os vários sucos e vinhos de frutas nativas.
Estas Pitangas vão direitinhas para Belo Horizonte , ao cuidado de Lucas Baldus, Vicente Gunz, Rubem Focs e Franz Kafka.
Nota: a única pitangueira que encontrei foi no Jardim Colonial à Calçada da Ajuda em Lisboa. Já foi há uns anos atrás mas nunca mais esqueci esta bela e perfumada árvore.
O espaço que se segue é da responsabilidade da Zero em Comportamento.
Classificados: ALUGA-SE
A Zero em Comportamento tem três salas disponíveis para alugar a outras associações culturais ou a quem precise de um espaço de trabalho. As salas têm 25m2, 30m2 e 6m2 (esta é ideal para uma pessoa só). Temos cozinha, WC e espaços para arrumos. Venham ver!
Estamos na Rua Gonçalves Crespo, no cimo da Av. Duque de Loulé, perto do Liceu Camões, da Sociedade Portuguesa de Autores e da Polícia Judiciária.
Para mais informações por favor contactar:
Zero em Comportamento > Rui Pereira 21 315 83 99
geralzero@netcabo.pt
Não é apenas uma exposição de fotografia. É uma mostra da casa de fotografia Pacheco. São restos ainda vivos e a memória impressa por uma casa fotográfica que registou pedaços da História do século XX. “Pacheco, a Memória de um Tempo e de um País” é o título da exposição – produzida pelo Ayuntamiento de Vigo-Cultura – apresentada no Porto com a colaboração do Instituto Cervantes e Fundación Caixa Galicia e com o patrocínio de Ferroser.
Nas paredes do edificio da Cadeia da Relação do Porto, nas instalações do Centro Português de Fotografia, estão as provas visíveis de um estúdio que perseguiu o momento. A Casa Pacheco, criada em Vigo com o esforço do italiano Felipe Prósperi, a pontevedrina Cândida Otero e o português, de Freixo de Espada à Cinta, Jaime de Sousa Guedes Pacheco, fechou definitivamente em 1944. Felizmente, o espólio da casa, adquirido pelo município de Vigo, sobreviveu.
“A maioria das imagens desta exposição situam-se nos trinta primeiros anos do século XX e mostram-nos não apenas a evolução do Porto de Vigo, a paisagem urbana e a vida económica e social ou personalidades da culturas, acontecimentos marcantes como a campanha de Marrocos, a estada de Lindberg, o início da guerra civil e imagens fortissímas da emigração para as Américas”, refre o texto de apresentação da mostra que foi inaugurada no passado sábado. Vá pelos seus olhos.
Centro Português de Fotografia Edifício da Cadeia da Relação do Porto
De 3ª a 6ª, das 15h00 às 18h00; sáb., dom. e feriados, das 15h00 às 19h00.
Entrada gratuita
“Edmond”, de David Mamet está em cena no National Theatre em Londres. Vale a pena ler o texto que o dramaturgo escreveu sobre a peça e sobre o racismo, no Guardian This is a harsh play. I remember when it was first staged in New York. The critics, rather universally, called it misguided and excessive. I didn't mind. I thought it was accurate. I still do. The only way a playwright can challenge racism in America is by facing up to its violent past.
posted by Anónimo on 13:29
Vaidade mundana era como apelidava Sebastian Brandt na Nave dos Loucos, publicada em Bâle em 1494, essa ânsia científica que levava os geógrafos a percorrerem o mundo na tentativa de o medir e descobrir. De nada lhes valeria tamanho desafio à Criação Divina pois o reino dos céus não se alcançava pelo saber mas pela aceitação da pequenez da condição humana.
“Não considero verdadeiramente sábio
Aquele que gasta todo o seu zelo e sentido
A descobrir cidades, países
E parte, de compasso na mão
Para conhece bem a largura da terra,
E a profundidade do mar
(...)Que povos estão nas latitudes,
Se existem, por baixo dos nossos pés,
Também pessoas, ou não existe nada?
Se aí vivem, como se sustentam de pé,
E não caem no ar?
(...) O mestre Plínio acerca disso já dissera
Que é por certo insano
Quem quer abraçar o mundo imenso
(...)Que necessidade tem o homem
de procurar mais alto que ele
sem saber para que isso lhe serve
o que encontrará aí de eminente
quando ignora a hora da sua morte
que corre atrás dele como uma sombra
por mais verdadeira e certa que seja esta ciência
Por isso é um grande louco
quem sonha
que lhe pertencem coisas estrangeiras
que procura conhecê-las directamente
quando o próprio não se conhece
(...) só busca glória mundana
esquecendo o reino eterno”
O mundo mapeado
Século e meio mais tarde, nos recolhidos interiores domésticos de Vermeer, os mapas e globos homenageiam estes sábios que mapearam a terra e lhe encontraram as coordenadas geométricas e matemáticas. A mesma ciência da ordem das proporções matemáticas e geométricas que defende como chave de ouro na sua pintura.
Os “geógrafos” dos nossos dias preferem viajar nas férias e geralmente escolhem uma agência que lhes trate do tour turístico. A net.viagens não é má e permite fazer marcações sem sair de casa, poupando mais canseiras de deslocação que as estritamente necessárias nas vacances.
Duane Hanson satirizou estes viajantes dos tempos modernos em esculturas hiper-realistas. No cinema, Jacques Tati sabotou umas pacatas férias familiares na praia no delicioso Les Vacances de M. Hulot e mostrou-os insanos, massificados e tontos no Playtime. Pela minha parte não consigo deixar de gostar deles. Devolvem-nos o olhar ingénuo que tanto se comove com maravilhas da civilização registadas nas polaróides como é capaz descobrir poesia na vulgaridade que nos rodeia todos os dias.