Em meus tempos de rapaz, havia uma loja de brinquedos onde se podia comprar rolo de filme de nitrato, já utilizado. Custava cinco centavos o metro. Eu punha trinta, quarenta metros de filme num banho forte de soda cáustica durante meia hora, desfazendo assim a emulsão, pelo que as imagens desapareciam. A fita ficava branca, virgem, transparente, sem nenhuma imagem.
Depois, com tintas de várias cores, eu desenhava bonecos novos. Quando, depois da guerra, apareceram os filmes de Normam McLarens directamente desenhados no celulóide, aquilo não era novidade nenhuma para mim. Tiras de filme que rolam no projector, explodindo em curtas sequências de imagens, são coisas que trazia dentro de mim há muito tempo.
Durante o mês de Maio tinha ainda ataques de febre:
Toda esta febre esquisita e todas estas reflexões a sós. Nunca estive tão bem e tão mal na minha vida. Creio que se me esforçar, talvez logre algo único que até aqui não me foi dado atingir. Uma transfiguração do motivo. Uma coisa que se dá com simplicidade, sem pensarmos como aconteceu.
Por intermédio da senhora Vogler, Alma procura a sua própria pessoa, aprende a se conhecer.
Alma conta uma longa história da sua vida, absolutamente banal. Fala da sua paixão por um homem casado, do aborto que fez, de Karl Henrik que, afinal, não ama e com o qual lhe é difícil partilhar a cama. Depois bebe vinho, revela mais intimidades, começa a chorar, acabando nos braços da senhora Vogler.
Esta se condói com tudo aquilo. A cena vai desde a manhã até ao meio-dia, continua à tarde, prolonga-se até cair a noite, mantendo-se até ao raiar do dia seguinte. Alama afeiçoa-se cada vez mais à senhora Vogler.
A passagem que se segue foi escrita em Ornö, em Maio. Estou proximando-me do ponto central tanto de “Persona” como de “A pele da serpente”:
A senhora Vogler tem amor à verdade. procurou-a em tudo, na vida, e, às vezes, lhe pareceu encontrar algo que estava perto dela. Existente, duradouro. Mas, de repente, a vida a traía. A verdade então se desvanecia, desaparecia ou, pior dos casas, se transformara numa mentira.