Vaidade mundana era como apelidava Sebastian Brandt na Nave dos Loucos, publicada em Bâle em 1494, essa ânsia científica que levava os geógrafos a percorrerem o mundo na tentativa de o medir e descobrir. De nada lhes valeria tamanho desafio à Criação Divina pois o reino dos céus não se alcançava pelo saber mas pela aceitação da pequenez da condição humana.
“Não considero verdadeiramente sábio
Aquele que gasta todo o seu zelo e sentido
A descobrir cidades, países
E parte, de compasso na mão
Para conhece bem a largura da terra,
E a profundidade do mar
(...)Que povos estão nas latitudes,
Se existem, por baixo dos nossos pés,
Também pessoas, ou não existe nada?
Se aí vivem, como se sustentam de pé,
E não caem no ar?
(...) O mestre Plínio acerca disso já dissera
Que é por certo insano
Quem quer abraçar o mundo imenso
(...)Que necessidade tem o homem
de procurar mais alto que ele
sem saber para que isso lhe serve
o que encontrará aí de eminente
quando ignora a hora da sua morte
que corre atrás dele como uma sombra
por mais verdadeira e certa que seja esta ciência
Por isso é um grande louco
quem sonha
que lhe pertencem coisas estrangeiras
que procura conhecê-las directamente
quando o próprio não se conhece
(...) só busca glória mundana
esquecendo o reino eterno”
O mundo mapeado
Século e meio mais tarde, nos recolhidos interiores domésticos de Vermeer, os mapas e globos homenageiam estes sábios que mapearam a terra e lhe encontraram as coordenadas geométricas e matemáticas. A mesma ciência da ordem das proporções matemáticas e geométricas que defende como chave de ouro na sua pintura.
Os “geógrafos” dos nossos dias preferem viajar nas férias e geralmente escolhem uma agência que lhes trate do tour turístico. A net.viagens não é má e permite fazer marcações sem sair de casa, poupando mais canseiras de deslocação que as estritamente necessárias nas vacances.
Duane Hanson satirizou estes viajantes dos tempos modernos em esculturas hiper-realistas. No cinema, Jacques Tati sabotou umas pacatas férias familiares na praia no delicioso Les Vacances de M. Hulot e mostrou-os insanos, massificados e tontos no Playtime. Pela minha parte não consigo deixar de gostar deles. Devolvem-nos o olhar ingénuo que tanto se comove com maravilhas da civilização registadas nas polaróides como é capaz descobrir poesia na vulgaridade que nos rodeia todos os dias.