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quarta-feira, julho 30, 2003  
Persona, de Ingmar Bergman III


Bibi Andersson/Liv Ullmann
© Svensk Filmindustri


Depois da longa explicação, o dia declina. Quando Alma está prestes a adormecer, é como se alguém andasse pelo dormitório, como se a névoa vinda de fora entrasse nele para a enregelar, como se uma angústia cósmica desabasse sobre ela. Então Alma levanta-se para vomitar, mas não consegue. Ao voltar para a cama, vê a porta do quarto da senhora Vogler entreaberta. Quando entra, vê a senhora Vogler desmaiada no chão. Em pânico corre para o telefone, mas o aparelho não dá linha. Ao voltar para junto do corpo inerte, olha-o com os olhos semicerrados e, subitamente, as duas mulheres trocam de carácter entre si. Será desta maneira, embora ainda não saiba muito bem como. Mas ela experimenta, com lucidez e até o absurdo, o estado de espírito da outra. A senhora Vogler é agora Alma, e ela fala-lhe com a sua voz. Depois ficam sentadas uma diante da outra, falando com entoações e gestos. Atormentam-se uma à outra, ofendem-se, depois riem e brincam. Como se fosse uma cena de espelho.

A explicação é um monólogo dobrado. Ele vem, por assim dizer, de dois lados. Primeiro de Elisabet Vogler, depois da enfermeira Alma.
O fotógrafo Sven Nykvist e eu, originalmente, tínhamos pensado numa iluminação connvencional para ambas as actrizes, Liv Ullmann e Bibi Andersson, mas não deu bom resultado. Concordamos então em pôr uma metade do rosto numa escuridão total, não havendo sequer uma luz de compensação.
Depois, na parte final do monólogo, foi um passo natural combinar as duas metades iluminadas dos rostos, fazendo com que se integrassem numa só face.
A maior parte das pessoas tem uma metade do rosto mais fotogénica do que a outra. As fotografias meio iluminadas dos rostos de Liv e de Bibi que ligamos uma à outra mostram as suas metades feias.
Quando recebi do blaboratório o filme com esta duplicação, pedi a Liv e a Bibi que viessem ao estúdio de montagem.
Surpresa, Bibi exclamou: “Como vocês está esquisita, Liv!” E Liv por sua vez disse: Mas essa cara aí é a sua, Bibi. É você que tem um ar esquisito!” Quer dizer, ambas negaram espontaneamente as metades menos bonitas de seus rostos.

Ingmar Bergman, “Imagens”
© Martins Fontes

(continua)

posted by Anónimo on 22:12


 
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