Um título como "Baladas Hebraicas" situa-nos desde logo no cerne desta obra tão especial, escrita a partir de figuras e episódios provenientes do Antigo Testamento, desde Adão e Eva a Saul ou David, passando por Abel e Caim, Abraão e Isaac, Jacob, Esaú, Moisés, etc.
Apesar da importância que na primeira metade do século XX assumiram os movimentos literários e as correntes estéticas organizadas em grupos, houve certos autores que se afirmaram para lá dessa lógica, parecendo difíceis de enquadrar claramente em tais tendências colectivas - com as quais partilharam certamente a sensibilidade de uma época, o seu "Zeitgeist", mas que tendem a permanecer como figuras únicas e inclassificáveis.
Foi esse o caso de Else Lasker-Schüler, autora próxima do expressionismo alemão, mas cuja voz rapidamente se singularizou através de um universo muito próprio, assente num núcleo de obsessões pessoais ou de mitos cuja intensidade soube aprofundar e em torno dos quais gravitou a sua escrita. Nascida em 1869 na Renânia, de família judaica integrada na cultura alemã, companheira da boémia literária de Berlim dos princípios do século XX, Else Lasker-Schüler sublinhou desde sempre a sua diferença em relação aos que a rodeavam: "Nunca pude ser comparada a outras pessoas (...) porque a minha fronte era o céu da noite" (p. 10).
Talvez por causa dessa diferença radical, a sua biografia, embora interessante, acaba por ser menos reveladora que a sua obra: podem mencionar-se, em todo o caso, os primeiros poemas em 1899, a participação na revista "Der Sturm", dois casamentos desfeitos, a fuga para a Suíça em 1933 (ano em que Hitler chega ao poder) e os últimos anos vividos na Palestina em condições miseráveis, até morrer em 1945. Para conhecermos estas e outras particularidades de Else Lasker-Schüler, nada melhor do que percorrer o excelente texto com que João Barrento nos apresenta um retrato do "cisne negro de Israel" e da sua escrita, servindo de abertura a estas "Baladas Hebraicas", que pela primeira vez surgem na nossa língua.
Deve dizer-se, aliás, que estamos perante um livro magnífico também como objecto, enriquecido com fotos da autora e sobretudo com a reprodução fac-similada do belíssimo manuscrito original, com os poemas escritos a roxo pelo punho da autora, dedicados à sua amiga Lucie von Golschmidt-Rotschild por ocasião do seu noivado e assinados por "Jussuf, Príncipe de Tebas" (uma identidade literária de Else Lasker-Schüler). Como o número total de poemas é de 22, os 17 que fazem parte desse precioso manuscrito aparecem também a roxo nesta edição.
Um título como "Baladas Hebraicas" situa-nos desde logo no cerne desta obra tão especial, escrita a partir de figuras e episódios provenientes do Antigo Testamento, desde Adão e Eva a Saul ou David, passando por Abel e Caim, Abraão e Isaac, Jacob, Esaú, Moisés, etc. Toda esta temática judaica serve aqui sobretudo como ponto de partida para um fôlego expressivo mais amplo, já que, como observa João Barrento, "o judaísmo é mais pretexto e pré-texto para estilizações e transfigurações poéticas" (p. 10). Apesar deste alargamento de horizontes (ou até por causa dele e do seu alcance humano universal), o destino específico do povo judeu surge claramente enunciado em alguns poemas - por exemplo, "O Meu Povo" (p. 47), "Moisés e Josué" (p. 65), que evoca a "esperança" dos "povos de Israel", ou ainda o texto dedicado a David e Jónatas, aludindo directamente ao Velho Testamento: "Na Bíblia estamos escritos / Num abraço de cores vivas" (p. 69).
Sempre sob a égide das histórias bíblicas, os principais veios que percorrem estes poemas correspondem, assim, a dois grandes domínios - o do amor e o da relação com Deus. Quanto ao primeiro, Else Lasker-Schüler não hesita em decliná-lo aqui numa dimensão nitidamente erótica, aliás subjacente a alguns episódios e personagens bíblicos, destacando-se, por exemplo, a vibrante sensualidade atribuída a Eva - "Tu tremes de amor (...) / ... E não entendes esses gemidos no teu sonho" (p. 89) - ou à Sulamita do "Cântico dos Cânticos": "Ah, aprendi na tua doce boca / A conhecer a felicidade, tanta! / Sinto já os lábios de Gabriel / A queimar-me o coração..." (p. 85).
Finalmente, é também a força do amor a mover este livro sempre que se trata do apelo de Deus ou do diálogo com a divindade: "Sempre me esforcei por escavar não em busca de ouro, mas em busca de Deus", escreveria Else Lasker-Schüler num texto de 1932 (p. 14). E é desta procura permanente que as "Baladas Hebraicas" também se fazem eco, por exemplo quando Deus é explicitamente invocado num poema: "Deus, onde estás? // Queria ouvir de perto o teu coração, / Trocar contigo, para ter o longe à mão, / No dia em que no teu reino de luz / Sagrada, em ouro transfiguradas, / Todas as boas e más fontes correrão" (p. 87). Naquele que é talvez o mais belo texto de todo o livro ("Reconciliação"), a presença de Deus acaba por confluir para uma atitude amorosa de dádiva total, para um misticismo em que a componente erótica se alia à noção do sagrado, como se Deus apenas se fizesse sentir através de uma harmonia universal simbolizada pelo amor humano:
"Será noite de reconciliação - / Há tanto Deus a derramar-se em nós. // Crianças são os nossos corações, / Anseiam pela paz, doces-cansados. // E os nossos lábios desejam beijar-se - / Por que hesitas? // Não faz o meu coração fronteira com o teu? / O teu sangue não pára de dar cor às minhas faces. // Será noite de reconciliação, / Se nos dermos, a morte não virá. // Há-de uma grande estrela cair no meu colo" (p. 45).
Baladas Hebraicas
Autor: Else Lasker-Schüler
Tradução e apresentação: João Barrento
Editor: Assírio & Alvim
104 págs
Fui desenpoeirar A minha Concepção do Mundo de Bertrand Russel e descobri isto:
Pensa que as pessoas gostam de guerras?
Um grande número gosta. Foi um dos factos que me impressionou em 1914 quando começou a Primeira Grande Guerra. Todos os meus amigos pacifistas, com os quais haveria depois de trabalhar, estavam convencidos de que as guerras eram impostas à população pelas maquinações satânicas dos governos, mas andei pelas ruas de Londres, olhei para a cara dos transeuntes e verifiquei que na realidade andavam todos mais felizes do que antes da guerra ter começado. Disse isso mesmo em letra de forma e provoquei profundos exames de consciência entre os meus amigos pacifistas, que não gostaram que o tivesse dito. Continuo convencido de que um grande número de pessoas aprecia a guerra, desde que não lhes passe muito pela porta nem seja demasiado feroz; quando a guerra se instala no nosso próprio território já não é tão agradável.
É muito divertido acompanhar esta guerrilha blogiana porque eles são inteligentes, atentos e irónicos.
Agora surgiu mais um para a lista:Íntima Fracção e o encontro mais logo com os Penguim Café Orchestra
Perguntaram-me noutro dia:”blog blog blog blog blog, será uma onomatopeia para o ruido produzido por um tipo a afogar-se em webblogs, foruns, sites e o diabo (virtual) a sete?” Eheheheh, acho que sim Vítor!
Nos últimos anos os Pardos mais notáveis na agremiação lusíada tinham-se reunido em sessão solene para deliberarem a formação de um grupo onomástico com o significativo e majestoso título de “Os Pardos de Portugal”. Ao apelo lançado nos jornais para a angariação de sócios, correspondeu uma verdadeira avalanche de inscrições – Pardos de todos os lados enviaram as suas incondicionais adesões em termos que não deixavam indiferentes os sócios fundadores. Arranjou-se uma sede com salas de jogos, de fumo, de leitura e outra onde o director e secretário dos Pardos recebiam as sugestões mais atraentes e construtivas dos Pardos de Portugal. Todos os sábados, à noite, o Pardo filho e o Pardo neto, iam à sede para usufruirem das regalias atribuídas aos sócios. Assistiam à leitura de textos selectos dos Pardos do passado, ouviam palestras dos Pardos mais importantes e no gabinete de leitura passavam os olhos pelas revistas e jornais que o Grupo assinava para regalia dos seus membros.
A decoração da sede tinha sido feita por um Pardo, pintor em voga, que decorava tudo de tons neutros para assim atrair os mais secundários ao criticar unânime.
Com grande solenidade, o Grupo festejou o primeiro aniversário da fundação dos Pardos de Portugal. Depois de uma romagem às campas dos Pardos mortos, em defesa do Grupo, realizou-se um almoço de confraternização. Para dar realce à solenidade, esperou-se um dia cinzento de chuva onde todos pudessem manifestar a sua tristeza – alguns estavam que nem gatos pingados.
O Pardo pai levou o filho ao almoço – era coisa dignificante tomar parte no banquete a que a imprensa dava tão largo realce. Ele, um dos Pardos fundadores, homem honesto e com filho, nas mesmas condições de pressão e temperatura, devia representar a Companhia das Águas em tão magnânima afirmação de amor pátrio. Ao fim do almoço, os vivas aos Pardos foram consecutivos – Pardos, Pardos, Pardos! Viva, Viva, Viva! - Pardos de Portugal Ip Ip Urra! Ip Ip Urra! Ip Ip Urra! E no auge do entusiasmo foram lidos telegramas dos Pardos da Província e dos pardos das colónias portuguesas e dos espalhados por todos os continentes. Eram mensagens elevadas dos sócios correspondentes. A certa altura o presidente dos Pardos de Portugal, com a bandeira cinzenta aos ombros, brindou pelas futuras prosperidades da colectividade. Fez um discurso de fino recorte literário que foi recebido por uivos de aprovação pela selecta e distinta assistência - o quilate da oração e o brilho espiritual das frases completamente inéditas do presidente da direcção dos Pardos lançou entre os assistentes uma demorada salva de palmas. Tributados mais alguns vivas aos Pardos e Hip Hip Hip Urras, a assistência de pé e com guarda-chuvas entoou o hino agremiativo:
“Pardos ilustres e distintos
Flores do espírito e do amor
Nós, Grandes e Unidos
Somos os Pardos de Portugal
Portugal, Portugal, Portugal.”
À noite, nos salões da rede, foi servida aos sócios e suas famílias uma ceia volante acompanhada por trechos de música afinadamente tocados pelo quinteto dos Pardos que tão gostosa e gratuitamente emprestava a sua colaboração.
A Parda neta ia-se desenvolvendo no íntimo do sargento da Amadora. A lengalenga do namoro dava os seus resultados num aumentar de volume físico. O pai Pardo, quando descobriu estas manifestações baixas do sargento, exigiu explicações aptas ao avanço prematuro do neto. Organizou-se o casamento e já de quatro meses ela deixou-se estafada ir ao altar. No entanto, a vizinhança, esperta e não cega de Sete Rios, observava atentamente o desenrolar pré-nupcial de ambos os sexos e começara a falar de permeio com a hortaliceira e o padeiro. Ao mesmo tempo resolveu-se que a Parda neta fosse então viver na companhia do marido para a casa do sogro viúvo, sito na Amadora e num dos locais mais aprazíveis dos arredores da grande urbe, capital do Império – a Lisboa cidade.
Pouco depois de estarem casados nasceu um pardozito sem que à vista desarmada se pudesse dizer qual o sexo fêmea ou macho a que pertencia. No entanto, para gláudio do pai e do avô, era um rapaz, pois trazia uma pequena diferenciação entre as pernas. Nessa altura a avó dos Pardos teve um chilique ou deu-lhe a trabuzana, como comentavam os vizinhos do rés-do-chão, e foi-se desta para melhor. Ao enterro compareceram vários Pardos, além dos familiares, e a direcção dos Pardos de Portugal enviou uma linda coroa de junquilhos com banda e fita onde dizeres sinceros exprimiam pêsames colectivos. Fazia parte da regalia atribuída à quota mensal de sócio o direito a uma coroa de flores por altura do terrível desenlace.
Depois da morte da mãe do Pardo Pai ele pôs contas à vida e decidiu-se mudar, com tarecos e tudo, de Sete Rios para a Amadora. Aí os três estavam perto da filha – as ligações de comboio eram muito boas e no Verão sempre era agradável a sensação de sair do túnel do Rossio para uma atmosfera mais suave e desafogada.
A Amadora é a terra ideal para sargentos e para escriturários de 2ª classe com direito a 75% de desconto para as viagens da esposa e filhos. Tem uma avenida principal que dá para a linha férrea donde se desfruta o maravilhoso panorama de vista para os comboios. “Ali, podia-se ver!”, como dizia o Pardo Pai em mensagem de exortação aos Pardos da Amadora. Após a sua chegada tentou logo, e mesmo sem estar ainda bem instalado, formar uma sucursal dos Pardos para defender os interesses regionais. Obtida a conveniente autorização das instâncias superiores, e tomando em conta os relevantes serviços em defesa do património nacional, foi decidido, com louvor, contribuir com uma comparticipação para o arranjo da sucursal nº1 dos Pardos de Portugal.
Claro que Pardo Pai começou a gozar de uma popularidade quase profissional. Os anos que ele dedicara ao seu grupo já não eram de amador. Ele tornara-se um autêntico carola. Até um campo de jogos tentou adquirir para dar liberdade aos pontapés e desabafos físicos dos Pardos mais atléticos. Na Companhia das Águas o Pardo ia sendo visto com mais consideração e até já se falava nele para o lugar de chefe dos contadores, pela vaga aberta por morte natural e caquética do seu antigo superior.
O filho, depois de vaguear sem promoção no escritório, tinha entrado para a C.P. e já era escriturário de 2.ª classe – na Amadora entabulou logo negociações e contactos com os desportistas mais locais e numa ânsia de se espalhar organizou o flagelo do hóquei em patins com todas as suas características e virtudes.
A filha – que desta vez não tinha caçado no defeso – já ia no 2.º filho em adiantado estado de composição.
A Mãe Parda, com mais uma diuturnidade, acompanhava este ingresso íngreme do marido – glória da terra que o viu nascer – nas altas esferas do domínio associativo.
A vida cinzenta dos Pardos ia-se assim concretizando numa simplicidade rotativa e estomacal. A vida corria bem, os comboios passavam às tabelas e a sucursal melhorava a olhos vistos. Nos baptizados da Igreja da freguesia, ultimamente, todos os meninos e meninas eram nomeados Pardos para que no futuro os pais e os filhos pudessem usufruir das imensas regalias que trazia o facto de se ser Pardo.
A certa altura, segundo o bom exemplo da sucursal n.º1 – a da Amadora como se lhe chamava vulgarmente – começavam a aparecer por todo o país nas sedes de concelho e até nas freguesias rurais, pequenas casas de estilo regional em semelhança às sucursais dos Pardos. Portugal cobria-se de um manto associativo de constatada benemerência – o desfraldar de mais uma bandeira dos pardos era motivo de orgulho e de enaltecimento patriótico por parte de todos os filhos da terra.
Pai Pardo um dia amanheceu ao contrário. Eram os primeiros pronúncios do caducar. Talvez melhor ainda, era a primeira vez que a vida se estirava ampla às portas da sua casa na Amadora. Todo o entusiasmo que dedicara aos Pardos seus correligionários esmorecia-se em declínio compreensivo e apático – a obra deixava realmente as suas sementes, mas o filho não era pessoa para se bater pelo progresso e ordem que tinha presidido à formação do grupo nos dias difíceis da consolidação clubista. Agora todos descansavam nos louros do passado sem qualquer gesto de alegria ou entusiasmo que os pudesse distinguir dos transeuntes visíveis à vista desarmada e alquebrados nos passeios públicos. Homens como Pardo Pai havia um de cem em cem anos: pai exemplar, filho estremoso, marido eterno, chefe honrado dos contadores nacionais, membro dedicado e com longa folha de serviços em prol da humanidade clubista. Enfim, todos os predicados que fazem um Pardo Pai homem de estirpe e de invulgar capacidade de sacrifício. No entanto, a tragédia da sua indecisão colorida não o deixava ultrapassar a linha férrea da Amadora. Tomando um capilé local, ou lendo os anúncos de agiotagem, o nosso Pardo não se comovia em grande escala, tudo para ele lhe era afim. Os horizontes da vida não se projectavam em cores puras – vivia nas mesclas que pouco ou muito lhe lembravam os tempos da farda de fiscal da Companhia das Águas, as brumas de Algés e as vistas de Sete Rios. Era uma vida morna e sem aquele tempero que dá às comidas normais um sabor de pitéu. Era uma vida vegetativa trazendo ainda um sabor a couve-galega disfarçada com molho branco.
E a sua família, arrumada no subúrbio da felicidade, não tinha já para ele a tonalidade marcada de uma organização inquieta de sentimento. Pardo Pai vivia da glória da sua obra clubista, incitando a ambição dos habitantes da Amadora quando pediam às entidades oficiais a instalação local de mais um fontanário público. No entanto, Pardo Pai não podia morrer – ele era de qualidade contínua – não se afirmava na mortalidade, mas sim dizia-se que vivia por cá no sempre – com ou sem família – defendendo o atacando o progresso – sorrindo ou contando histórias. E ainda nos últimos e eternos anos Pai Pardo na Amadora assistia à passagem dos comboios e, à noitinha, na filial n.º 1, respondia à correspondência mais urgente vinda da sede do seu clube — a única, verdadeira e benemérita instituição de indivíduos ligados pelo mesmo fim: – a amizade entre os indissolúveis Pardos de Portugal.
Hip Hip Urra! Hip Hip Urra! Hip Hip Urra!
Ruben A.
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E assim se conclui a história desta familia portuguesa.
Quem não gostava de Ruben A. era o Pardo Salazar, que afirmou a propósito de Caranguejo: “Quem escreve um livro do fim para o princípio e não numera as páginas não pode servir Portugal.”
Flores geométricas não são menos passageiras do que as mais caprichosas. O ser humano é ameaçado por igual destino, por isso se esforça por sobreviver ao desastre. Ana Hatherly tem não só uma consciência da finitude, como do fenómeno da incomunicabilidade. A arte é então impulso para combater a angústia e a sua obra visual, integrando escrita, pintura e cinema, nasce, na linha da pesquisa do acto criador, à medida da ferida.
Há uma espécie de serenidade difusa por detrás do olhar vítreo de Ana Hatherly, a silhueta «revela-esconde» um som interior, a voz torna-se num universo quando, errante, se detém na inevitabilidade do «peso de não-saber». A mão que escreve, essa, dir-se-ia produto de uma filosofia trágica amadurecida e a ideia de um equilíbrio irónico inverte o sentido do obscuro, tornando-se oferenda «a uma eternidade demasiado nocturna»(Eros Frenético). Porque «o criador de imagens é um cego a quem é dado ver numa pequena pausa fria»(Tisana 262). Essa a sabedoria destes textos meditativos e não verbosos, singulares na literatura portuguesa, bem, como a novela O Mestre.
Licenciada em Filologia Germânica e doutorada em Literaturas Hispânicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, leccionou na Universidade Nova de Lisboa. Especialista do barroco _ O Ladrão Cristalino foi distinguido com o Prémio APE _, aguarda-se a edição de Poesia Incurável e Frutos do Brasil (BN). Ensina na Universidade Aberta (Mestrado sobre a imagem das mulheres no cinema português). Tem para publicar, de poesia, O Pavão Negro (Assírio) e Itinerários (Quasi). Deve-se-lhe, a partir dos finais de 50, a primeira proposta portuguesa de poesia concreta, participando depois no movimento da Poesia Experimental Portuguesa.
Mas o seu caminho não ficou por aí, ultrapassou fronteiras no registo exploratório de um conceito de escrita (A Idade da Escrita revela essa luta com a palavra), numa íntima relação _ com raízes no barroco _ entre poesia e pintura. Expõe agora, na Diferença, O Homem Invisível (e na Rhodes + Mann, em Londres): «O homem invisível é algo exterior que surge no momento da criação e ninguém vê.» A exposição detém-se na invisibilidade como uma das propriedades da matéria: «A matéria só é visível quando houver olhos para a ver», o que não deixa de ser uma óptica kantiana.
O que Ana Hatherly faz é-lhe exterior, não como se se tratasse de um Eu separado, mas de «uma outra parte do Eu, é a mão inteligente a transmitir esse processo» (Mapas da Imaginação e da Memória). Diz: «Estudei caligrafia chinesa arcaica, copiando-a até ser capaz de escrever chinês sem conhecer a língua e apliquei essa inocência à escrita ocidental.»
Ana é «um pintor da escrita, homo faber que pensa sobre o que faz». Opõe então o mínimo ao grandioso, porque, presa na «brutal presença da morte nos vivos», assim combate a angústia, com ironia, uma «forma de dor». Afinal, «o excesso de dor ri» (Blake).
Os errantes
os fugazes viajantes
que nós somos
buscando sempre a vibração perdida
diariamente caem
da árvore da memória
onde brilha o nome
o melancólico ansiado barco
Oh que percurso essencial
descrevem os errantes
na sua busca em queda abismados
sobre si mesmos voltados
percorrendo
a arriscada síntese do exílio!
E tu
vontade insatisfeita
onde encontrarás
os frutos da árvore do querer
as alegrias do estar e do ser
que nos rompem o peito
de tanto as ansiar?
A rosa do olhar
que na procura reverdece
a todo o instante esquece
o som da queda
e escuta só
o tilintar da sorte
no inventado bolso da esperança
que nos empurra
impele
lisonjeia
num breve sorriso captado
num furtivo afago
ilusão de ternura
Mas logo logo
algo nos arranca o curativo
nos retira o tapete mágico do repouso
nos remete
para a nossa condição de feridos atingidos
E na busca heróica
do instante transfigurado
o activo martírio de prosseguir
faz de nós
eternos estrangeiros mal-amados
desamparados
peregrinos recém-chegados
O processo de sedução de "Atarnajuat", a sua estratégia narrativa, não pode mesmo deixar de primeiro nos solicitar em perda de referências para depois as irmos descobrindo na trama que o filme vai urdindo
Antes, muito antes do termo "globalização" ter entrado nos usos e discursos, um modo de produção industrial da arte tinha já estabelecido um seu sistema-mundo, uma circulação à escala planetária, ou quase: o cinema, e mais concretamente esse sistema de produção e modo de narração que se corporizou em Hollywood. Mas antes, muito antes do termo "globalização", já teríamos a consciência que o domínio do Ocidente tinha também trazido ao nosso conhecimento outras formas de arte e cultura, que eventualmente marcaram até alguns dos mais marcantes criadores estéticos do próprio Ocidente (as influências da música dos gamelãos de Bali em Debussy ou da estatuária africana em Picasso), e mais latamente entraram nos nossos imaginários.
No sistema de Hollywood, o mundo compõe-se de "territórios" de distribuição e eventualmente também de "localizações" onde os filmes podem ser rodados (quantas vezes já não notámos nos genéricos finais a expressão "filmed on location in..."?), eventualmente rentabilizando economias mas também muitas vezes apropriando-se das próprias configurações físicas, das paisagens - quantas vezes, nos clássicos filmes de aventuras ou noutros, o choque das savanas de África ou dos picos dos Andes sentimo-lo por via dos modos de visão do mundo de Hollywood? O somatório dessas localizações é uma paisagem narrativamente configurada, tendencialmente uniformizada.
O domínio, e a escala em que se concretiza, moldam-nos também as expectativas como espectadores, e será nesse preciso aspecto, aquele que em última análise supõe os modos de recepção dos espectadores singulares, que a proeminência do cinema americano que se corporiza no signo "Hollywood" pode ser culturalmente mais depauperadora, limitando-nos na disponibilidade ao choque do diferente - e não é suposto que uma obra sempre implique um choque do novo, ainda não-conhecido?
O "território" que é o nosso, Portugal, é um dos que tem em todo o sistema-mundo uma maior taxa de penetração dos grandes conglomerados americanos. Mas aquela que no fundo é a outra face, e a grande oportunidade do processo de globalização, a possibilidade de conhecimento de "produtos" e obras das mais diferentes proveniências, essa outra face existe também, e mesmo mais que há ainda poucos anos.
"Atanarjuat - O Corredor" é um exemplo. É um filme "inuit", desses a quem mais usualmente designamos como "esquimós". É mesmo a primeira ficção cinematográfica "inuit". E o primeiro choque que sentimos quando (ainda) nos sentimos perdidos de todas as referências será precisamente, inevitavelmente, o choque do grande Norte gelado. O processo de sedução de "Atanarjuat", a sua estratégia narrativa, não pode mesmo deixar de primeiro nos solicitar em perda de referências para depois as irmos descobrindo na trama que o filme vai urdindo. Eventualmente iremos apercebendo elementos estruturais da narrativa que induzem as modalidades de reconhecimento e de recomposição da percepção: o desejo e o amor, o confronto de rivais que é também a de famílias ou tribos, a luta individual do denominado Atanarjuat face a um poder que lhe quer sonegar a relação matrimonial, etc. Se estivermos disponíveis à diversidade poderemos sentir um apelo primordial da ficção que toma a sua mais precisa configuração narrativa e espacial na grande corrida de Atanarjuat.
Mas para isso importa estar disponível, atentos certamente, talvez mesmo alerta. Entre umas quantas estreias todas as semanas, os filmes passam vorazes. Para escolher, precisamos antes do mais de saber e é uma evidência que, sobremaneira ocupados com as solicitações da actualidade, os sistemas de mediação crítica soçobram muitas vezes numa reprodução indiferente. "Atanarjuat" terá curta carreira nos écrans. Não implica qualquer maior valoração em abstracto, ou comparativamente entre os filmes em exibição, resgatá-lo à indiferença e reconhecer que é o mais urgente de ver.
Esta história, não a sabíamos - e isso é o mais importante no choque de um filme em nós.
Tentativa de apontamento desapaixonado sobre a página da Ilford:
Que a fotossensibilidade das películas era um pouco mais elástica do que o indicado nas embalagens deixa crer ao consumidor mais ingénuo já se sabia, mas causa alegre espanto que uma das principais marcas existentes no mercado português disponibilize, on-line, relatórios pormenorizados com valores de exposição, puxões permitidos, filtragem, tabelas de revelação (como as do interior das embalagens, mas mais minuciosas e em formato A4, prontas a pionesar na parede do laboratório), enfim, toda a vida possível de um filme desde o momento em que entra na máquina até ao momento de arquivar os negativos. Além da página dos relatórios, de grande utilidade são também os dois fóruns - Café Ilfopro e Teachers' Lounge - onde é possível esclarecer as mais terríveis dúvidas, bem como a galeria, onde Anthony Suau permanece em exibição há bastante tempo. Se a ideia da Ilford, com a sua página oficial toda lógica e arrumadinha, era apenas vender mais material, a verdade é que a coisa foi um pouco mais longe; tão longe que, à medida que se descobre esta página, e perante as suspeitas de se estar perante e à mercê de um fulminante golpe de marketing, tudo o que ocorre é sussurrar um rendido who cares? e continuar a navegar. Uma escola incontornável para doentes de fotografia.
"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em núvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: «Fulano de tal
comunica a V. Ex.ª que vai transformar-se em núvem
hoje às 9 horas. Traje de passeio».
E então, solenemente, com passos de reter tempo,
fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos
todos assistir à despedida.
Apertos de mão quentes. Ternura de calafrio.
«Adeus! Adeus!»
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos...
em seguida, os lábios... depois, os cabelos...) a carne,
em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela núvem além (vêem?) - nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."
Quando passeio entre as campas do cemitério judaico em Lisboa, reconheço os nomes gravados na pedra, como se estivesse num cemitério de aldeia.
Nos tempos da Segunda Guerra Mundial, Lisboa foi um corredor de passagem entre a Europa e as Américas para muitos refugiados. Das 50 mil a 200 mil pessoas que passaram por Lisboa nessa época, apenas cinquenta aqui ficaram. Entre elas encontravam-se os meus avós.
Um filme de Daniel Blaufuks com participação de Bruno Ganz
Autoria: Daniel Blaufuks
Realização: Daniel Blaufuks
Duração: 52 m
quinta-feira, fevereiro 13, 2003
Estes números devem fazem as delícias dos correios:
According to the Greeting Card Association, an estimated one billion valentine cards are sent each year, making Valentine's Day the second largest card-sending holiday of the year. (An estimated 2.6 billion cards are sent for Christmas.) Approximately 85 percent of all valentines are purchased by women.
Poema de amor
Vasa-me os olhos e eu poderei ver-te
Destrói-me os ouvidos e eu poderei ouvir-te
Mesmo sem pés poderei chegar a ti
Mesmo sem boca poderei conjurar-te
Corta-me os braços adorar-te-ei
Com os braços com as mãos
No coração latejará o meu cérebro
E se incendiares o meu cérebro
Guardar-te-ei ainda no meu sangue
Beth Gibbons (a voz dos Portishead) é mais uma voz que se acrescenta ao cartaz do Festival Super Bock Super Rock de 2003. Actuará no Coliseu de Lisboa e do Porto a 4 e 6 de Abril.
"Out of season" é mesmo uma maravilha de álbum, com toda uma toada de mistério melancolicamente bonita.
George Pehlivanian, maestro; Hilary Hahn, violinista; e a Orquestra Gulbenkian interpretam, amanhã, dia 14 de Fevereiro, às 19 horas e às 21 horas, no Grande Auditório: Louis Spohr, Concerto para Violino Nº 8, em Lá menor, op.47, In modo d'una scena cantante; Antón García Abril, Introducción y fandango; Ernest Chausson, Poème, para Violino e Orquestra, op.25, e Franz Schubert, Sinfonia Nº 9, em Dó Maior, D.944.
(Letra J = 1ª Plateia: euros 17.50; 2ª Plateia: euros 15.00; Balcão: euros 10.00)
Sometimes, I tell myself that TEN is a film that I could never make again. You cannot decide to make such a film... It's a little like CLOSE-UP. It's possible to continue along the same path but it requires a great deal of patience. Indeed, this is not something that can be repeated easily. It must occur of its own accord, like an incident or a happening...At the same time, it requires a great deal of preparation. Originally, this was the story of a psychoanalyst, her patients and her car, but that was two years ago...
I was invited to Beirut in Lebanon last week, for a film workshop with students. One of them told me, "You're the only one who can make such a film because of your reputation. If one of us had made it, no one would have accepted it." I replied that, as his teacher, I owed him the truth: making something simple requires a great deal of experience. And, first of all, you need to understand that simplicity isn't the same as facility.
Kundera tells a fascinating story that genuinely impressed me: he relates how his father's lexical range diminished with age and, at the end of his life, was reduced to two words: "It's strange! It's strange!" Of course, he hadn't reached that point because he had nothing much to say anymore but because those two words effectively summed up his life's experience. They were the very essence of it. Perhaps that's the story behind minimalism too...
The disappearance of direction. That's what is at stake: the rejection of all elements vital to ordinary cinema. I state, with a great deal of caution, that direction, in the usual sense of the word, can vanish in this kind of process. In this form of cinema, the director is more like a football coach. He has to do most of his work before the take starts. Indeed, for me, the film always starts well before the initial preparation and is almost never over. It's a never-ending game. Each time I show it, I await the audience's reactions. The discussions following the screening take on a new turn each time... For me, the beauty of art resides in the reactions that it causes.
This film was created without being made as such. Even so, it isn't a documentary. Neither a documentary nor a purely fabricated film. Mid-way between the two perhaps... A scene occurs and I decide that it suits me. Later, I realize that one particular element was vital for the integration of the whole.
In TEN, we have a shot in the car with the little boy facing the camera. The scene takes place in front of the camera. And yet there are also people who come over, lower the window and peer into the car. That's documentary. This background. They look at the camera. But what happens in front of the camera isn't documentary because it's guided and controlled in a way. The person in front of the camera manages to forget its presence, it vanishes for him. Emotion is created in this way, the result of a certain quantity of energy and information that we give and then recover later. It circulates... Resulting in the complexity of the situation. This flow must be controlled in order to be released at the right moment.
You cannot promise yourself that you'll make another film like this. It's like wavering in your staunchest convictions and ideas. Sometimes it's easier to protect yourself with good old direction, the scenery, the set...
If anyone were to ask me what I did as a director on this film, I'd say, "Nothing and yet if I didn't exist, this film wouldn't have existed."
In all my films, there are shots where the emotional impact goes beyond direction, triumphing over it, and the emotion becomes more powerful than cinema itself. There's the shot in TASTE OF CHERRY where Mr. Badii, while talking about himself, refuses to let out his emotion. And the corners of his mouth start trembling as he begins to sob. These are shots that I do not claim to have created. They deserve better than that. I was able to provoke them and seize them at the right moment. That's all.
This film is my own "two words". It resumes almost everything. I say "almost" because I'm already thinking about my next film. A one-word film perhaps...
Mona Lisa é um filme tão romântico quanto obscuro, assinado por Neil Jordan (nomeado para a Palma de Ouro em Cannes). Com um dialecto fortemente londrino, a história leva-nos ao submundo da capital inglesa através de um duro, apesar de amoroso, criminoso interpretado com muita classe por Bob Hoskins (considerado melhor actor nos BAFTA, em Cannes, nos Globos de Ouro e pelas sociedades de críticos de Boston, Londres, Los Angeles, Estados Unidos e Nova Iorque). Acabado de sair da prisão, o seu antigo patrão (Michael Caine) oferece-lhe um trabalho como motorista de uma mulher linda e gélida (Cathy Tyson, melhor actriz secundária segundo a Sociedade de Críticos de Cinema de Los Angeles), pela qual ele acaba por (tragicamente) se apaixonar.
Mona Lisa (Mona Lisa). De Neil Jordan, com Bob Hoskins, Cathy Tyson, Michael Caine, Robbie Coltrane, Clarke Peters. Reino Unido, 1986, 104 min. RTP 2. Quinta 13 às 00h00.
Ainda a propósito da questão da sensibilidade dos carrascos, proposta pela Lídia, escreveu Camus, no Combat, em 30 de Agosto de 1944, o seguinte:
“Trinta e quatro franceses torturados, mais tarde assassinados, em Vincennes, são palavras que não dizem nada sem a ajuda da imaginação. E o que vê a imaginação? Vê dois homens, um em frente ao outro, um dos quais se prepara para arrancar as unhas ao outro.
Não é a primeira vez que imagens insuportáveis como essa nos são propostas. Em 1933, começou uma época a que um dos maiores dentre nós chamou justamente «o tempo do desprezo» [André Malraux].E durante dez anos, sempre que sabíamos que seres nus e desarmados tinham sido paulatinamente mutilados por homens cujo rosto era idêntico ao nosso, a cabeça punha-se a girar e perguntávamo-nos como era isso possível.
Isso, no entanto, era possível. Foi possível durante dez anos e hoje, como para nos prevenir que a vitória das armas não ganha tudo, eis uma vez mais camaradas estripados, membros despedaçados e olhos cujo olhar foi apagado a pontapés. Os que o faziam sabiam, no entanto, ceder os seus lugares no metro, tal como Himmler, que fez da tortura uma ciência e uma profissão, entrava em casa pela porta das traseiras para não despertar o seu canário favorito.”
(in Cartas a Um Amigo Alemão, Edição Livros do Brasil, Lisboa, tradução de José Carlos González e Joaquim Serrano – pp. 107-109; sublinhado nosso).
O cantor vai estar no Coliseu do Porto no dia 19 de Junho e no de Lisboa no dia 21.
Se correr tudo bem, porque tem fama de ser irrascível, o João Gilberto…
Tom Jobim: Em 62, nos levaram para fazer o concerto no Carnegie Hall. Peguei aquele avião, eu não queria sair do Brasil, fui à força. Mário Dias Costa, cônsul do Brasil em Nova Iorque, apareceu na minha casa, eu morava na Barão da Torre, 107. Eu disse: "Não vou, isso aí é uma bagunça, eu não quero ir. O barco da Bossa Nova vai bater num rochedo e vai afundar". Dias Costa disse: "Você é o capitão do barco, você afunda com o navio". Peguei o avião no dia do concerto, um avião da Panam, que saía às oito horas da manhã, cheguei aos Estados Unidos na hora do concerto, botei aquele smoking e corri para lá. Tinha aquela turma toda, Agostinho dos Santos, Luiz Bonfá, e a turma mais propriamente dita da Bossa Nova: o Menescal, o Carlos Lyra, o João Gilberto e mais os outros. Foi o Caetano Zama, tinha aquela cantora paulista, uma loura, a Ana Lúcia. Tinha uma porção de gente.
Tom Jobim: A imprensa brasileira meteu o pau no concerto, dizendo que tinha sido um fracasso total. Eu só fui lá porque a Bossa Nova já estava bem estabelecida nos Estados Unidos. Se fosse para começar tudo, eu não teria ido. Entrar lá de emigrante, contra tudo, contra a língua, contra todos... Eu fui porque vi que o negócio do Itamarati estava baseado no sucesso das músicas. "Desafinado" já tinha passado de um milhão de discos vendidos. E o Stan Getz, um cara de altos e baixos, caprichoso, tratou da gente bem. Disse: "Adoro vocês, vocês são brasileiros, eu já comprei uma casa com o dinheiro do "Desafinado". Portanto, eu agora vou dizer uma coisa lógica, eu queria gravar esse disco com o João Gilberto". E o João dizia coisas terríveis para ele, ele dizia coisas terríveis para o João. Eu era o intérprete, o único que entendia o que eles estavam dizendo. João disse assim: "Diz a esse gringo filho da puta que..." E o Stan Getz, ouvindo aquilo, arregalava aquele olho azul, perguntava o que ele estava dizendo e eu dizia que ele estava orgulhoso, não sei o quê. E o Stan Getz, me dizia: "Não soa assim". Chegou a um ponto em que o João Gilberto saiu porta fora. Aquela neve e nós dois com aquelas roupinhas de algodão. Stan Getz a dizer que dava 15 mil dólares para gravar com o João. Nós estávamos morrendo de fome lá em Nova Iorque, quinze mil dólares para nós era muita grana. Então, eu disse: "Agora não, João. Nós entramos naquele avião, você achou que o avião ia cair, o avião não caiu. Nós estamos aqui, com essa neve caindo, nós estamos fodidos e você vai gravar com o homem". Segurei o João, ele não queria, mandei ele tomar naquele lugar.
Depois, achei aquilo tudo um absurdo, porque tudo foi virando jazz. Escreveram depois que a Bossa Nova era jazz. O barco anda de um jeito que a gente não pode prever. De repente, o João Gilberto estava fazendo show nos Estados Unidos, em todo lugar, com a Astrud, cantando em inglês. Eles iam para Massachussets, para Los Angeles, para não sei onde. E eu não ia, não. Getz falou comigo: "Mas é um pacote. Você não pode desfazer um pacote. A gente vai acontecer".
Logo em seguida, quando todo mundo resolveu voltar, nós decidimos não voltar. Eu tinha feito 36 anos, em janeiro de 63. Resolvi ficar nos EUA. Era preciso. O João sabia disso. A gente tinha passado a vida no Brasil, falando português, e depois se apresentou àquele mundo diferente, com aquele frio. E veio a neve. No final de dezembro, começou a nevar; em janeiro e fevereiro, foi aquele inverno sem fim, aquilo não acabava nunca, e a gente não podia tocar porque não tinha permissão. A imigração falou que quem tocasse ia ser deportado. A falta de dinheiro era colossal.
Gravei nessa época um disco com o pseudônimo de Tony Brazil. Foi com um pianista que tocava demais. Ele queria a batida da Bossa Nova como o Getz fez. Ficava um conforto total. O camarada improvisava aqueles acordes todos em cima de uma base rítmica da Bossa Nova. Lá ia eu tocar. Como eu tinha um contrato com outra companhia, ele me perguntou: "Que nome eu vou botar? Quero te dar crédito".
Tom Jobim: O "Desafinado" evidentemente não é desafinado. Quando o João Gilberto gravou essa música, saiu na imprensa que ele o era desafinado, mas que tinha uma voz muito bonita, tinha muita bossa. "Desafinado" não tem nada de desafinado, os maestros da época sabem disso. Trata-se de uma pessoa gozando a especialização. Existem pessoas que são inteligentíssimas e antimusicais, mais do que desafinados são "tone-deaf", quer dizer, não tem realmente noção da altura do som. Então, o desafinado é o sujeito que tem uma namorada, que certamente é muito afinada, bonita, gostosa, e ele, um rapaz desafinado, diz: "Se você disser que eu desafino, amor, saiba que isto em mim provoca imensa dor".
quarta-feira, fevereiro 12, 2003
E aqui fica a saga da família dos Pardos (assim mesmo com caixa alta), uma família antiga mas que ainda sobrevive com a sua cor de “burro quando foge”
Esta história faz parte do livro Cores de Ruben A., editado pela Assírio & Alvim.
Para evitar encher a página toda vou dividir a história em duas partes e fazer uma espécie de novela (esta sim da vida real/real!)
Agradeço que, para redimir a janela deste “roubo” à Assírio e aos herdeiros de Ruben A., procurem os livros dele, comprem e leiam – só faz bem.
Pardos
Os Pardos viviam fora da cidade. A família de avó, pais e dois filhos não se preocupava muito com a vida nos grandes meios – levavam-se no existir pela periferia. Várias vezes já os Pardos tinham mudado de arredores: de Algés ultrapassaram-se para Sete Rios e mais tarde para a Amadora. Formavam meio-alegres um semicírculo que ia de ponta a ponta do Tejo deixando a capital englobada pelo seu aspecto dromedário.
A avó dos Pardos permanecia no estado de viúva desde a primeira guerra mundial. Não que o marido se tivesse uniformizado para ir a campanhas da França ou de terras escuras de Angola, mas sim por ter caído de cama com a bicha da pneumónica a roer-lhe os bofes. Tinha sido uma morte de segunda classe num dia cinzento e sem futuro. O marido nem sequer era sargento. Nesse dia o céu mesclara-se sujo desde a manhã e, quando o esquife saiu para o Alto de São João, todos de preto se puseram em andamento. Estava um céu a ameaçar chuva de trovoada – coisa sufocante para quem ia no caixão.
Nesse ano a avó Parda, com o filho e a nora, mudou-se de Algés para Sete Rios. Os pequenos precisavam de ar do campo, não fosse já o excesso da praia, ali mesmo à beira-mar, fazer-lhes mal.
A casa alugada em Sete Rios era um terceiro andar com vista para o comboio e lá ao longe para as traseiras de outras capoeiras humanas. Era uma casa normal sem qualquer outra qualidade a não ser a renda, que era mesmo em conta. Não havia dúvida: os Pardos tinham tido sorte com a casa, compunha-se de todas as serventias e até de um semicúpio de lata que o senhorio incluía no aluguer. Aí podiam tomar, de vez em quando, um banho morno para não se constiparem.
O Pardo filho trabalhava na Companhia das Águas e era fiscal dos contadores – tinha uma farda cinzenta para as suas inspecções mais importantes nos bairros elegantes. Fiscalizava às tardes e pelas manhãs via qual o movimento geral de trabalhos. Quando tomava qualquer líquido era sabido que bebia um café com leite, pois só leite caía-lhe mal no estômago e só café pesava-lhe na cabeça. Assim, equilibrava a mistura. A mãe de Pardo ficava em casa e a mulher de Pardo era professora de instrução primária. Não se pode dizer que nadassem em dinheiro, mas também seria injusto dizer que viviam com dificuldades e pregavam o cão ao merceeiro ou ao padeiro. O Pardo satisfazia modestamente as suas contas.
Ao jantar não comiam carne nem peixe. A avó costumava fazer o caldo e depois batatas com um pouco de chourição ou uns burriés da época, ou mesmo, um coelho da gaiola da varanda. Não passavam fome, mas também não se refastelavam em arrotos. Vinho, havia sempre: era do carvoeiro e parecia pólvora disparada do cartaxo.
Os Pardos tinham um rapaz e uma rapariga. A rapariga andava a aprender costura em casa da mulher do chefe da Companhia das Águas, que tinha um atelier de modista ao pé do Campo pequeno; o rapaz andava de paquete num escritório da Baixa e já o patrão lhe prometera subir para escriturário.
A tragédia dos Pardos era serem Pardos. Não se livravam da cor que tinham nem podiam definir-se num sim ou sopas. Aquele terceiro andar com vista para o comboio deixava-os pendurados entre o segundo e o quarto, sempre numa espera de melhorarem a situação: o Pardo podia ainda ser chefe dos inspectores, a Parda podia ainda ter mais duas diuturnidades, o Pardo neto podia ainda subir à vontade e a Parda neta podia um dia ser modista. A avó, coitada, é que só podia descer – estava a mirrar, a ficar sem cor e a rabugentar-se um pouco de vez em quando.
Em frente à modista onde trabalhava a Parda neta, havia um quartel de tropa, com oficiais, sargentos e soldados. Um dia um sargento cinzento começou a reparar na cor parda da rapariga e ao fim de várias tentativas, depois do toque da ordem, começou a travar conversa à janela.
O sargento morava na Amadora e tinha lá o pai com quem vivia desde a morte da mãe. Ia todos os dias de comboio e voltava todos os dias de comboio – era uma vida sem mais nem menos e que estava mesmo bem para encaixar com a vida dos Pardos. Nenhum deles tinha muitas preocupações e nenhum deles se atirava ao mar sem motivo justificado.
O Pardo quando chegava a casa, depois de um dia de visitas de inspecção aos contadores, vestia o casaco de pijama e aliviava os joanetes com duas pantufas bem forradas. Ia até á janela e de palito na boca assistia ao passar das carroças para o mercado da Ribeira. Gostava de estar ali na varanda, à pesca, gozando a passagem inferior do movimento. Quando algum comboio apitava, ele dirigia-se para as traseiras e ia ver quem passava; geralmente ficava aborrecido quando eram longas bichas de vagões de mercadorias, cheios de feijão ou gasolina. Nunca estava o Pardo muito bem disposto, mas também se pode dizer que nunca estava mal disposto – o que tinha chegava-lhe, mas ainda era pouco para mudar em direcção a um primeiro andar em sítio mais acolhedor, como, por exemplo, perto da Avenida Almirante Reis.
Os Pardos eram muito unidos e nunca se manifestavam em estridência com açafates de luxo. Viviam-se em Sete Rios com um pouco de vinho fino por alturas do Natal. Os Pardos tinham a cor de burro quando foge e nunca iam de mal a pior nem ganhavam o céu com as suas orações – viviam num purgatório doméstico que os deixava indiferentes perante a religião. A Igreja servia-lhes numa verdade para baptizados, casamentos e enterros e também para tirar o chapéu quando se passavam em frente à porta do Santíssimo.
A história dos Pardos não tinha romance nem poeira – era uma história que sabia a papel de música. Cada vez que os Pardos mastigavam a vida nada lhes trazia de notável, apenas se rareava de indigestões. Com grande custo, mas pagando pontualmente a sua quota mensal, o Pardo filho e o Pardo neto pertendiam à nobre e desvelada instituição chamada os Pardos de Portugal.
O mezzo enganou-se, afinal não foi um documentário que transmitiram mas sim o espectáculo de Monajat Yltchieva no Théâtre de la Ville em 1999. Esta senhora tem uma voz grave e bela que lhe vem de facto da alma.
Em palco , sobre um tapete vermelho, os músicos e a cantora (ajudada por um simples pratinho, sim não me enganei ela utiliza mesmo um pratinho de porcelana para provocar um efeito semelhente às ondas ou ao vento na sua voz) fizeram sonhar!
Mezzo > Musique autour du monde > Monajat Yltchieva > 20h45
Documentaire musical (1999, 52’) avec Monajat Yltchieva (chant), Shawqat Mirzaêv (rabâb : luth), Shorat Razakov (sato, dôtar : luth), Nadir Alikoulov (doïra : tambour), réalisation : Marc Bissot et Didier Mertens. Coproduction Eva 1 Communication, Parallèles Produc-tions et Mezzo.
La Belle et l’Implorante De la fertile plaine de Ferghana (sa terre natale) au Théâtre de la Ville en passant par Tachkent (capitale ouzbek) où elle réside, Monajat Yltchieva chante sans concession le shash maqâm des origines de la musique savante d’Asie centrale. Mais le respect des traditions ancestrales a chez elle une autre saveur, son interprétation est unique, car sa voix — et ce qu’elle a appris à en faire — n’a pas d’égal. Ses parents la nommèrent Monajat, « Supplique », alors que leur pays appartenait à l’URSS, leur prière pour retrouver la liberté.
Lorsque les fleuves AmouDaria et SyrDaria déferlaient fièrement à travers les terres ouzbeks pour engendrer la mer d’Aral, lorsque Tamerlan le Boiteux défit les Mongols, soumit la Perse et conquit la Turquie, lorsque Samarkand s’auréolait des coupoles turquoises de ses mosquées et rythmait la Route de la soie… Le temps a passé, s’est figé parfois, quand l’Union Soviétique bâillonnait la tradition. Lorsqu’aujourd’hui Monajat Yltchieva chante, c’est un torrent qui gronde, c’est un ruisseau qui coule, c’est la supplique que ses parents inscrivirent en elle qui a été entendue : l’univers musical et quatorze fois centenaire de l’Ouzbékistan s’est enfin ouvert au monde.
Marc Bissot et Didier Mertens ont réalisé, en suivant Monajat Yltchieva d’Orient en Occident, d’Occident en Orient, une traversée extraordinaire. La voix de cette femme, la musique de ce peuple, les paysages et l’architecture, les textes qui enveloppent les images : tout porte la marque sacrée et invisible d’une beauté hors du temps.
« J’essaie de chanter avec mon coeur, pas avec ma voix, mais avec… les tourments de mon âme » dit Monajat Yltchieva. Elle qui dut lutter et travailler pour affirmer une identité, une manière propre de chanter, pour assurer à la musique traditionnelle ouzbek la pérennité, donc la vie.
Ontem fui ver o filme "O Pianista" de Roman Polanski.
Não falarei do fundo nem da forma, colocarei a pergunta (sem ainda resposta) do pensador George Steiner que é a seguinte:
"Como compreender psicologicamente, socialmente, a capacidade dos seres humanos para inter-pretarem e serem sensíveis, por exemplo, a Bach ou Schubert, à noite, e para torturarem outros seres humanos no dia seguinte?” Infelizmente, perguntas sem pontos finais.
"With a variable key
you unlock the house in which
drifts the snow of that left unspoken.
Always what key you choose
depends on the blood that spurts
from your eye or your mouth or your ear.
You vary the key, you vary the word
that is free to drift with the flakes.
What snowball will form round the word
depends on the wind that rebuffs you."
Jacinta voz Michael Bluestein piano Rob Roth saxofone John Shifflett contrabaixo Jason Lewis bateria Paulo Perfeito arranjos
Isto passa-se nos dias 18 (terça-feira) e 19 (quarta-feira) de Fevereiro, no Hot Clube, em Lisboa. Parece haver um ligeiro desencontro quanto à hora de início dos concertos (22 horas na página da Jacinta; 23 horas no Jazzportug@l) mas, num ou noutro dia, é conveniente chegar cedinho à Praça da Alegria para encontrar estacionamento (tarefa árdua!), estar à porta um pouco antes das 22 horas, que é quando abre o HC, e conseguir um bom lugar-ao-som na exiguidade interior.
Quando o vaivém explodiu lembrei-me do museu dos acidentes do Paul Virilio, mais um, pensei, afinal a exposição não está no “museu” mas por todo o lado.
Esqueci o assunto mas hoje ao ver o Público, deparo com o artigo do Fernando Ilharco e o vaivém surge de novo “Que quis aquilo dizer? Como nos surgiram os destroços que caíam do céu? Como nos surgiram antes de os descrevermos ou explicarmos e não depois?”
Até dia 2 de Março, no Teatro do Bairro Alto, a Cornucópia tem em cena
de Pedro Calderón de la Barca.
Obra prima do teatro barroco espanhol e do teatro de todos os tempos, que conta a aprendizagem do ofício de rei pelo príncipe Segismundo, que foi fechado desde o nascimento numa torre e de lá saiu um dia e foi tirano, mas que aprende dolorosamente que a vida é sonho breve e como soberano sobe ao trono. A tradução, já publicada em 1973 na Colecção Teatro da Estampa-Seara Nova, é do poeta Manuel Gusmão. O espectáculo deverá estrear no Teatro do Bairro Alto em Janeiro de 2003, também com encenação de Luís Miguel Cintra, cenário e figurinos de Cristina Reis e luzes de Daniel Worm d'Assumpção e interpretação de Amândio Pinheiro, David Almeida, Dinarte Branco, João Lizardo, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Luisa Cruz, Rita Loureiro, e Tiago Nogueira.
O cálice sagrado | 13.02 às 19h45
Jabberwocky | 19.02 às 22h05
A vida de Brian | 20.02 às 19h45
Monty Python ao vivo no Hollywood Bowl | 26.02 às 21h45
A não perder. Aqui fica a 1ª cena do cálice sagrado. Deliciosa!
Scene 1 - A swallow carrying a coconut?
[opening music]
[wind]
[clop clop clop]
KING ARTHUR: Whoa there!
[clop clop clop]
SOLDIER #1:Halt! Who goes there?
ARTHUR:It is I, Arthur, son of Uther Pendragon, from the castle of Camelot. King of the Britons, defeater of the Saxons, Sovereign of all England!
SOLDIER #1: Pull the other one!
ARTHUR:I am,... and this is my trusty servant Patsy. We have ridden the length and breadth of the land in search of knights who will join me in my court at Camelot. I must speak with your lord and master.
SOLDIER #1: What? Ridden on a horse?
ARTHUR:Yes!
SOLDIER #1:You're using coconuts!
ARTHUR:What?
SOLDIER #1:You've got two empty halves of coconut and you're bangin' 'em together.
ARTHUR:So? We have ridden since the snows of winter covered this land, through the kingdom of Mercia, through--
SOLDIER #1:Where'd you get the coconuts?
ARTHUR:We found them.
SOLDIER #1:Found them? In Mercia? The coconut's tropical!
ARTHUR:What do you mean?
SOLDIER #1:Well, this is a temperate zone.
ARTHUR:The swallow may fly south with the sun or the house martin or the plover may seek warmer climes in winter, yet these are not strangers to our land?
SOLDIER #1:Are you suggesting coconuts migrate?
ARTHUR:Not at all. They could be carried.
SOLDIER #1:What? A swallow carrying a coconut?
ARTHUR:It could grip it by the husk!
SOLDIER #1:It's not a question of where he grips it! It's a simple question of weight ratios! A five ounce bird could not carry a one pound coconut.
ARTHUR:Well, it doesn't matter. Will you go and tell your master that Arthur from the Court of Camelot is here?
SOLDIER #1:Listen. In order to maintain air-speed velocity, a swallow needs to beat its wings forty-three times every second, right?
ARTHUR:Please!
SOLDIER #1:Am I right?
ARTHUR:I'm not interested!
SOLDIER #2:It could be carried by an African swallow!
SOLDIER #1:Oh, yeah, an African swallow maybe, but not a European swallow. That's my point.
SOLDIER #2:Oh, yeah, I agree with that.
ARTHUR:Will you ask your master if he wants to join my court at Camelot?!
SOLDIER #1:But then of course a-- African swallows are non-migratory.
SOLDIER #2:Oh, yeah.
SOLDIER #1:So, they couldn't bring a coconut back anyway.
[clop clop clop]
SOLDIER #2: Wait a minute! Supposing two swallows carried it together?
SOLDIER #1:No, they'd have to have it on a line.
SOLDIER #2:Well, simple! They'd just use a strand of creeper!
SOLDIER #1:What, held under the dorsal guiding feathers?
SOLDIER #2:Well, why not?
Acabei de ver um documentário sobre a forma como o Prémio Nobel surprendeu a pequena editora éditions de l’Aube e o próprio Gao Xingjian.
A editora tem uma política editorial muito peculiar, publica escritores que vivem em regimes totalitários, geralmente desconhecidos o que origina pequenas tiragens e muitas dificuldades económicas. Mas, como dizia Jean Viard, um dos sócios das éditions de l’Aube, apesar disso (ou será por causa disso?) têm uma grande liberdade de acção e não sugeriram o corte de 200 ou 300 páginas (como fizeram alguns dos gestores das grande editoras francesas!!) de A Montanha da Alma, simplesmente publicaram.
Roubando, mais ou menos, as palavras de Gao Xingjian: para além do consumo de produtos culturais, para além do marketing, haverá sempre quem goste de literatura.
O chinês, língua feita para a caligrafia* (1). A que induz, que provoca o traçado inspirado.
O signo apresenta, sem forçar, uma ocasião de voltar à coisa, ao ser que só precisa insinuar-se dentro, na passagem, expressão que realmente espreme.
Os chineses eram chamados a um outro destino. Por muito tempo o chinês havia sofrido, como em outros domínios, o encanto da semelhança; primeiro a próxima, depois a semelhança longínqua, depois a composição de elementos semelhantes.
Barreira também. Foi preciso saltá-la.
Mesmo a da mais longínqua semelhança. Curso sem retorno. Semelhança definitivamente para trás.
Abstrair é libertar-se, desatolar-se.
O destino do chinês na escrita era a absoluta não-gravidade.
Os caracteres evoluídos convinham melhor que os arcaicos à rapidez, à agilidade, à viva gestualidade. Uma certa pintura chinesa de paisagem exige rapidez, só pode ser feita com a mesma súbita elasticidade da pata do tigre que salta. (Para isso é preciso primeiro ter estado contido, concentrado, sem tensão no entanto*(2).)
Do mesmo modo, o calígrafo deve primeiro recolher-se, carregar-se de energia para liberá-la em seguida, descarregar-se dela. De um golpe *(3).
O saber, os “quatro tesouros” da câmara da literatura (o pincel, o papel, a tinta, o tinteiro) é considerável e complexo. Mas em seguida...
A mão deve estar vazia para não bloquear o influxo que lhe é transmitido. Deve estar pronta ao menor impulso assim como ao mais violento. Suporte de eflúvios, de influxo.
...De algum modo semelhante à água, ao que ela tem de mais forte e de mais leve, de menos perceptível, como são seus vincos*, que sempre foram um objeto de estudo na China.
Imagem do desapego: a água que não se prende, sempre pronta a instantaneamente partir de novo, água que, mesmo antes da chegada do budismo, falava ao coração do chinês. Água, vazio de forma.
Yy Tin, Yi Yang, tche wei Tao
Um tempo Yin, um tempo Yang
Eis o caminho, eis o Tao.
Caminho pela escrita.
Ser calígrafo como se é paisagista. Para melhor. Na China é o calígrafo que é o sal da terra.
Nessa caligrafia - arte do tempo, expressão do trajeto, do curso -, o que suscita a admiração (independente da harmonia, da vivacidade, e dominando-as) é a espontaneidade, que pode chegar quase até a explosão. Não mais imitar a natureza. Significá-la. Por meio de traços, impulsos. Ascese do imediato, do relâmpago.
Tais como são atualmente, distanciados de seu mimetismo de outrora, os signos chineses têm a graça da impaciência, o vôo da natureza, sua diversidade, sua maneira inigualável de saber se curvar, saltar de novo, se aprumar.
Como faz a natureza, a língua na China propõe à visão, e não decide.
Sua escassa sintaxe que deixa a adivinhar, a recriar, que deixa lugar à poesia. Do múltiplo sai a idéia.
Caracteres abertos em várias direções.
Equilibração.
Toda língua é universo paralelo. Nenhuma com mais beleza que a chinesa.
A caligrafia a exalta. Ela perfaz a poesia; é a expressão que torna o poema válido, que avaliza o poeta.
Justa balança dos contrários, a arte do calígrafo, curso e percurso, é mostrar-se ao mundo. — Tal como um ator chinês que entra em cena, que diz seu nome, seu lugar de origem, o que lhe aconteceu e o que ele vem fazer — é revestir-se de razões de ser, fornecer sua justificação. A caligrafia: tornar patente pela maneira como se tratam os signos que se é digno de seu saber, que se é realmente um letrado. Deste modo alguém será... ou não será justificado.
Henri Michaux (tradução Paulo Neves )
Notas:
1-Mais que caligrafia, arte da escrita. Nas outras línguas, com exceção do árabe, a caligrafia, quando existe, é quase apenas a expressão de um tipo psicológico, ou, nas grandes épocas, de uma atitude ideal geralmente religiosa. Há austeridade, compostura rígida, uniformemente rígida, que produz linhas e não palavras, espartilho uniforme de nobreza, de liturgia, de gravidade puritana.
2-A meditação, o recolhimento diante da paisagem pode durar vinte horas e a pintura não mais que algumas dezenas de minutos. Pintura que deixa lugar ao espaço.
3-A elasticidade do tigre, mesmo em religião. No Tch’an, no Zen, é o golpe instantâneo da iluminação.
Quando Schiffman perguntou a Cooper qual o meu estilo, Cooper ficou banzado.
“Nunca ouviste cantar tão lento, tão ociosamente e tão arrastadamente”, disse-lhe. Mas mesmo assim não conseguiu dar uma ideia do meu estilo.
Achei que esse era o melhor elogio que me podiam fazer. Antes, comparavam-me às outras cantoras, agora era ao contrário.
“Não são blues”, era só o que Cooper lhe conseguia dizer. “Não sei o que é, mas tens de ouvi-la.”
Foi por isso que Schiffman veio. Depois de me ouvir ofereceu-me um contrato para o Apollo a cinquenta dólares por semana. Era muito bom para a época. Ali o Apollo tinha a mesma categoria que o Palace na baixa.
Tirando os discos de Bessie Smith e do Louis Armstrong que ouvi em miúda, não conheço mais ninguém que me possa ter influenciado, nem na altura nem agora. Sempre quis ter a voz de Bessie e o “feeling” do Pop. Os jovens querem sempre saber de onde vem o meu estilo e por quem fui influenciada e essas coisas todas. Que posso eu responder? Quando se encontra uma canção que tem alguma coisa a ver connosco, não é preciso mais nada. O que interessa é sentir e, quando se canta, conseguir transmitir esse sentimento aos outros. Comigo não tem nada a ver com o trabalho ou arranjo ou ensaio. Dêem-me uma canção que eu sinta e deixa de ser trabalho. Há canções que eu sinto de tal maneira que nem consigo cantá-las, mas isso é outra coisa.
Trabalhar seria ter que cantar canções como “Doggie in the window”. Mas cantar canções como “The man I love” ou “Porgy” é o mesmo que ir comer pato assado chinês, e eu adoro pato assado. Já vivi essas canções e quando as canto vivo-as de novo e adoro-as.
Southern trees bear a strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black body swinging in the Southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.
Pastoral scene of the gallant South,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolia sweet and fresh,
And the sudden smell of burning flesh!
Here is a fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for a tree to drop,
Here is a strange and bitter crop.