O “meu” liceu já fechou as portas. Há cada menos estudantes na cidade e este ano lectivo o Raínha Santa não abriu. Há bocado, de regresso a casa reparei que a “minha” escola primária está à venda. A primeira vez que lá entrei pareceu-me uma casa enorme e misteriosa, com vários andares, um quintal, mapas na parede, agora é só uma casa velha que está à venda. É o tempo a passar.
Estava parada no sinal vermelho quando ouvi as sirenes. Eram polícias em motas que abriam caminho aos carros enormes, escuros, topo de gama, cálculo, que vinham da Rua da Pena e viraram velozes para D. Pedro V. Eram os senhores do poder instituicional que se preparavam para abandonar as suas viaturas e os seus motoristas e entrar no mais moderno autocarro dos STCP, movido a hidrogénio. O desfile inaugural estava marcado para as 16h30 e eles já estavam atrasados mas isso é sempre assim, o poder mede-se pelo tempo de espera, não é?
Desviei-me da marginal e apontei para oriente. Fiquei a pensar como são estranhas estas inaugurações, hoje vai haver sorrisos a rodos, vão falar de ecologia, de fluxos de trânsito, da “mais valia”, todos os pormenores mais logo no noticiário das oito e o povo vai sorrir também e amanhã os reformados vão fazer bicha para aproveitar as viagens de borla, com certeza, para mais os autocarros são mais quentes que as suas casas velhas, está a tarde de domingo composta, passada, mais uma. Depois acaba a farsa e começa a vida real que não sei o que é mas sei que não é isto,... ou será?
Na noite de 21 de Junho de 1821, o barbeiro Johann Christian Franz Woyzeck apunhala a amante, Hannen Christianen Woost, no patamar da sua casa em Leipzig. Após ter vagueado algumas horas pelas ruas da cidade, rendeu-se, sem resistência, à polícia… Logo que foi descoberto o cadáver, as suspeitas dos agentes da lei recairam sobre o antigo barbeiro. Toda a vizinhança conhecia as crises de ciúme e os acessos de furia de Woyzeck. Nessa noite a sua amante tinha preferido sair com um militar a encontrar-se com ele. Woyzeck, à tarde, tinha mandado fixar um cabo de lâmina quebrada dum sabre. O testemunho dos vizinhos coincidem num outro ponto: o assassino, antes do crime, comportara-se de modo estranho, imaginava ouvir vozes, decifrava no céu figuras de fogo cujos sinais eram os dos pedreiros-livres. O tribunal ordenou um exame médico tendo em vista determinar o grau de responsabilidade mental de Woyzeck. O doutor Clarus, conselheiro da Corte, encarregado disso, declarou que embora as regras de vida e da moral do delinquente estivessem um pouco soltas, a lucidez de que tinha dado prova no decurso do inquérito interditava a tese de irresponsabilidade. A defesa exigiu um novo exame médico; o tribunal confiou-o de novo ao doutor Clarus. Após dez entrevistas e exames, este declarou que tendo adquirido um conhecimento mais aprofundado das circunstâncias do drama e da vida do réu, confirmva as conclusões do seu primeiro diagnóstico. O doutor Marc de Bamberg ataca violentamente Clarus. O barbeiro Woyzeck foi condenado à norte e executado a 27 de Agosto de 1824, na praça do mercado, em Leipzig.
O “Caso Woyzeck” despertou a opinião pública que o seguiu apaixonadamente. Provam-no as gravuras da execução com a praça do mercado pinhada de gente e prova-o o número de folhetos de cordel que circularam na época relacionados com o caso.
You dance real slow
You wreck it down
Then you walk away you turn around
What did that old blonde gal say?
That is the part you throw away
I want that beggar’s eyes
a winning horse
A tidy Mexican divorce
St. Mary’s prayers, Houdini’s hands
And a barman who always...
understands
Will you loose the flowers
Hold on to the vase?
Will you wipe all those teardrops
away from your face?
I can’t help feeling as I close the door
I have done all of this...
many times before
But the bone must go
The wish can stay
The kiss don’t know what the lips will say
Forget I've hurt you
Put stones in our bed
And remember to never...
mind instead
But all of your letters burned up in the fire
And time is just memory mixed with desire
That’s not the road It is only the map, I say
Gone just like matches...
from a closed down cabaret
In a Portuguese saloon (1)
A fly is circling around the room
You’ll soon forget the tune that you play
Cause that is the part...
you throw away
Oh that is the part...
you throw away
1. TG: I'm looking down at [lyrics I've written] here and I keep seeing things like, "On the porch, geese salute."(5) Is that the way the lyrics go? TW: Oh no. That's even better. "In a Portuguese saloon." But I like that better. I'm going to write that down. [Terry repeats as Tom writes] (Source: "Grimm's Reapers": Black Book magazine (USA) June, 2002 by Terry Gilliam. Date April 10, 2002)
TW: "I like the missing pieces. I don't like things too tidy. (Filmmaker) Terry Gilliam heard the line "in a Portuguese saloon" (from The Part You Throw Away), and he thought I was saying, "On the porch, the geese salute." That's better! I hope more people misunderstand me." (Source: "I hope more people misunderstand me": USA Today (USA), by Edna Gundersen. Date: Published: June 17, 2002)
"People don't seem to understand that I hate to make difficult films. I hate to have all these problems. That's the reason I liked making WOYZECK so much.
I shot that film in just eighteen days, and edited the film - an entire feature film - completing the final cut in only four days! That's how films should be made.
That was perfect!"
O fantasma da genial ópera de Alban Berg persegue sempre quem queira pensar em “Woyzeck” e pensar-lhe na música. É que a existência de ópera exige duas coisas simultâneamente: ao revelar à evidência o carácter musical da escrita de Büchner, Berg exige-nos música como factor determinante de espectáculo, (e se podemos conceber o “Dom Juan” de Molière ou “As Alegres Comadres de Windsor” de Shakespeare sem pensar na música como factor determinante é porque a natureza de escrita revelada por De Ponte-Mozart e por Verdi é aí fundamentalmente dramática enquanto a que Berg revela é fundamentalmente musical); mas ao exigir a música exige-nos muito claramente a “sua” música” e a sua ópera.
O “Woyzeck” de Berg não é apenas uma ópera — (ou será também a “ópera impossível”?) é toda a encenação. E se a hipótese que levantamos ao texto neste espectáculo não partilha com Berg o “drama” romântico e recusa mesmo alguns dos pontos fundamentais da ópera (o tratamento das figuras do Tambor, do Capitão, do Doutor… e de Woyzeck) as questões que se levantam à música são as de apontar aqui nem mais nem menos do que uma outra ópera. Não se trata de “música de cena” no sentido em que uma música mais ou menos bonita ajeita o tempo de uma mudança e faz “passar” uma cena. É um texto coerente em si próprio, fechado em si próprio que é colado ao texto de “Woyzeck” na mesma relação (e na mesma simetria) que o cenário propõe. Mais facilmente poderíamos dizer que se trata de “música para o cenário”, criando nele e nele espraiando os climas mentais que se sucedem.
Duas ideias bases presidem à escrita de música:
1. a música é tocada ao vivo por um quarteto de sopro;
2. a música organiza-se sobre duas estruturas fechadas e alternativas que se encontram muitas vezes sem se integrarem: o que é cantado em cena / o que é tocado.
O trabalho musical sobre “Woyzeck” é também um “trabalho impossível” no mesmo sentido em que este espectáculo se pretende “impossível”.
Retirado do programa “Woyzeck” de Georg Büchner, do Teatro da Cornucópia.
Infelizmente não está editado, existe apenas em fotocópias.
Opéra (1994, 1h40) en 3 actes de 5 scènes chacun composé par Alban Berg en 1914 et dont le texte est tiré du drame de Büchner, mise en scène: Patrice Chereau, direction musicale: Daniel Baremboïm.
La rencontre d'Alban Berg avec la pièce “militaire ” de Georg Büchner, lors de sa première viennoise au printemps de 1914, fut un point tournant de sa vie. “Ils ont joué la pièce durant trois heures sans la moindre interruption,dans la noirceur totale, se souvient son ami, Paul Elbogen. Brûlant d'excitation et d'enthousiasme, je me suis levé au milieu d'une tempête d'applaudissements et j'ai aperçu Alban Berg à quelques pas derrière moi. Il était extrêmement pâle et transpirait abondamment. “Qu'en penses-tu?” souffla-t-il, fébrile. N'est-ce pas fantastique, incroyable?” Puis, s'éloignant vite, il dit: «Quelqu'un doit mettre cela en musique!”. Autour du personnage d'un antihéros, le pauvre soldat Wozzeck, Alban Berg va en effet écrire une partition d ’une puissance dramatique et d ’un lyrisme qui font de cet opéra l'une des œuvres lyriques majeures du XXe siècle.
Tu tens medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?
Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços,
Como se de novo fosse criada cada coisa.
Sophia Andresen
Chegou! E é muito mas muito mais bonito do que supunha. E não está nada sujo, como diziam os livreiros!, está amarelecido, o que é completamente diferente. Que seria de esperar de um livro 1947? E foi amado, foi lido, abre-se sozinho em certos poemas. "Dia do Mar" está escrito, na capa, num azul um pouco mais claro que aquele que usamos nos nossos títulos, um azul consistente, igual ao azul do Pégaso :) Desejava este livro não pelo rótulo da primeira edição, mas porque o queria desde o início, queria que o tempo do livro fosse todo o tempo do livro. Muito obrigada Sandra e Cris :)
Andar no cinema para ser contaminado por gravíssimos defeitos de carácter não é coisa que se faça a um velho católico e apostólico romano. Não acredito que se possam fazer bons filmes em pecado mortal e, por isso, espanta-me que a cólera do Senhor não se tenha ainda abatido sobre mim. É certo que o Senhor conhece a extrema pobreza em que vivo e, não obstante os caminhos da perdição seram infinitos, tem-me guiado certeiramente no exercício da minha arte.
Logo, no pequeno auditório (178 lugares) do Rivoli, às 21h30, por dois euros e meio. Será que a sala enche?
Sinopse: É de noite e a avenida junto ao rio está deserta. Samuel contempla calmamente o Tejo que corre aos seus pés. O senhor Elói, um velho marinheiro, aproxima-se para tentar saber as suas intenções. Samuel convida-o a acompanhá-lo no seu último mergulho no rio.
Estará a brincar ou a falar a sério? No último momento, o senhor Elói impede-o de se atirar à água e convida-o a dar uma volta pela cidade.
É dia de Santo António. Encontram três prostitutas, uma delas a filha muda do senhor Elói.
Samuel apaixona-se por ela e a água do Tejo já não o atrai como antes. Mas o rio continua a correr, esperando-o para um último mergulho.
O amor é uma coisa bastante embaraçosa. Pelo menos da forma como eu o entendo: como algo de absoluto. As coisas que aprendemos na vida podiam levar-nos a relativizar o amor. Isso se eu tivesse algum bom senso na cabeça. Não é o caso. Há uma teimosia em entender o amor como coisa absoluta. Sendo absoluta, não é possível. Ficamos com a ideia.
Mário Césariny — ... o Surrealismo é o que existe de mais parecido com a poesia. Não se ensina, não é possível. Tudo o que é pedagógico é muito mau. Tudo o que nasce como revolta é um tormento. O Surrealismo foi um convite à poesia, ao amor, à liberdade, à imaginação pessoal. O Surrealismo reuniu o romantismo, o simbolismo, o futurismo, as tradições libertárias e outras correntes, e deu-lhes um sentido. Esse sentido não vai desaparecer, ficou explícito. Aquilo a que se chamou o Surrealismo existiu sempre...
André Breton — O que efectivamente nos exaltou nesta produção foi (é) a certeza de que melhor ou pior traz com ela um objecto impossível de ser engendrado por um só cérebro e de que é ao mais alto grau dotada do poder de deriva que é a ocupação dominante da poesia. Com “cadáver-exquisito” dispunhamos – enfim – dum meio infalível de pôr em férias o espírito crítico e de libertar plenamente a actividade metafórica do espírito. ( in "Le Surréalisme et la Peinture")
O Goethe-Institut e a Medeia Filmes organizam o 1º Festival de Cinema Alemão onde serão exibidos algumas das mais recentes produções do cinema Alemão, todas elas inéditas em Portugal e já presentes e premiadas em diversos festivais de cinema internacionais, tais como LICHTER, de Hans-Christian Schmid, HALBE TREPPE, de Andreas Dresen, DAS FLIEGENDE KLASSENZIMMER, de Tomy Wigand, SOLINO, de Faith Akin, FÜHRER EX, de Winfried Bonengel, NARREN, de Tom Schreiber, ELEFANTENHERZ, de Zuli Aladag e o documentário BELLARIA - SOLLANGE WIR LEBEN, de Douglas Wolfsperger.
A abertura solene do festival será assinalada com a exibição do filme O GABINETE DO DR. CALIGARI (DAS CABINET DES DR. CALIGARI) no dia 7 de Janeiro às 21h30 no Goethe-Institut, com acompanhamento musical ao vivo por Daniel Schvetz. A inauguração oficial do Festival no Cinema King será no dia 8 de Janeiro às 21h30 e contará com a presença de Eoin Moore para apresentar o seu filme PIGS WILL FLY.
Terá oportunidade de assistir às 11 curtas metragens provenientes de diversos centros de formação da Alemanha e que integram o programa NEXT GENERATION 2003 que foi apresentado na 56ª ediçao do Festival de Cannes, de onde salientamos o filme DAS RAD, nomeado ao Óscar na categoria de curta metragem de animação.
E para completar será possível rever cinco obras do consagrado realizador VOLKER SCHLÖNDORFF, o primeiro realizador alemão a ser premiado com um Óscar, nomeadamente O JOVEM TÖRLESS (DER JUNGE TÖRLESS); O TAMBOR (DIE BLECHTROMMEL); DIE MORAL DER RUTH HALBFASS; A HONRA PERDIDA DE KATHARINA BLUM (DIE VERLOREN EHRE DE KATHARINA BLUM); O GOLPE DE MISERICÓRDIA (DER FANGSCHUß).
Almada 9, 12 e 13 (16h) - Reviver o passado em Brideshead
Cascaishopping (ciclo Grandes Clássicos do Fantástico e Ficção Científica)
7 (17h) - Memórias de uma Sobrevivente
11 (17h) - O Cosmonauta Perdido
12 (17h) - Solaris
13 (17h) - Stalker
15 (17h) - Eles Vivem
Chiado (ciclo Carl Th. Dreyer)
9 (18h30) - Gertrude
10 (18h30) - O Casal
11 (18h30) - A Paixão de Joana d'Arc
Colombo (Vida e Obra de João César Monteiro)
7 (18h) - A Mãe + entrevista a Margarida Gil
8 (18h) - Os Dois Soldados + entrevista a Paulo Branco
9 (18h) - O Amor das Três Romãs + entrevista a Manuel Gusmão
12 (18h) - Passeio com Johnny Guitar + entrevista a João Bénard da Costa
13 (18h) - Conversa Acabada + entrevista a Manoel de Oliveira
Norteshopping (Vida e Obra de João César Monteiro)
7 (17h) - O Amor das Três Romãs + entrevista a Manuel Gusmão
[7 (21h30) - a vida e a obra de João César Monteiro]
12 (17h) - Passeio com Johnny Guitar + entrevista a João Bénard da Costa
13 (17h) - Conversa Acabada + entrevista a Manoel de Oliveira
Santa Catarina (mini-ciclo Lars von Trier)
8 (17h) - Ondas de Paixão
12 (17h) - Os Idiotas
13 (17h) - Dancer in the Dark
Gaiashopping (ciclo David Lynch)
7 (18h) - Veludo Azul
8 (18h) - Um Coração Selvagem
12 (18h) - Estrada Perdida
13 (18h) - Uma História Simples
15 (18h) - Mulholland Drive
a) Encontrar a seguinte categoria no miau.pt: Livros de Sala.
b) Nessa categoria, figurar o anúncio:
Obras completas de Dostoievsky
17 volumes. Editorial Estúdios Cor. 1970. Usados porque expostos numa prateleira há anos. Nunca lidos.
posted by picatostes on 15:01
...
drink up, baby, look at the stars, i'll kiss you again
between the bars where i'm seeing you
there with your hands in the air waiting to finally be caught
...
Cadáver Esquisito (Cadavre Exquis) — Jogo de papel dobrado que consiste em fazer compor uma frase ou um desenho por várias pessoas, sem que nenhuma delas possa aperceber-se da colaboração ou das colaborações precedentes. O exemplo, tornado clássico, que deu o nome ao jogo, está contido na primeira frase obtida deste modo:
“O cadáver-esquisito-beberá-o-vinho-novo...”
António Maria Lisboa — A obra surrealista continua a ser, para que seja, não um arranjo ou procura estética ou, como ouvi, um “materializar de emoções puras”, mas uma conquista no domínio do conhecimento e da acção.
Em física, basta dizer-se a palavra «luz» para que todos entoem: Nada se move mais depressa do que a luz - o que é de facto verdade. Mas a luz tem outra propriedade espantosa: propaga-se a uma e uma só velocidade, que é uma das constantes da natureza. Esta ideia foi consagrada por Einstein na sua teoria da relatividade restrita e é um dos pilares da física moderna: todos lhe atribuem o estatuto de verdade religiosa. Mas e se não for correcta?(...)
terça-feira, janeiro 06, 2004
É preciso que tudo se arranje milimetricamente
numa ordem fulminante
PROPOSTA | Uma Ofensa Musical #I
PARA ACABAR COM O JULGAMENTO DE DEUS
Em finais de 1947 Antonin Artaud gravou nos estúdios da Rádio França a emissão, encomendada por esta estação, "Pour en finir avec le jugement de dieu". Além do autor participavam Maria Casarès, Roger Blin e Paule Thévenin. Em lugar da emissão originou-se uma controvérsia, sempre actual, entre jornalistas e uma embaixada de cinquenta intelectuais (de Auric a Mauriac) sobre os deveres de uma rádio, pelo que o programa foi para o ar com um ligeiro atraso de vinte e seis anos.
Artaud, em 1948: “Este caso da Radiodifusão é lamentável. O texto bem que pode aparecer no Combat ou numa plaquete / Não se escutarão os sons, / a xilofonia sonora, / os gritos, os ruídos guturais e a voz, / tudo o que constituiria enfim uma primeira digestão do Teatro da Crueldade. / É um desastre para mim.”
Proposta transmitirá este documento histórico na íntegra. O material de apoio indispensável à sua audição encontrar-se-á disponível na homepage da Antena2 [e também aqui]
Entra-se no Antigo Refeitório de Santa Cruz, para ver as Memórias de Santa Cruz, cadinho do futuro museu de arte sacra de Coimbra. Um tesouro.
E então, o milagre acontece. Entra-se na sala obscurecida e de imediato os olhos nos levam a um expositor, à direita, onde brilha um ‘Relicário Braço de Santo Agostinho’, peça em prata lavrada, vidro e pedraria, do século XVI. Não consigo descrever a peça, falta-me o vocabulário técnico e, como na Odisseia, palavras apetrechadas de asas que traduzam com rigor o seu fulgor esplendoroso. Mas sempre adianto que há uma base, toda trabalhada, da qual se ergue um braço adornado com incrustações em vidro e pedraria, encimado por uma mão de dedos estendidos e entreabertos. E então, tocando os dedos, mas não sendo segurado por eles, um coração em prata dourada (?), atravessado por uma seta. O elemento, como digo, apenas é tocado pela extremidade dos dedos, como se fosse uma palpitação de glória que pairasse no ar, e que transforma todo o conjunto. Este coração é o centro (da peça? da sala? do mundo?) e o braço e a mão, que pareciam há pouco ser o elemento preponderante do conjunto, são relegados para o secundário papel de uma súplica, um braço que se iça e uma mão que se estende para tocar o inacessível, para tocar um segredo qualquer que dá força, e movimento, e glória, ao mundo.
Memórias de Santa Cruz, exposição comissariada por Pedro Dias, e que está em mostra até 29 de Fevereiro, no Antigo Refeitório do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra
Bartleby é um dos escritos «proféticos» da passagem, no século XIX, à modernidade. O abandono do protagonista responde ao desassossego de Wall Street, a quietude gera a lúcida exasperação de quem irá contar a história, de quem pode, desvendando-se sem o saber, contá-la, na medida em que o consentem a verdade e a «hipocrisia» das relações humanas, a sua arte.
Melville inicia esta curta novela como começara Moby Dick: com o balanço de um verso, talvez interrompido, que se torna épica moderna. Uma réplica, ou a resposta ao anonimato, tantas vezes feliz, de uma situação nascente — que desencadeará a maior quantidade possível de diferença individual — faz com que Melville convoque nomes: Typee, Benito Cereno, Moby Dick, Bartleby, John Marr, Billy Budd, que elucidam uma busca insana, um movimento imparável. Este retrato interposto do homem sozinho, acompanhado pelas nossas cidades, podendo optar por uma espécie de acção negativa, mortal, pela meditação ou reclusão junto ao muro, ou pela sua exclusão, é uma via — a não exaltante — do nosso tempo prefigurada. Quer a vejamos à maneira extremo-oriental, quer num misticismo invertido, cristológico, quer como denúncia do farisaísmo social e do próprio lugar de escrivão.
Pelo desespero activo e veloz, pelo humor (e pela ironia que talvez Melville use contra o refúgio optimista do Transcendentalismo), por ser contado por outro, pelo que um tal desespero possa ter de transfigurador — que é o curso da modernidade — pela mistura mesma de uma semelhante música que é poema e romance, conforme clareia ou não, Bartleby mostra-nos como se entrega à aniquiliação que uma voz ordenada e comiserante ressuscita.
Convocar outros paralelos, ressonâncias, a parábola legal da escrita, será interessante somente como confronto entre verificação e metamorfose — e as suas transformações. Linhas que se cruzam: Gogol, Dostoievski (Memórias do Subterrâneo), Poe (O Homem da Multidão), Hawthorne (Wakefield), tipos de alpergatas em Conrad, balcões e bancos de Henry James (e também A Fera na Selva), a tranquilidade atroz, em abismo, de Kafka, Musil, os homenzinhos de Eliot, os heterónimos de palha viva em Pessoa (e os amanuenses da Baixa), o anonimato nomeado de Beckett, talvez que de certo modo «Mr. Bleaney» de Larkin, «as pequenas estatuetas de sal» dos poetas de Leste, certas figuras de Lu Xun.
Acaso no andar de tanta poesia deste século (sobretudo americana) pela urbe, na recusa do protagonista, na trivialidade ofuscante de um quotidiano que brilha, se possa ver um arco que vem de Emily Dickinson, ao mais recente da arte nos EUA (quer dizer, em quase todo o lado).
Mas, e o desamparo bíblico de Bartleby, o seu desconcerto?
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento
Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso expurgado de liberdade me menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará diante dela»
Os pregadores da morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao
sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal
Hoje lia o JN quando vislumbrei em página desinteressante uma fotografia do Stallone a sorrir. O sorriso do Stallone provocou-me gargalhada interior e o riso suspendeu-me o gesto de virar a página e continuar. Voltei atrás e li o seguinte:
«A televisão japonesa não está com meias medidas em termos de publicidade e com cachets que podem ir até três milhões de euros contrata as grandes vedetas de Hollywood. Assim, lá é possível ver Stallone a vender presunto, Sean Connery a aconselhar uma marca de iogurtes, Leonardo di Caprio a promover cartões de crédito e por aí fora. Mas atenção: estes anúncios só passam no Japão...»
Isto provocou exteriorização de gargalhada para espanto das pessoas que tomavam o pequeno-almoço ao pé de mim, para logo a seguir me deprimir um bocado.
Não sei o que é mais ridículo, se o presunto do Stallone, se os iogurtes do Connery, se os cartões de crédito do outro. Acho triste que essa publicidade interesse a quem quer que seja e que venda produtos. Estes anúncios só passam no Japão (era suposto fazer-se o quê com esta conclusão do artigo? sentir pena? de quem?) mas equivalentes com vedetas à medida também passam aqui.
Esta ideia é deprimente – alguém em frente a uma televisão não ia comprar uma coisa e depois de um anúncio decide (constrangedor usar verbo decidir, tão bonito, neste contexto...) comprar porque viu uma vedeta com essa coisa.
Realmente alguém achará, neste caso, que se comprar um presunto anunciado pelo Stallone fica parecido com o Stallone? E parecido em que medida? Na fama? No sorriso original? Na exposição pessoal? Isso é possível? E, sobretudo, isso interessa? Alguém achará, à nossa escala, que se comer o iogurte anunciado por um actor de uma novela da tvi fica parecido ao actor ou à personagem? Isso interessa? Não são antes coisas das quais deveríamos fugir a sete pés? Aparentar estas aves raras, especificamente e, em geral, tudo o que não seja nosso?
Estes anúncios assim apelam à mais profunda idiotice que um ser humano é capaz de albergar. Pensar que essa idiotice coexiste com um órgão fantástico como o cérebro, que é alimentada e, pior, que é necessária... quanta promiscuidade.
posted by camponesa pragmática on 16:15
Eu sei que há menos de um mês deixei este quadro no Boogie. Fui lá agora buscar os códigos e tudo. Em dias como este, com todo este sol, esta imagem não me larga. Sobretudo quando dou as costas ao sol porque sou obrigada a recolher à coisas sombrias entre paredes.
1. Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos? - Fernando Pessoa.
Li isto há pouco no Blogando Pessoa mas da primeira vez encontrei a frase num dos textos que David Mourão-Ferreira reuniu na antologia O Rosto e as Máscaras (MOURÃO-FERREIRA, David – Fernando Pessoa. O Rosto e as Máscaras. Antologia cronológica, organizada e prefaciada por DM-F, Lisboa, Ed. Ática, 1976). Vou procurar essa crónica mais logo, encontrar e trazer contexto. De todas as formas a frase é bela e não perde o sentido mesmo longe do resto. E parece-me poder aplicar-se bem ao fenómeno da blogosfera e em especial a este moleskine online de sua graça Janela Indiscreta. Com isto da contagem decrescente para bolo indiscreto heheh estou agora a processar material de n discussões que ocorreram ao longo do ano.
2. Somos dispersivos. O que é bom, porque é como somos e não há traição a isso, e pode ser mau para quem chega e não percebe exactamente o que se passa neste blog, como disse a Cristina uma vez. Mas, pessoalmente, como sou muito dispersiva, só encaixaria num blog assim dispersivo. E somos afirmadores, segundo o aforismo nieztscheanopostado, pelo menos uma vez, pelo Tó. Estas duas coisas fazem-me gostar muito da Janela, embora há um ano não soubesse o que era um blog e a revelação me tenha chegado através de mail da Cris :)
3. Esta manhã ouvi um zunzum sobre uma bola de fogo avistada (esta noite?) no Norte de Portugal e na Galiza e que teria origem na grande tempestade que ocorre no sol desde Outubro. Pouco depois, acordei. Como não encontro notícias, pergunto-me se terei sonhado.
Documentaire (52 mn) avec des chorégraphies et des interviews de Jeanne Moreau, Jean-Christophe Maillot, Carolyn Carlson, Sidi Larbi Cherkaoui, Akram Khan, Bill T.Jones, Marie-Claude Pietragalla. Réalisation: Jérôme Cassou.
De sa naissance jusqu’à sa mort, l’homme danse mais il ne le sait pas toujours. On ne retient de la danse que la partie émergeante d’un iceberg gigantesque. L’inconscient collectif l’a claquemuré dans une case étroite où il n’est question que de mouvements grâcieux, d’arabesques désuètes ou d’entrechats éculés. Les danseurs, et les chorégraphes ont le pouvoir de maîtriser leurs mouvements naturels pour en faire un art sur lequel le temps agit avec férocité. Que faire d’un corps vieillissant? Mais au-delà du danseur, “Danse avec la vie” parle de l’homme et de sa course contre le temps qui passe.
Oh, se as aves cantassem e as nuvens suspirassem de afecto
e o olho, acentuando o seu azul ao perseguir a coloratura,
pudesse distinguir as chaves na porta e, por cima, um tecto,
e aqueles que agora já estão em parte nenhuma.
Caso contrário, tudo não passa duma mudança de cadeiras
e de sofás. E de flores encaixilhadas nas paredes e em vasos.
E se houver no mundo uma abelha sem colmeia
e com excesso de pólen nas patas, essa abelha és tu.
Oh, se um dia lá no azul profundo as coisas transparentes
conseguissem separar a rédea à sua invisibilidade
e se condensassem numa estrela ou lágrima neste
lado da estratosfera, e depois, em todo o lado.
Mas, visivelmente, o ar parece ser apenas o fio com que se fez
a renda no bastidor, no parque onde o czar se dava ao pastoreio.
E as estátuas gelaram como se no pátio das alunas nobres
houvesse um decembrista, posteriormente executado, e chegou Janeiro.
Joseph Brodsky, "Paisagem com inundação" (tradução de Carlos Leite, edição da Cotovia)
É verdade, admitimos, gostamos que gostem de nós, por isso agradecemos ao Ivan. E vamos mais longe, gostamos ainda mais quando nos deixam em tão boacompanhia, por isso agradecemos duas vezes ao Almocreve.
Muito obrigada pela preferência,
os indiscretos
corados, sorridentes e de vénia feita
Antecipo a chegada da 1ª edição do Dia do Mar e abro a minha edição recente. O livro é também usado como mapa e já não tem uma folha no lugar. Sento-me ao sol – Janeiro está a ser pródigo – e leio-o. Aparece o Mar sonoro. O primeiro verso recria o mar onde quer que estejamos quando o lemos.
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que suponho
Seres um milagre criado só para mim.