Esta é uma das razões porque gosto tanto deles: Franco Quadri, A dramaturgia em Itália e a língua; Spiro Scimone, O Saguão; Fausto Paravidino, Dois Irmãos, Natureza Morta numa Vala, Génova 01; Antonio Tarantino, A Casa de Ramallah; Ascanio Celestini, Fábrica; Davide Enia, Itália-Brasil 3 a 2; Letizia Russo, Fim de Linha; Babel; Tiziano Fratus, A língua que queima.
Estes teatros que nos vêm da Itália (até podíamos dizer os teatros que vêm das Itálias, tão real é a diversidade cultural daquela península sublime) são-nos necessários. Jorge Silva Melo
O rio Oder não apenas separa Frankfurt de Slubice...
Já esteve para acontecer numa sessão a meio da tarde do cinema Charlot; a sala enorme, vazia para o "Flirt" de Hal Hartley. Depois, umas quantas vezes ao fim da tarde no Passos Manuel; até para ver a bela "Atalante" de Jean Vigo erámos tão poucos. Ontem na Casa das Artes só estava o projeccionista, o segurança e eu. Entrei na sala, apagaram as luzes e o filme começou. Passados alguns minutos entrou uma rapariga e depois mais duas. Em toda a cidade, quatro pessoas para ver "Luzes Distantes", de Hans-Christian Schmid. É triste ver uma sala de cinema tão abandonada e esquecida.
O filme está integrado num pequeno ciclo de cinema alemão contemporâneo, organizado pelo Goethe Institut (em colaboração com o Fila K cineclube), que começou no início da semana e não teve qualquer divulgação. Na sala apenas um cartaz com o horário e os nomes das películas, nem um papelinho para nos dizer quem são os realizadores, sobre o que é o filme, nada. Só fui ver porque ao ler o caderno local do Público reconheci o título. Repete dia 24 às 17h45 e às 21h45 e a entrada é gratuita.
É um filme melancólico e rude (lembrou-me um pouco a extraordinária "Rosetta" dos irmãos Dardenne), rodado quase como um documentário. Não é só sobre aqueles refugiados ucranianos, é sobre nós.
The soldier came knocking upon the queen's door
He said, "I am not fighting for you any more"
The queen knew she'd seen his face someplace before
And slowly she let him inside.
He said, "I've watched your palace up here on the hill
And I've wondered who's the woman for whom we all kill
But I am leaving tomorrow and you can do what you will
Only first I am asking you why."
Down in the long narrow hall he was led
Into her rooms with her tapestries red
And she never once took the crown from her head
She asked him there to sit down.
He said, "I see you now, and you are so very young
But I've seen more battles lost than I have battles won
And I've got this intuition, says it's all for your fun
And now will you tell me why?"
The young queen, she fixed him with an arrogant eye
She said, "You won't understand, and you may as well not try"
But her face was a child's, and he thought she would cry
But she closed herself up like a fan.
And she said, "I've swallowed a secret burning thread
It cuts me inside, and often I've bled"
He laid his hand then on top of her head
And he bowed her down to the ground.
" Tell me how hungry are you? How weak you must feel
As you are living here alone, and you are never revealed
But I won't march again on your battlefield"
And he took her to the window to see.
And the sun, it was gold, though the sky, it was gray
And she wanted more than she ever could say
But she knew how it frightened her, and she turned away
And would not look at his face again.
And he said, "I want to live as an honest man
To get all I deserve and to give all I can
And to love a young woman who I don't understand
Your highness, your ways are very strange."
But the crown, it had fallen, and she thought she would break
And she stood there, ashamed of the way her heart ached
She took him to the doorstep and she asked him to wait
She would only be a moment inside.
Out in the distance her order was heard
And the soldier was killed, still waiting for her word
And while the queen went on strangeling in the solitude she preferred
The battle continued on
A exuberância de Devendra Banhart é de outra estirpe. Parece um homem vindo dos bosques, de barba longa e longa cabeleira como uma fraga, em (esquelético) tronco nu tatuado. Um homem sem idade (ok, tem 23 anos). Avisa, sem surpresas, que irá tocar canções muito curtas: os seus temas são vinhetas, mais do que narrativas, depuradas com minúcia e tipicamente esculpidas com três acordes dedilhados à guitarra. O primeiro álbum, "Oh Me Oh My..." (2002), é uma compilação de canções que foi deixando nos atendedores de chamadas de amigos, pedindo-lhes para não as apagarem - mais tarde, munido de um quatro-pistas emprestado, recuperou-as, com a rudeza e o artesanato das gravações originais. "Rejoicing In The Hands", editado recentemente e primeira parte de um díptico que terá continuidade em Setembro, com "Nino Rojo", já gravado em estúdio, é um disco mais maduro, sem deixar de ser selvagem.
[..]
Para ouvir: Poughkeepsie A canção faz parte do álbum "Rejoicing In The Hands" e foi "apanhada" no programa de rádio da NPR, All Songs Considered (episódio #65).
E podem anotar: já só faltam 77 dias.
A viagem acaba aqui:
nos cuidados mesquinhos que repartem
a alma que não pode já nem dar um grito.
Os minutos agora são iguais e fixos
como as voltas da roda de uma nora.
Uma volta: um subir e água que retumba.
Outra volta: outra água, um chiar a intervelos.
A viagem acaba nesta praia
que ferem os assíduos mansos fluxos.
Nada descobre senão tardados fumos
o areal que tecem de concavidades
os hálitos ligeiros, e é raro que apareça
na calmaria muda
entre as ilhas do ar migrantes à aventura
a Córsega abaulada ou a Caprária.
Tu perguntas se tudo assim se dilui
nesta vaga neblina de lembranças;
se na hora que entorpece ou no suspiro
da resssaca todo o destino é cumprido.
Quero te dizer que não, que de ti já está perto
a hora em que passarás além do tempo.
Talvez só quem quiser se eterniza,
e tu poderás, quem sabe, mas eu não.
Penso que para a maior parte não há salvamento,
mas que um ou outro iludirá os desígnios,
passará ao outro lado, como quis se encontando.
Quero antes de ceder mostar-te
esta via da fuga
lábil como nos revolvidos campos
do mar espuma ou sulco.
Dou-te também a minhaa pouca esperança.
A novos dias, cansado, não posso alargá-la:
ofereço-a como prova ao teu destino, e que te salves.
O caminho acaba nestas costas
que a maré desgasta com movimento alterno.
O teu coração, a mim chegado, que não me ouve
levanta ferro talvez já para o eterno.
Os três posts anteriores vieram desta página que é feita por pessoas que devem ser naturais das Berlengas. Os textos, as imagens, os banners e outros mil e um pormenores - tudo coisas entre o muito bom e o excelente - não permitem grandes dúvidas: este pessoal adora o que faz.
São mesmo maravilhosos. Quem não sonhou já com um wallpaper com a Pinóquia, um copo de vinho, uma imperial, um prato de sopa, um buraco de snooker ou o Jogo do Galo?
Stella: I got a nose for trouble. I can smell it ten miles away...I can smell trouble right here in this apartment. First you smash your leg. Then you get to lookin' out the window. See things you shouldn't see. Trouble. I can see you in court now, surrounded by a bunch of lawyers in double-breasted suits. You're pleading: 'Judge, it was only a little bit of innocent fun. I love my neighbors like a father.' And the Judge says, 'Well, congratulations, you've just given birth to three years in...'
Jeff: Yeah, right now I'd welcome trouble...You know, I think you're right. I think there is going to be trouble around here.
Stella: ...What kind of trouble?
Jeff (linking his relationship to Lisa with his spying on neighbors): Lisa Fremont.
Stella: Are you kidding? She's a beautiful young girl and you're a reasonably healthy young man.
Jeff: She expects me to marry her.
Stella: That's normal.
Jeff: I don't want to.
Stella: That's abnormal.
Jeff: I'm just not ready for marriage.
Stella: Every man's ready for marriage when the right girl comes along. And Lisa Fremont is the right girl for any man with half a brain who can get one eye open.
Jeff: Oh, she's all right.
Stella: What did you do? Have a fight?
Jeff: No.
Stella: Her father loading up the shotgun?
Jeff: What? Please, Stella.
Stella: It's happened before you know. Some of the world's happiest marriages have, uh, started under the gun, as you might say.
"Janela indiscreta" é uma das pérolas de Hitchcock. James Stewart desempenha o papel de um repórter fotográfico (L.B. "Jeff" Jeffries) obrigado a ficar confinado no seu apartamento em Nova Iorque, numa cadeira de rodas, porque partiu uma perna. Para se distrair, começa a observar, pela janela das traseiras, a vida dos habitantes cujas janelas consegue ver. E, passados uns tempos, começa a suspeitar que um dos vizinhos do prédio oposto ao seu tenha assassinado a mulher. A namorada de Jeffries (Grace Kelly) e a sua enfermeira (Thelma Ritter) acompanham-no nesta aventura/investigação "voyeurista" - e o espectador também. Um dos primeiros cartazes publicitários do filme rezava assim: "Se não tem uma deliciosa sensação de terror ao ver Janela Indiscreta, belisque-se - você está provavelmente morto".
Ilhas
Ilhas
Ilhas em que nunca poremos os pés
Ilhas cobertas de vegetação
Ilhas mosqueadas como jaguares
Ilhas mudas
Ilhas móveis
Ilhas inesquecíveis e sem nome
Atiro os meus sapatos pela borda fora de tanto que gostaria de vos aportar
Desde o Havre não temos feito senão contornar as costas como os navegadores antigos
Ao largo de Portugal o mar está coalhado de lanchas e de traineiras de pesca
É de um azul constante e de uma transparência pelágica
O tempo está bom e quente
O sol bate em cheio
Inumeráveis algas verdes microscópicas flutuam à superfície
Elas fabricam alimentos que lhes permitem multiplicar-se rapidamente
São a inesgotável provenda à qual acorre a legião dos infusórios e das larvas marinhas delicadas
Animais de toda as espécies
Minhocas estrelas-do-mar ouriços
Crustáceos miúdos
Pequeno mundo formigando junto à superfície da água toda penetrada de luz
Vorazes e gulosos
Chegam os arenques e as sardinhas as cavalas
Que são acossados pelos germões os atuns os bonitos
Que são acossados pelos golfinhos os tubarões as toninhas
O tempo está claro a pesca é boa
Quando o tempo se tolda os pescadores andam descontentes e fazem chegar as suas queixas até à tribuna do parlamento
"O consumo moderado de cerveja diminui o risco de doenças cardiovasculares e não contribui para a obesidade nem para a formação da chamada «barriga de cerveja», conclui um estudo britânico, apresentado hoje em Lisboa.
Uma equipa de investigadores do departamento de epidemiologia e saúde pública da University College de Londres descobriu que a cerveja ajuda a prevenir a ocorrência de enfartes do miocárdio e que os consumidores regulares desta bebida alcoólica têm menos probabilidade de sofrer de doenças cardiovasculares do que os abstémios.
O estudo, que concluiu que os benefícios da cerveja são semelhantes aos do vinho, foi realizado na República Checa, o país europeu com maior índice de consumo de cerveja por pessoa, junto de 945 homens e 1052 mulheres.
Os resultados alcançados mostram que as pessoas que consomem, em média, uma cerveja por dia estão mais protegidas contra as doenças cardiovasculares do que as que nunca ingerem a bebida.
No entanto, o estudo orientado pelo professor inglês Martin Bobak revelou igualmente que a protecção está associada apenas ao consumo moderado, já que as pessoas que bebem, em média, duas cervejas por dia têm maior risco de enfarte do que os abstémios."
... + na tsf (ou aqui)
Try to praise the mutilated world.
Remember June's long days,
and wild strawberries, drops of wine, the dew.
The nettles that methodically overgrow
the abandoned homesteads of exiles.
You must praise the mutilated world.
You watched the stylish yachts and ships;
one of them had a long trip ahead of it,
while salty oblivion awaited others.
You've seen the refugees heading nowhere,
you've heard the executioners sing joyfully.
You should praise the mutilated world.
Remember the moments when we were together
in a white room and the curtain fluttered.
Return in thought to the concert where music flared.
You gathered acorns in the park in autumn
and leaves eddied over the earth's scars.
Praise the mutilated world
and the grey feather a thrush lost,
and the gentle light that strays and vanishes
and returns.
"Se/um homem/atravessasse/o paraíso/em sonho/e recebesse uma flor/como prova/de sua passagem/e, ao acordar,/ele encontrasse/essa flor/em suas mãos/dizer o quê/então/eu era/esse homem"
Jean-Luc Godard e Serge Daney conversam sobre as Historia(s) do Cinema. Em português, na revista Contracampo.
Claro que não são uma e a mesma coisa, mas os Kings Of Convenience souberam colocar-se a jeito para a osmose com Simon & Garfunkel.
Isto, hoje, não deve ser dito (quanto mais escrito). Paul e Arthur são uns cotas, desconfia-se mesmo que sempre o foram. O verdadeiro refugo das noites que já são dias.
Apesar de tudo não podemos ser (excessivamente) injustos: os Kings Of Convenience valem por si próprios e fazem música muito bonita. Isn't it right, Mrs. Robinson?!?!?
I'm so tired, I haven't slept a wink
I'm so tired, my mind is on the blink
I wonder should I get up and fix myself a drink
No,no,no
I'm so tired I don't know what to do
I'm so tired my mind is set on you
I wonder should I call you but I know what you'd do
You'd say I'm putting you on
But it's no joke, it's doing me harm
You know I can't sleep, I can't stop my brain
You know it's three weeks, I'm going insane
You know I'd give you everything I've got
for a little peace of mind
I'm so tired, I'm feeling so upset
Although I'm so tired I'll have another cigarette
And curse Sir Walter Raleigh
He was such a stupid get
You'd say I'm putting you on
But it's no joke
It's doing me harm
You know I can't sleep
I can't stop my brain
You know it's three weeks
I'm going insane
You know, I'd give you everything I've got for a little peace of mind
I'd give you everything I've got for a little peace of mind
I'd give you everything I've got for a little peace of mind
Nunca viajei porque queria viajar, sempre viajei porque tinha qualquer coisa para fazer. Quando viajo toda a minha vida vai comigo. É mudar de casa. Não sei se é necessário parar para escrever. Apenas preciso de espaço e de tempo para escrever canções e é mais fácil quando se está em casa.
Lágrimas ou salgueiro sobre a margem
de dentes de ouro
de diamantes de pólen
como a boca de uma rapariga
de cujos cabelos brotava o rio
em cada gota um peixe
em cada peixe um dente de ouro
em cada dente de ouro um sorriso de quinze anos
para que se reproduzam as libélulas.
Quando o vento lhe destapa as coxas
é inocente uma donzela?
Finalmente, Cet Obscur Object du Désir. Quem viu o filme, recorda o modo como a mulher (propositadamente, emprego por enquanto o singular) frusta sempre a expectativa de posse do homem, estabelecendo uma relação erótica algo semelhante à da princesa das Mil e uma Noites. Só continua objecto de desejo, porque o desejo se não consome.
Até aqui, nada de novo em relação a muitas situações idênticas da obra de Buñuel, não só em relação ao sexo, como a outros prazeres físicos (as refeições nunca comidas do Charme Discreto).
Mas o mais genial, e por isso mesmo considero o filme um «topus» de Buñuel, é que essa mulher não é uma só, mas duas, totalmente opostas e totalmente idênticas (as duas imagens de mulher de Buñuel a que já me referi). E que o código de perversão do olhar é de tal modo postulado que muitos espectadores não se apercebem, à primeira visão, do que no entanto é óbvio: duas actrizes a representarem o papel.
Sou daqueles que caiu no logro. Não me considerando propriamente o protótipo de espectador ingénuo, vi o filme, a primeira vez, sem reparar na diferença. Desde aí, não tenho deixado de me interrogar como isso foi possível. A resposta só pode ser a de que os dados oníricos (e de desejo) já estavam de tal modo lançados que o espectador pode ficar na posição de Fernando Rey. A única coisa que conta é a satisfação do desejo, ou, para nós, a visão dessa satisfação: o objecto permanece obscuro, tão obscuro que as opostíssimas Carole Bouquet e Angela Molina podem confundir-se nessa sombra. Quando se sabe que o acaso teve algum papel na escolha de duas actrizes* mais vertiginoso tudo se torna. Como se o testamento de Buñuel fosse o de nos converter à imagem nominal, sós com o nosso desejo agónico e letal.
João Bénard da Costa, Ciclo Luis Buñuel, Cinemateca Portuguesa, 1982
"Este Obscuro Objecto do Desejo" às 23h30 no canal Hollywwod.
_______
*Buñuel tinha pensado inicialmente numa só actriz: Maria Schneider, então famosa depois do Último Tango em Paris. Problemas com a actriz tornaram impossível continuar as filmagens com esta. Prestes a desistir do filme, Buñuel disse um dia, por brincadeira, a Silberman: «E se fizéssemos o filme com duas actrizes?» Silberman pensou e achou a ideia óptima. Foi a vez de Buñuel ficar à rasca...
"Analyses of a new high-resolution map of microwave light emitted only 380,000 years after the Big Bang appear to define our universe more precisely than ever before. The eagerly awaited results announced last year from the orbiting Wilkinson Microwave Anisotropy Probe resolve several long-standing disagreements in cosmology rooted in less precise data. Specifically, present analyses of above WMAP all-sky image indicate that the universe is 13.7 billion years old (accurate to 1 percent), composed of 73 percent dark energy, 23 percent cold dark matter, and only 4 percent atoms, is currently expanding at the rate of 71 km/sec/Mpc (accurate to 5 percent), underwent episodes of rapid expansion called inflation, and will expand forever. Astronomers will likely research the foundations and implications of these results for years to come." - Astronomy Picture of the Day | 2004 July 11
posted by camponesa pragmática on 21:56
sob escuta
En septiembre de 1975 Astor Piazzolla graba la Suite Troileana, la cual está integrada por cuatro movimientos: Bandoneón, Zita [clicar para ouvir gravação de Yo-Yo Ma], Whisky y Escolazo. En cada uno de ellos se perciben los afectos y predilecciones que tuvo Troilo. Sobre esta obra dice Piazzolla: "Esta Suite Troileana es como decir Gracias Pichuco por todo lo que me has dado, gracias por ser tu amigo, gracias por tu bandoneón. Tu amigo, el Gato Piazzolla. Mayo 1976".
Conde Baldassare Castiglione pintado por Rafael (1514/15)
Já dizia esta raposa renascentista no livro do Cortesão, honrosamente dedicado ao nosso bispo de Viseu D. Miguel da Silva:
Chi adunque vorrà esser bon discipulo, oltre al far le cose bene, sempre ha da metter ogni diligenzia per assimigliarsi al maestro e, se possibil fosse, transformarsi in lui.
(...) e, per dir forse una nova parola, usar in ogni cosa una certa sprezzatura, che nasconda l'arte e dimostri ciò che si fa e dice venir fatto senza fatica e quasi senza pensarvi. Da questo credo io che derivi assai la grazia; perché delle cose rare e ben fatte ognun sa la difficultà, onde in esse la facilità genera grandissima maraviglia.
Quando procurei inventar um jardim para a Sophia, deparei com um lugar onde a força telúrica das colinas e do estuário e a beleza da paisagem se interligavam de tal maneira que o Jardim não é mais do que o elo, no sítio próprio, onde se consubstancia tal aliança.
O Jardim situa-se num socalco duma colina, tendo em frente a encosta verdejante e as muralhas escondidas do castelo, enquanto que para Sul se adivinha o nevoeiro e a luz do Tejo. É como que um quintal do velho arrabalde mourisco, donde se vislumbra uma paisagem recortada no azul luminoso do céu de Lisboa.
Pelo lugar e pelo jardim corre o tempo: a alegria do dia, a que se sucede o segredo da noite, a metamorfose das estações e o suave silêncio da natureza, pontuado pelo cantar dos pássaros.
Sophia integrou-se naquele espaço que esperava pela poesia para se tornar humanamente compreensível e transcendente.
Para mim a Sophia, o jardim e a paisagem do lugar são um todo, onde apenas surgem como referências simbólicas:
Um prado humilde, um cipreste, apontando para as alturas, o abrigo dum pinheiro manso, uma alfarrobeira mediterrânica, um caramanchão, tão característicos das quintas românticas do Porto, e a mesa e cadeira de Sophia.
O Jardim vai por certo permanecer - "Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta/ Continuará o jardim, o céu, o mar, e como hoje igualmente hão-de bailar/ As quatro estações à minha porta" - mas temo pelo futuro do lugar e da paisagem, ante o avassalador avanço da obesidade do betão e do chão asfaltado, consequência da "morte" da poesia.
Este e outros textos sobre Sophia estão no Mil | Folhas
Hoje não tenho olhos, sou cega. Vou ao cinema sem imagens. Ouço as palavras, as vozes, os sons, a música. E é tudo. Utilizo a memória para ver: o cão que ladra, o telefone que toca, ela é Domiziana, ele é Delon. Nouvelle Vague. C'est un récit que je voulait faire...
O vermelho deve ser como
o som duma trombeta...
Um cego
Alucina-me a Cor! - a Rosa é como a Lira,
A lira pelo tempo há muito engrinaldada,
E é já velha a união, a núpcia sagrada,
Entre a cor que nos prende e a nota que suspira.
Se a terra, às vezes, brota a flor que não inspira,
A teatral camélia, a branca enfastiada,
Muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada
Como a perdida cor de alguma flor que expira...
Há plantas ideais dum cântico divino,
Irmãs do Oboé, gémeas do violino,
Há gemidos no azul, gritos no carmesim...
A magnólia é uma harpa etérea e perfumada.
E o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,
- Tem notas marciais, soa como um clarim.
Rainer Werner Fassbinder foi um grande admirador do tom melodramático e exacerbado de Douglas Sirk. Em Fevereiro de 1971 publicou na revista Fernsehen und Film um artigo que é fundamental para entender a obra de Sirk e também para compreender o seu próprio percurso daí em diante.
Já agora aproveito para informar que no próximo domingo é projectado na Casa das Artes, Cuidado com essa puta sagrada.
Trata-se do décimo primeiro filme de Fassbinder e um dos seus preferidos. Mais informações sobre a película, aqui.
Não no restaurante, mas no bar, de preferência numa mesa que encaixe numa das janelas abertas sobre o pátio. O bar é sombrio, fresco e as janelas luminosas. O ruído da cidade é abafado pelas paredes grossas da casa e o pessoal é constituído, na totalidade, por criaturas fantásticas, sem peso e sem som. Desligar telemóveis, outros contactos e memórias. Levar leitura, porque a luz é perfeita. Ideal será ir durante o fim-de-semana, sem quaisquer pressas. Pedir água fresca, que vem à mesa em garrafas de vidro e sabe como se a fonte fosse ali mesmo. Declarar suspensos os séculos e instituir soberano o universo breve das necessidades elementares, que se mede em horas: as de ter sede e beber, as de ter fome e comer, as de ter calor e haver sombra. Escolher da lista o prato de peixe com mais coentros. Deixar os olhos deambularem pelo pátio, abertos ou fechados, tanto faz.
posted by camponesa pragmática on 17:01
Regressos
Argentina Santos + Camané + Rabih Abou-Khalil Group
Começou por ser um palco e uma equação: um músico libanês, do mundo, ecléctico, desconcertante + a referência absoluta da "generation next " do Fado + a mais castiça das fadistas portuguesas. Agora que conhecemos os termos da equação - Rabih Abou-Khalil + Camané + Argentina Santos -, continuamos sem atingir a raiz do problema. Regressos permanecerá uma quase-incógnita até ao dia da sua estreia. Quase, porque sabemos que os três actuarão separadamente, explorando modos subtis de aproximação da herança musical árabe e hebraica à canção de Lisboa. Para o encore estará reservada a parte de leão das convivências e dos encontros inesperados, quando Rabih Abou-Khalil e Camané arriscarem, juntos, diálogos entre músicas de distintas geografias e tradições.
Lembram-se de "Far from Heaven" de Todd Haynes? Então preparem uma dúzia de lenços de papel, fechem as persianas e deliciem-se com um melodrama de fazer chorar as pedrinhas da calçada: "O que o céu permite", de Douglas Sirk, às 19h30 no Hollywood.
Hoje de manhã, em frente a um daqueles espelhos acastanhados, esguios, em ângulo de noventa graus, que se escondem junto às árvores, em Serralves, não me reconheci. Parecia uma personagem e não uma pessoa, a minha. Não era eu, é o que quero dizer. A t-shirt era mais eu do que eu.
Fui ao médico, Freud, claro, e ele disse-me que se tratava de um caso de dislexia visual, distúrbio também conhecido por "fase godardiana". "Não é grave", explicou.
Recomendações? "Não ir ao cinema durante quinze dias (nem sequer reproduções em casa); não ler livros (esqueça a Sontag) nem blogs; ver, pelo menos, uma hora de televisão por dia; e em breve volta ao normal".
"Não é que isso seja bom", acrescentou, com um riso sarcástico. Saí, sem pagar a conta. Vou procurar a "Capitale de La Douleur".
O papel em branco é o único espelho do homem, Jean-Luc Godard em JGL/JGL