Quando procurei inventar um jardim para a Sophia, deparei com um lugar onde a força telúrica das colinas e do estuário e a beleza da paisagem se interligavam de tal maneira que o Jardim não é mais do que o elo, no sítio próprio, onde se consubstancia tal aliança.
O Jardim situa-se num socalco duma colina, tendo em frente a encosta verdejante e as muralhas escondidas do castelo, enquanto que para Sul se adivinha o nevoeiro e a luz do Tejo. É como que um quintal do velho arrabalde mourisco, donde se vislumbra uma paisagem recortada no azul luminoso do céu de Lisboa.
Pelo lugar e pelo jardim corre o tempo: a alegria do dia, a que se sucede o segredo da noite, a metamorfose das estações e o suave silêncio da natureza, pontuado pelo cantar dos pássaros.
Sophia integrou-se naquele espaço que esperava pela poesia para se tornar humanamente compreensível e transcendente.
Para mim a Sophia, o jardim e a paisagem do lugar são um todo, onde apenas surgem como referências simbólicas:
Um prado humilde, um cipreste, apontando para as alturas, o abrigo dum pinheiro manso, uma alfarrobeira mediterrânica, um caramanchão, tão característicos das quintas românticas do Porto, e a mesa e cadeira de Sophia.
O Jardim vai por certo permanecer - "Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta/ Continuará o jardim, o céu, o mar, e como hoje igualmente hão-de bailar/ As quatro estações à minha porta" - mas temo pelo futuro do lugar e da paisagem, ante o avassalador avanço da obesidade do betão e do chão asfaltado, consequência da "morte" da poesia.
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