Finalmente, Cet Obscur Object du Désir. Quem viu o filme, recorda o modo como a mulher (propositadamente, emprego por enquanto o singular) frusta sempre a expectativa de posse do homem, estabelecendo uma relação erótica algo semelhante à da princesa das Mil e uma Noites. Só continua objecto de desejo, porque o desejo se não consome.
Até aqui, nada de novo em relação a muitas situações idênticas da obra de Buñuel, não só em relação ao sexo, como a outros prazeres físicos (as refeições nunca comidas do Charme Discreto).
Mas o mais genial, e por isso mesmo considero o filme um «topus» de Buñuel, é que essa mulher não é uma só, mas duas, totalmente opostas e totalmente idênticas (as duas imagens de mulher de Buñuel a que já me referi). E que o código de perversão do olhar é de tal modo postulado que muitos espectadores não se apercebem, à primeira visão, do que no entanto é óbvio: duas actrizes a representarem o papel.
Sou daqueles que caiu no logro. Não me considerando propriamente o protótipo de espectador ingénuo, vi o filme, a primeira vez, sem reparar na diferença. Desde aí, não tenho deixado de me interrogar como isso foi possível. A resposta só pode ser a de que os dados oníricos (e de desejo) já estavam de tal modo lançados que o espectador pode ficar na posição de Fernando Rey. A única coisa que conta é a satisfação do desejo, ou, para nós, a visão dessa satisfação: o objecto permanece obscuro, tão obscuro que as opostíssimas Carole Bouquet e Angela Molina podem confundir-se nessa sombra. Quando se sabe que o acaso teve algum papel na escolha de duas actrizes* mais vertiginoso tudo se torna. Como se o testamento de Buñuel fosse o de nos converter à imagem nominal, sós com o nosso desejo agónico e letal.
João Bénard da Costa, Ciclo Luis Buñuel, Cinemateca Portuguesa, 1982
"Este Obscuro Objecto do Desejo" às 23h30 no canal Hollywwod.
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*Buñuel tinha pensado inicialmente numa só actriz: Maria Schneider, então famosa depois do Último Tango em Paris. Problemas com a actriz tornaram impossível continuar as filmagens com esta. Prestes a desistir do filme, Buñuel disse um dia, por brincadeira, a Silberman: «E se fizéssemos o filme com duas actrizes?» Silberman pensou e achou a ideia óptima. Foi a vez de Buñuel ficar à rasca...