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sábado, julho 17, 2004  

Casa à beira-mar

A viagem acaba aqui:
nos cuidados mesquinhos que repartem
a alma que não pode já nem dar um grito.
Os minutos agora são iguais e fixos
como as voltas da roda de uma nora.
Uma volta: um subir e água que retumba.
Outra volta: outra água, um chiar a intervelos.

A viagem acaba nesta praia
que ferem os assíduos mansos fluxos.
Nada descobre senão tardados fumos
o areal que tecem de concavidades
os hálitos ligeiros, e é raro que apareça
na calmaria muda
entre as ilhas do ar migrantes à aventura
a Córsega abaulada ou a Caprária.

Tu perguntas se tudo assim se dilui
nesta vaga neblina de lembranças;
se na hora que entorpece ou no suspiro
da resssaca todo o destino é cumprido.
Quero te dizer que não, que de ti já está perto
a hora em que passarás além do tempo.
Talvez só quem quiser se eterniza,
e tu poderás, quem sabe, mas eu não.
Penso que para a maior parte não há salvamento,
mas que um ou outro iludirá os desígnios,
passará ao outro lado, como quis se encontando.
Quero antes de ceder mostar-te
esta via da fuga
lábil como nos revolvidos campos
do mar espuma ou sulco.
Dou-te também a minhaa pouca esperança.
A novos dias, cansado, não posso alargá-la:
ofereço-a como prova ao teu destino, e que te salves.

O caminho acaba nestas costas
que a maré desgasta com movimento alterno.
O teu coração, a mim chegado, que não me ouve
levanta ferro talvez já para o eterno.

Eugenio Montale, tradução de Pedro Silveira in "Mesa de Amigos"

posted by Anónimo on 09:18


 
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