O olhar que contempla; o olhar cativo; o olhar que fulmina; são variadíssimas as formas de olhar que podem ser lidas como uma longa história da projecção de ideias e ideais. Podíamos chamar-lhe visões, assim, à laia de leitmotiv, pequenos exemplos de visões ou utopias.
Comecemos pelo olhar medieval. Ligando a mente ao mundo e à imaginação, tudo podia depender do que os olhos viam.
diagrama do cérebro, segundo Avicena, c.1300, iluminura, University Library, Cambridge.
Seguindo os esquemas de Avicena, os tratados de óptica escolásticos acentuavam o poder do olhar na formação dos conceitos no cérebro. Os olhos são primeiro passo para receber as espécies que vão atravessar os vários graus de conhecimento. No interior do cérebro, as bossas ou células que guardam estes sentido internos, distribuem-nos hierarquicamente, à semelhança da teoria platónica. Em primeiro lugar forma-se o senso comum, que apenas apreende as aparências; depois vem a célula da imaginação formal que retém estas formas; por acima a estimativa que as julga. Atrás, ligada com a imaginação, encontra-se a célula cogitativa que compõe e combina imagens relacionadas com o fantástico. No topo do cérebro temos a célula da memória— a vis memorativa com a sua pequena válvula— o cerebelo— que permitia que as imagens voem para o exterior provocando todo o tipo de visões.
O esquema da visão medieval é também um derivado da teoria dos simulacros de Lucrécio. Segundo esta conjectura atomista, todas os objectos desprendiam, por emanação, duplos materiais, semelhantes a películas ou cascas. Estes simulacros (imagens matrizes) vagueavam no ar e, ao chocar com os nossos olhos, entravam no cérebro impregnando-o de marcas de figuras. As imagens dos sonhos eram explicadas de forma idêntica, como produtos dos simulacros que excitavam a mente e a faziam fantasiar. O corpo adormecia, a memória também e o espírito podia livremente acreditar no sonho. Noutros casos os simulacros tinham características diabólicas e aterrorizavam-no com pesadelos. A própria noção de mau-olhado provinha da ideia epicurista da liquefacção dos eidola de Epicuro que Leonardo da Vinci irá retomar para explicar a forma como a perspectiva "lança" imagens no espaço.
O olhar também pode ser o monstro da mente. Quando era um olhar excessivo que queria ver o que atemoriza facilmente se deixava seduzir pela desproporção excêntrica que provoca enganos e alucinações. A própria palavra monstro deriva de monstrare, é um prodígio, um excesso de olhar que se mostra; uma desordem que procede da loucura humana. Relaciona-se com a máscara, com o que fascina e com o sonho. Como bem referiu Max Müller, no alucinado há uma falsa percepção do que se vê e do que se diz. Os fantasmas perturbam a percepção, criando doenças no interior da linguagem.
Na Idade Média estes "fantasmas" também podiam germinar fisicamente no interior do corpo. Os demónios e possessões penetravam "realmente" pelos orifícios do corpo- pelo olhar. Como já vinha referido na Bíblia-Epístola aos Coríntios (II, Coríntios XI, 10) “as mulheres deviam usar um véu na cabeça por causa dos anjos incubos- os demónios que as engravidavam, dando origem a nascimentos monstruosos. Hipócrates já havia explicado a possibilidade de nascimentos de seres monstruosos em virtude da mulher grávida ter olhado para uma gravura ou imagem estranha.
O olhar era tentado de muitos outros modos; alguns deles buscavam o fim último- colocar o homem frente a frente com Deus. O bem supremo também se ligava com o deleito do espírito e a emoção do crente tinha uma natureza estética. Um pouco mais de olhar tanto podia gerar a visão mística como, por deleite físico demasiado terreno, dar origem ao pecado. Dividido entre o paganismo demasiado visível da tradição greco-latina e um deus demasiado invisível da religião judaica, o Cristianismo vai tentar ultrapassar esta dicotomia.
A história do Cristianismo inicia-se a partir de um anátema ao visível acabando, paradoxalmente, por se tornar a maior "fábrica" de imagens.
A imagem reporta-se a uma relação. Figurar consistia também em transportar o sentido daquilo que se queria significar para uma outra figura, implicava uma exegese do verbo feito imagem. Este problema já foi visto como uma dicotomia entre um reinterpretação do ícone pagão e o ídolo, seu oposto. A teologia admitirá a imagem que se apresente como um ícone, ou seja, aquela que transmite as verdades da fé, desde que seja feita a distinção entre o nível da fé e o imagético. Mas vai rejeitar toda a imagem que seja ídolo, no sentido do que existe de prodigioso em toda a imagem. O ícone reporta-se ao que é milagroso, enquanto que o ídolo se reporta ao que é maravilhoso; o ídolo figura, o ícone transfigura. A virtude da imagem está na sua capacidade de invocar o milagre de Cristo, fundando-se na marca do sacrifício; no contacto com a marca de sangue do sofrimento de Cristo.
A teologia na marca:São Bernardo aos pés do crucifixo, manuscripto do séc. XIV, Sshnutgen Museum, Colónia (Rheinisches Bildarchiv).
O episódio da Verónica (ainda que apócrifo) pode ser visto como a récita originária de todo o ícone cristão que se vai concretizar numa infinidade de objectos de culto e imagens miraculosas. Fala do rosto de Cristo marcado como cliché sobro o véu que uma jovem virgem apiedada lhe ofereceu no caminho para a cruz. É a récita da imagem primordial.
Livro de Horas, South Holland; c. 1480-1500
A Verónica representa um vestígio da desfiguração de um deus e da sua redenção. A grande demanda da arte cristã consistirá em seguir-lhe os traços. Por isso, com a Idade Média a figuração divide-se entre uma mimesis diabólica e uma imitatio Christi penitencial: o fascínio provocado pelo ídolo e a contemplação derivada do ícone.
O idólatra deixa-se possuir por uma fantasia fetichista, investindo uma espécie de desejo físico na imagem. Tal como no mito de Pigmaleão, desafia a criação divina e acaba por ficar preso da falsa criatura que adula.
A Idolatria é filha de Satanás. A sua função destina-se a converter a gente livre em escravos. O demónio da idolatria vive encerrado dentro da imagem que corrompe a alma do devoto. Cativa-lhe o olhar.
Pèlerinage de la vie humaine de Guilherme de Deguileville, Biblioteca Nacional de Paris, MS. Fr. 829, fol.114.
O peregrino que partira em demanda do sentido da vida, vai confrontar-se como um curioso idólatra— um carpinteiro a adorar uma estatueta em forma de rei, que havia confeccionado para colocar nos campos como espantalho. O pecado da idolatria precisa do terror para dominar. Depois de feita, a estatueta, possessa pelo demónio, empunha a espada e ameaça o carpinteiro de morte se este não lhe prestar culto.
Na iluminura que a acompanha, a Idolatria é figurada por uma velha bruxa que solta um riso sardónico, mostrando o carpinteiro de joelhos no chão, de incensório na mão, e boca aberta como um papa-moscas sem se conseguir desprender do ídolo. Na verdade, tanto ele como a imagem estão saturados da situação. Segundo a lenda, o demónio infiltrava-se no interior dos mawmets (ídolos) e corrompia pelo olhar aqueles que os fitassem em excesso. Mas o mawmet é uma falsa réplica: tem orelhas mas não ouve, tem boca mas não fala, tem olhos mas não vê e nem a espada ou o escudo desta imagem real o podem proteger. Por isso se dizia que a Idolatria se ria e troçava das suas vítimas. As representações, quando investidas de excesso de sensação, de excesso de desejo, podem controlar as mentes mas não as podem satisfazer.
Bibliografia: CAMILLE, Michael, The Gothic Idol, Ideology and Image-Making in Medieval Art, Cambridge New Art History and Criticism. Cambridge & New York: Cambridge University Press, 1989. Encyclopaedia Universalis- Corpus, Paris,EUA, 1989, III, p. 65-73 (Art et théologie)
L'Innocente, de Gabriele D'Annunzio e Luchino Visconti
Estamos de novo em Abril, o mês mais doce, aquele de que Miguel mais gosta, o mês azul, a nossa casa fica mergulhada em lilases, que escorrem pelo jardim, sobem às árvores, por vezes chegam ao muro que dá para as rochas. É também o mês dos jacarandás, os jacarandás ao longo da rua estão cobertos de flores violetas, que vemos da janela do nosso quarto, da varanda da torre, de um lado o mar até ao infinito, do outro o mar de flores. E o som dos pássaros, desde Fevereiro que acordo a meio da noite com os pássaros, e deixo-me ficar imóvel, ouvindo-os, até adormecer de novo e despertar de manhã para mais pássaros, e para ele.
Uma frase de Serge Daney diz que nós não vemos um filme, é o filme que nos vê a nós.
É uma frase demasiado bonita. Eu diria de outra forma, os filmes não precisam de nós, mas nós precisamos dos filmes. Não é tão bonito, mas parece-me mais correcto e também mais concreto. Ver um filme é uma experiência física muito forte. É muito mais duro, muito mais rígido do que ler um livro. O livro está mais adaptado a nós, pode por exemplo estar traduzido na nossa língua. Um filme por muito que façam com ele, permanece na esfera em que foi criado. São os sentimentos que mudam com a idade. Um livro lemos com a cabeça, um filme vemos com a alma. É pelo menos a impressão que eu tenho..
Alexandre Sokurov, entrevistado por Maria João Madeira e Luís Miguel Oliveira, Lisboa, 13 de Julho de 1999
posted by Anónimo on 16:15
a minuciosa melancolia de Sokurov
O céu raramente é azul. Predomina em todo o filme um tom dourado — nos corpos, nas paredes, na cidade —, como se tudo fosse pintado à luz de uma vela (com pincéis muito finos e delicados, como os que se usam na pintura tradicional chinesa).
Mais uma vez não se percebe nem o tempo nem o espaço. As estações misturam-se, a cidade estreita-se, a casa parece orgânica e os personagens são difusos e irreais.
Como é que podemos amar? Quanto? Até onde aguentamos? O filme anda sempre no fio da navalha, um pouco mais e transforma-se num pesadelo: cair da trave ou cair do telhado. O amor é uma coisa perigosa.
Logo no início (numa das mais belas cenas que já vi de campo, contracampo) a namorada do filho previne-nos desse perigo. Ela sabe que não há espaço para mais ninguém entre os dois. Eles próprios sabem, por isso estão a fazer o corte. Mas como é que se sobrevive a um amor imenso? Como é que se tira alguém de um sonho? Como é que se voa se ninguém nos segura? Como avançar quando o que nos apetece é recuar?
Que amor é este que Sokurov filma? Que cidade é esta, tão estranha? Que filme é este onde nada parece ser o que é: o pai, demasiado jovem e tímido; o filho, demasiado receoso e meigo; Tchaikovsky não é Tchaikovsky. E se tudo não passou de um sonho, quem o sonhou? Se contar os meus pesadelos à água, o que é que acontece?
Uma vez Bénard da Costa disse que Alexander Sokurov é o cineasta da tristeza minuciosa. Sem querer troquei tristeza por melancolia e creio que não consigo avançar mais, só sobram perguntas e dúvidas.
E no entanto há aquele plano, breve, no início do filme, de uma boca que se alonga. Dura apenas uns segundos…
A quem interessar: há uma cerejeira em flor na Rua Ruben A. Entra-se pelo Campo Alegre, passa-se pela Casa das Artes, cem metros mais à frente vira-se à direita e segue-se por um pequeno caminho. As flores são rosadas. É mais bonita à tarde, iluminada pelo sol a oeste e mais ainda quando corre um vento leve.
Mais adiante, na Rua Guilherme Braga (a chegar a Guerra Junqueiro) há mais quatro, quase brancas. Uma delas é lindíssima. E há também olaias em flor, rosa escuro.
Edward Hopper | Anoitecer em Cape Cod | 1939 | Óleo sobre tela
Não se trata da transposição exacta de um lugar real mas de uma combinação de esboços e impressões fornecidos por elementos da região. O bosque de acácias ficava por perto. Descobri a entrada da casa a uns trinta e poucos quilómetros de Orleans. Quanto às figuras, não tive praticamente modelos e pode ver-se a relva seca e ondulada no fim do Verão ou no Outono da janela do meu atelier. O cão talvez arrebite as orelhas porque ouviu um pássaro ou qualquer outro barulho.
Para marcar a data, mais do que para comemorar, uma edição especial da IF, só de uma hora, será transmitida através da RUC (Rádio Universidade de Coimbra - 107.9) entre a meia-noite e a uma da manhã. Também a RUM (Rádio Universitária do Minho - 97.5) virá a transmitir a emissão. As duas rádios têm transmissão online.
O programa ficará para ouvir ou fazer download no site da ESEC Rádio online.
Pelos amigos e apreciadores da IF, vai ser distribuído um CD-colectânea em dois formatos possíveis. Ou som-áudio, ou mp3. Contém uma selecção de músicas e sons que ajudaram a construir a IF durante estes 20 anos.
Na era das "Economic Air Lines", umas turistas americanas efectuam uma viagem organizada. O programa é composto pela visita de uma capital por dia. Quando chegam a Paris, apercebem-se que o aeroporto é exactamente igual àquele de onde partiram de Roma, que as ruas são como as de Hamburgo e que os candeeiros de rua se parecem estranhamente aos de Nova Iorque.
Ao longo das 24 horas que dura a sua escala em Paris, as turistas conhecem alguns franceses - entre os quais o Sr. Hulot (Jacques Tati) - com quem estabelecem uma relação mais pessoal.
"Playtime", um ensaio sobre a vida moderna que ainda hoje continua extremamente actual, é a obra mais visionária e ambiciosa de Tati, o cineasta imortalizado pelo Sr. Hulot. Por ocasião dos 20 anos da sua morte, o Festival de Cannes prestou-lhe homenagem exibindo uma cópia cuidadosamente restaurada deste filme. A Atalanta Filmes associa-se à homenagem exibindo essa mesma cópia.
Nun´Álvares | Sessões às 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h15
O Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) lança, mais uma vez, o desafio de uma noite "Mais Perto das Estrelas". A sessão de observação pública com telescópio está marcada para hoje, entre as 21h00 e as 22h30. A entrada é livre e o lugar é o passeio público junto à fachada do CAUP e Planetário, ou seja, na Rua das Estrelas, junto ao Campo Alegre. Trata-se de mais uma edição da série de sessões que decorrem na quinta-feira da segunda semana de cada mês e que, desta vez, se associa a uma noite primaveril. Hoje, os planetas mais procurados atrás das potentes lentes serão Vénus, Júpiter e Saturno. A sessão de observação será precedida de uma pequena explicação, no Planetário, sobre o que pode ser observado no céu nesta altura do ano.
20 anos de fracções íntimas_da música recatada dos búzios_a if já subiu para além do éter_acolhida numa rede mais fina_mais intensa_mais resistente_um centro_uma concha azul_irradiando milhares de cordões_nós somos as pontas_e continuamos_aqui_parabéns Francisco.
Ontem ficámos admiradas. A Alexandra, a Lídia e eu, literalmente de boca aberta. O Nun’ Álvares estava muito bem frequentado. Não contei mas deviam ser mais de cinquenta pessoas. Fica registado: o Alexander Sokurov arrasta multidões às salas de cinema do Porto.
Quanto ao filme, talvez mais tarde consiga falar sobre a "minuciosa melancolia".
Rembrandt Harmensz van Rijn | O Regresso do Filho Pródigo
O Público distribui hoje "Gente de Dublin", de James Joyce.
Mas, quem é que distribui "The Dead" de John Huston? Em que sala de cinema? Em que cidade?...
Better pass boldly into that other world, in the full glory of some passion, than fade and wither dismally with age. Gabriel, na última cena
Amanhã, 4ª, às 17h, nova iniciativa do Cinema ParaIST:
PALACE II Dois jovens rapazes, Laranjinha e Acerola, vivem na Cidade de Deus, um dos bairros mais violentos do Rio de Janeiro e precisam de algum dinheiro para poderem ir a um concerto. A maneira mais fácil que encontram, e também a mais difícil, é trabalhar para traficantes de droga.
Realizador: Fernando Meirelles
FOUTAISES Nove minutos de comédia com Dominique Pinon (Delicatessen) como actor principal. Pinon conta o que mais gosta e detesta numa sequência a preto e branco através de cenários carregados. A música é de Carlos D’Alessio e um especial agradecimento é efectuado a Claude Ossard.
Realizador: Jean-Pierre Jeunet
ME LA DEBES Uma família de três elementos, a criada e o namorado da filha levam, aparentemente, uma vida normal mas todos eles têm as suas “escapadelas”. Até que ponto se pode esconder a realidade?
Realizador: Carlos Cuarón
VINCENT O jovem Vincent Malloy sonha em ser tal e qual como Vincent Price, acabando por se envolver em sonhos macabros que aborrecem a sua mãe.
Realizador: Tim Burton
FRANKENWEENIE Quando o cão do Victor, Sparky, é atropelado, ele decide ressussitá-lo da única maneira que sabe. Sparky volta de novo ao mundo dos vivos, inundando o bairro de terror e de sofrimento. Contudo, Victor tenta convencer os pais que, apesar da aparência de Sparky, este continua a ser o seu fiel amigo.
Realizador: Tim Burton
I'LL SEE YOU IN MY DREAMS Numa vila inexplicavelmente assombrada por uma praga de zombies, Lúcio, um trabalhador honesto, é a única pessoa que consegue combater esta “virose”. Lúcio é atormentado por problemas matrimoniais e esconde a sua bela mulher, Ana, agora transformada em zombie na despensa da sua casa. Esta situação é temporariamente esquecida no bar local, onde os estranhos habitantes da aldeia encontram refúgio. Aí, Lúcio redescobre uma nova oportunidade para o amor no relacionamento com a bela Nancy. Contudo, algo corre mal. Será que Lúcio aguentará todos estes problemas com o poder de uma carabina e de um cutelo?
Realizador: Filipe Mello
A SUSPEITA Esta curta é, provavelmente, o melhor filme de animação alguma vez feito em território nacional, com qualidade suficiente para estar presente nas noites dos Óscares. Trata de uma sinuosa viagem de comboio por Portugal na qual se cruzam personagens que só têm em comum o bilhete de viagem. No espaço de 25 minutos, o espectador vai descobrindo algo mais sobre cada um, ou não!
Isto tem 80 anos e nunca vai acabar. É magnífico. O que eu andava a perder. Não é possível viver sem ouvir TUDO de Jelly Roll Morton. Não é possível. Believe me. Não é.
posted by camponesa pragmática on 19:48
Dando continuidade ao trabalho realizado em 2003 para a produção da ópera Joás de Benedetto Marcello, a Remix Orquestra regressa ao repertório barroco sob a direcção de Richard Gwilt. O trabalho de aperfeiçoamento da técnica barroca terá continuidade em Julho e Outubro, sob a direcção de Laurence Cummings, outro reconhecido especialista da música desta época. Tal como em Joás, os instrumentistas de cordas utilizarão arcos barrocos.
Programa:
I
Henry Purcell:Suite from Dioclesian (arr. Richard Gwilt) Antonio Vivaldi:Concerto para 4 Violinos em Si menor RV580 George Friederich Handel:Concerto Grosso em Fá Op. 6/2 II
J. S. Bach:Concerto para Violino em Mi Maior BWV 1042 CPE Bach:Sinfonia para Cordas em Sol H657
Braga | Salão Medieval da Reitoria da Universidade do Minho | dia 8 às 21h30 (entrada livre)
Porto | Teatro Helena Sá e Costa | dia 9 às 21h30 (bilhete: 10 euros)
posted by Anónimo on 11:13
sob escuta
O dia também aqui está como diz a Cristina e talvez daqui a 400 anos seja um direito elementar as pessoas irem trabalhar para a praia, mas, por enquanto, enquanto isso não chega e eu não morro, há Bill Evans, que é onde estou, sem paredes, sem tecto, sem nada. Só o ar da manhã, o sol e a sombra incerta dos jardins.
A Leitura partilhada está a ler Philip Roth: "O Complexo de Portnoy" (já em leitura) e "O Teatro de Sabath" (de 15 a 30 de Abril). Para quem quiser acompanhar, levantar dúvidas, discutir.
Se quisesse visitar o sítio onde nasci, teria de apanhar um barco, viajar através das águas, e olhar para o fundo
[...]
Schrader: Pensa, em termos temáticos ou visuais antes de pensar no filme? Para si, onde é que tudo começa?
Sokurov: Em nenhum desses lados. Parto dos sentimentos, e penso que o que sempre me interessa são esses sentimentos que apenas uma pessoas espiritual poderia experimentar: os sentimentos de despedida e de separação. Penso que o drama da morte é o drama da separação
Schrader: Na arte japonesa existe o conceito de mono no aware, doce tristeza, o prazer do fim, do outono e de ver uma folha morta.
Sokurov: Mas para a Rússia, a doce tristeza e as despedidas agradáveis não são possíveis. Pelo contrário, o sentido russo de elegia é um sentimento muito fundo e vertical, não é um sentimento agradável. Atinge-nos profundamente, aguçadamente, dolorosamente. É uma coisa maciça.
[...]
Alexander Sokurov, entrevistado por Paul Schrader em 3 de Setembro de 1997
Tradução de Marta Amaral, Catálogo da Cinemateca Portuguesa dedicado a Alexander Sokurov, 1999
posted by Anónimo on 11:09
uma mesa, uma cama, flores
Pai e Filho de Alexander Sokurov é o segundo filme dedicado a uma trilogia dedicada a estudar as relações humanas. Como no primeiro tomo desta trilogia, Mãe e Filho, o realizador trata o seu assunto como uma parábola que não tem início nem fim, colando as referências temporais e topográficas. O espectador é livre para se perder no tempo do filme e nas suas paisagens.
Que é o que acontece ao filho na sequência do sonho onde ele aparece pequeno como um dedo numa floresta ao mesmo tempo estranha e familiar. Um soldado num uniforme contemporâneo aparece rodeado de mulheres vestidas e penteadas como os anos 40, 50, 60,... As ruelas de uma velha cidade do Norte aparecem sob um sol de chumbo meridional. A história cria desta forma uma espécie de paisagem colectiva. E o filme evolui quase imperceptivelmente através de uma série de interiores comuns, pouco caracterizados: uma mesa, uma cama, flores, os sinais de habitação humana têm lugar de símbolos.
Um filho sem mãe alimentou-se por completo do amor do seu pai, desde o berço e o lar até à escola e ao começo da vida. Agora, está à espera de uma vida de jovem independente que o leve para horizontes longínquos. A namorada deixou-o. Ele está destroçado entre o seu fascínio pelo passado do pai e a experiência de um amor infeliz. Nada se resolve. É então que as preocupações do filho invadem o universo do pai, fazendo explodir o seu casulo. O pai e o filho vão viver cada um para seu lado mas vão encontrar-se no futuro.
Sokurov está actualmente a trabalhar no próximo filme: Dois Irmãos e uma Irmã, último tomo do seu tríptico.
Uma pequena família - um pai e um filho - vive no último andar de uma velha mansão.
O pai está na reserva militar, tendo abandonado a força aérea. Terminou a carreira, não porque tenha desejado, mas porque as circunstâncias assim o ditaram. Quando ainda era aluno na Força Aérea, conheceu o seu primeiro e único amor. Uma rapariga que se tornou sua mulher e que deu à luz o seu filho. Tinham os dois vinte anos nessa altura. A mulher morreu ainda jovem. Este amor tornou-se a sua única secreta felicidade.
O filho cresceu, e vai provavelmente tornar-se militar como o pai. Para o pai ele é uma lembrança constante da mãe. Ele não separa o amor que tem pelo filho do amor que ainda persiste por ela: ele é uma unidade com a sua amada. O pai não consegue imaginar a vida sem o filho. O filho ama incondicional e profundamente o pai, sentimento intensificado pela responsabilidade moral posta à prova pela vida.
O amor deles é da ordem do mitológico. Não acontece na vida real. É a incarnação de um conto de fadas.
Já conhecia o seu belo rosto e os cabelos revoltos, já o tinha ouvido tocar. Conhecia a fama. Mas a primeira vez que o encontrei a sério foi n’ O Naúfrago, de Thomas Bernhard (edição da Relógio d’Água). Foi aí que conheci Glenn Gould. Uma personagem difícil. Lembro-me de um episódio que não tem nada a ver com a música mas é essencial para comprender a sua obstinação. Um dia ele apercebe-se que na casa que acabara de alugar há uma árvore, do lado de fora da janela, junto ao piano, que o irrita, que o desconcentra, e resolve cortar a árvore. Pega, talvez num machado, não me recordo mas deve ter sido um machado e abate a árvore, como se fosse um lenhador, com as mesmas mãos com que toca o piano. E desfaz a árvore em pedaços de lenha. No fim, um dos amigos repara que tudo isso era escusado, bastava ter fechado as cortinas e a árvore teria desaparecido e ele poderia tocar em paz.
Bernhard mostra-nos um Glenn Gould extraordinário. Não um pianista, não um intérprete mas um obsessivo, uma extensão do piano. O seu sonho seria fundir-se, desaparecer dentro das cordas. E foi isso que ele fez toda a vida.
Ontem voltei a Glenn Gould, às suas Variações de Goldberg. O disco (aliás, são três discos) chama-se “A State of Wonder” (The purpose of art is not the release of a momentary ejection of adrenaline but rather the gradual lifelong construction of a state of wonder and serenity, Glenn Gould) e reune as interpretações gravadas em 1955; em 1981; uma entrevista com Tim Paige gravada em 1982 em que Glenn Gould fala de cada uma das interpretações e as compara; e ainda alguns “outtakes” gravados em 55.
É uma edição preciosa. Pouco posso dizer sobre a música porque ou seria errado ou banal. Sei que prefiro as interpretações de 1981, mais lentas (uma diferença de quase treze minutos) mas não sei porquê. Devem ser ouvidas com auscultadores pois, por trás do som do piano, ouve-se o músico a cantarolar. Espanto-me porque volto a encontar a personagem de Bernhard. Afinal é este o verdadeiro Glenn Gould, sempre foi.
Não desistiremos de explorar
E o fim de toda a nossa exploração
Será chegarmos ao lugar de onde partimos
E conhecer o lugar pela primeira vez.
T. S. Eliot, Little Gidding “Quatro Quartetos”, tradução de Gualter Cunha, edição da Relógio d’Água
Daniel Boudinet: Polaroid, 1979, retirada de "A Câmara Clara", de Roland Barthes
Hoje o Francisco faz anos. A prenda ideal seria uma sessão do "Playtime" no Gil Vicente. A versão em 70 mm, sim, seria perfeito. Mas não consegui. O Tati estava indisponível. Virei-me então para o outro lado e mesmo aqui à mão descobri Robert Bresson:
J’ai travaillé à la fois de façon plus acharnée et d’une façon plus dégagée, plus libre, plus impulsive. J’aime que vous sentiez que je me suis attaché à la forme. Naturellement, mes non-acteurs vierges de tout art dramatique, ne parlent pas plus qu’il le faut et la voix humaine, le plus beau des bruits, prend place naturellement dans le monde des bruits qui fait pendant au monde des images. Dans mon prochain film la bande-son aura, je le voudrais, plus d’importance que dans celui-ci. Enfin, en tout cas, aura plus de mon attention et de ma sensibilité. J'ai dit et écrit il n’y a pas tellement longtemps que les bruits devaient devenir musique. Aujourd’hui, je crois qu’un film tout entier doit être musique, une musique, la musique de tous les jours, et je me suis surpris, dans ce film L’Argent, lorsqu’il était projeté au montage, ne percevant que les sons, ne percevant pas les images que défilaient devant mes yeux (…). C’est vrai je fais exprès d’ ignorer la veille ce que je ferai le lendemain, afin d'avoir une impression spontanèe très forte. Si travail ègale trouvailles, on n’en fait aucune si on prèpare tout à l’avance. Je crois à cette instantanéité.
Robert Bresson, depoimento recolhido por Serge Daney e Serge Toubiana, Cahiers du cinéma nº 348-349, Junho-Julho de 1983
Há um poema de Tonino Guerra, traduzido pelo Alexandre O’Neill (ver introdução de Vicente Jorge Silva n’ O Livro das Igrejas Abandonadas, Gato Maltês #31). Já o publiquei em Outubro mas nunca o publiquei em Abril, por isso aqui fica, dedicado à Sandra:
O Banho dos Pobres
Os pobres da minha terra
tomam banho no rio
e estão de molho na água
um dia inteiro.
Ali há muito ar muito sol muitos borrifos.
Voltam quando é noite
Encontram outra vez as velhas casas
com as cabeças dos gatos aos janelos
e toda a água nos cântaros represa.