O céu raramente é azul. Predomina em todo o filme um tom dourado — nos corpos, nas paredes, na cidade —, como se tudo fosse pintado à luz de uma vela (com pincéis muito finos e delicados, como os que se usam na pintura tradicional chinesa).
Mais uma vez não se percebe nem o tempo nem o espaço. As estações misturam-se, a cidade estreita-se, a casa parece orgânica e os personagens são difusos e irreais.
Como é que podemos amar? Quanto? Até onde aguentamos? O filme anda sempre no fio da navalha, um pouco mais e transforma-se num pesadelo: cair da trave ou cair do telhado. O amor é uma coisa perigosa.
Logo no início (numa das mais belas cenas que já vi de campo, contracampo) a namorada do filho previne-nos desse perigo. Ela sabe que não há espaço para mais ninguém entre os dois. Eles próprios sabem, por isso estão a fazer o corte. Mas como é que se sobrevive a um amor imenso? Como é que se tira alguém de um sonho? Como é que se voa se ninguém nos segura? Como avançar quando o que nos apetece é recuar?
Que amor é este que Sokurov filma? Que cidade é esta, tão estranha? Que filme é este onde nada parece ser o que é: o pai, demasiado jovem e tímido; o filho, demasiado receoso e meigo; Tchaikovsky não é Tchaikovsky. E se tudo não passou de um sonho, quem o sonhou? Se contar os meus pesadelos à água, o que é que acontece?
Uma vez Bénard da Costa disse que Alexander Sokurov é o cineasta da tristeza minuciosa. Sem querer troquei tristeza por melancolia e creio que não consigo avançar mais, só sobram perguntas e dúvidas.
E no entanto há aquele plano, breve, no início do filme, de uma boca que se alonga. Dura apenas uns segundos…