Caspar David Friedrich, "O Monge junto ao Mar", 1809-10
A magnificent thing it is, in infinite solitude by the sea, under a sullen sky, to gaze off into a boundless watery waste....and so I myself became the Capuchin monk, the picture became the dune, but that across which I should have looked with longing, the sea, was absent completely. Nothing could be sadder or more discomfited than just this position in the world: the single spark of life in the vast realms of death, the lonely center in the lonely circle. The picture with its two or three mysterious objects lies before one like the Apocalypse, as though it were thinking Young’s Night Thoughts, and since in its uniformity and boundlessness it has no foreground but the frame, the viewer feels as though his eyelids had been cut off....I am convinced that, through his powers, a square mile of Prussian sand, with a barberry bush and a crow beruffled forlornly in it, would have the effect of an Ossian or a Kosegarten. Yes, were such a painting made with its own chalk and water, the foxes and wolves, I believe, would be set howling by it, which is doubtless the strongest praise one could lavish on this kind of landscape...”
Heinrich von Kleist, “Feelings before Friedrich’s Seascape,” Berlin Abendblätter, Oct. 13, 1810 (Art Journal, Spring 1974, P. Miller, p. 208)
posted by Anónimo on 18:56
Caspar David Friedrich, The Giant's Mountains, 1835
Caspar David Friedrich, The Tree of Crows, 1774-1840
Caspar David Friedrich was the most important. His paintings are simple, deeply poetic and very emotional. I like art which is ruled not by anarchy, but by highly opinionated artists.
What's most important for me in this painting is its use of shadows and subdued colors, the openness of the composition, and, at the same time, it's rigor. The dramatic atmosphere of paintings like that correspond to the mood of my film.
Fale-nos das suas origens, da sua educação, e de como se tornou um realizador. Não é uma questão fácil de responder. Gostaria de começar por dizer que, para além da literatura, que é uma das minhas paixões, também gostava muito de teatro radiofónico. Lembro-me de grandes actuações radiofónicas, de grandes actores, quando era pequeno. Fechava os olhos e criava o meu mundo imaginário nessa peça de teatro. Nunca imaginei é que eu próprio viria a ser realizador. Na minha família ninguém estava envolvido no mundo da arte. Nasci numa pequena aldeia na Sibéria que já não existe; construíram uma central hidroeléctrica e a minha pequena aldeia ficou submersa. Se quisesse visitar o sítio onde nasci, teria de apanhar um barco, viajar através das águas, e olhar para o fundo.
Que artistas, e não forçosamente realizadores de cinema, o ajudaram a definir-se a si próprio? Aprendi muito com o mundo real que me rodeia. Muitas vezes essas pessoas nada tinham a ver com a arte. Eram apenas seres humanos gentis, generosos, honestos e belos. E com uma sólida educação. Mas a minha pedra basiliar foi, claro, Tchekov. Tive uma infância religiosa. A nossa igreja não acreditava na imagem. Eram anti-iconografia. Se se tinha algo a dizer, usavam-se palavras. A coisa mais importante que aprendi quando tinha uns vinte e tal anos foi que as imagens também são ideias. Demorei um bocado a perceber isso.
Quanto tempo demorou a filmar “Mae e Filho”? Penso que, no total, as filmagens propriamente ditas demoraram uns vinte dias
Para conseguir obter a consistência daquelas nuvens, escuras e pesadas, esperou muito pelo tempo certo? Sobre isso diria apenas uma coisa: Deus estava provavelmente a velar po nós nessa altura. Filmámos sempre os interiores em sítios onde a natureza nos parecia mais atraente e interessante. Não estávamos a filmar em estúdio. O nosso set era uma construção muito complicada numa duma perto da floresta, que se podia abrir e virar ao contrário. Isso permitia ao director de fotografia captar o sol e a luz, e criar e manipular como quisesse.
Canto da Terra, Argentina, Índios da Pampa (pág. 144)
Terra minha: não te afastes de mim,
não me faltes,
por mais longe que vá.
Tradução de José Agostinho Baptista
Canção, América do Norte, Menominis (pág. 150)
No céu
um rumor
como o rumor das árvores.
Canção, América do Sul, Quíchuas (pág. 176)
Levas um manto
de flores tecido;
a trama foi feita
de ouro aos fios;
as franjas atadas
por esta ternura,
finas, seguras
das minhas pupilas.
Canção, Alasca, Tlinguites (pág. 186)
Se eu pudesse morrer como quissesse,
era fácil morrer como uma mulher-loba.
Era doce.
Canto do Sonho, América do Norte, Papagos (pág. 189)
Lá onde acaba a montanha,
nos cimos, nem eu sei onde,
vagueei por onde a minha cabeça e o meu coração pareciam perdidos,
vagueei ao longe.
Canção, Indonésia (pág. 200)
Ouve-se a água bater no coração do coco verde,
e enquanto amadurece, o dúrio guarda os seus segredos.
Eu sei porque te quero nas minhas mãos,
mas tu ignoras porque te queres na minha boca.
Créé en 1914 par l'ingénieur Bernack, il a été fabriqué en série à partir de 1925. Sa "naissance" publique avec dix ans de retard témoigne de tous les soubresauts de l'époque – la Première Guerre mondiale, puis la crise politique et économique qui a suivi. Objet génialement novateur, le Leica a participé à la création d'une vision radicalement nouvelle du monde, celle du photo-journalisme de la fin des années 20.
Em Outubro há que: iniciar a colheita da azeitona, combatendo a gafa da mesma; semear cereais praganosos e, em viveiro, amendoeiras, pessegueiros e, nos lugares mais secos e abrigados, as oliveiras; plantar árvores de fruto; podar toda a casta de árvores. No fim do mês, plantar morangueiros, alhos e cebolinhas. Colocar em local definitivo as couves da Primavera e as alfaces de Inverno; transplantar alfaces, cebolas e salsa; colher as castanhas, as nozes e a avelã, e, para guardar em local seco, as abóboras e os melões de Inverno.
Continuamos a ler, a meias com a Montanha Mágica, “Esculpir o Tempo”, de Andrei Tarkovski.
Sublinhei esta belíssima passagem sobre o trigo-sarraceno.
”O Espelho” é também a história da velha casa onde o narrador passou a sua infância, da fazenda onde ele nasceu e onde viveram seu pai e sua mãe. Esta casa, que com o passar dos anos se transformara em ruínas, foi reconstruída, “ressuscitada” a partir de fotografias da época e dos alicerces que ainda sobreviviam. Assim, acabou ficando exactamente como fora quarenta anos antes. Quando mais tarde levamos até lá minha mãe, que passara a infância naquele lugar e naquela casa, sua reacção superou todas as minhas expectativas. O que ela experimentou foi uma volta ao seu passado, e isso me deu a certeza de que estávamos no caminho certo. A casa despertou nela os sentimentos que o filme pretendia expressar…
Diante da casa, estendia-se um campo; lembro que crescia trigo-sarraceno entre ela e a estrada que levava ao próximo vilarejo. O trigo-sarraceno é muito bonito quando está em floração. As flores brancas, que dão o efeito de um campo coberto de neve, ficaram em minhas lembranças como um dos detalhes essenciais e inesquecíveis da minha infância. Porém, quando chegamos para decidir onde filmaríamos, não havia trigo-sarraceno à vista – há anos que o “kolkoz” vinha semeando os campos com trevo e aveia.
Quando pedimos que semeassem trigo-sarraceno, garantiram que a planta não crescia ali, pois o solo não favorecia o seu cultivo. Apesar disso, arrendamos o campo e semeamos o trigo por nossa própria conta e risco. As pessoas do “kolkoz” não conseguiram esconder o espanto quando viram o trigo brotar; quanto a nós, vimos essa conquista como um bom presságio. Ela parecia nos dizer algo sobre a qualidade especial da nossa memória – sobre sua capacidade de penetrar para além dos véus estendidos pelo tempo, e era exactamente sobre isso o filme: essa era sua ideia seminal.
Não sei o que teria sido o filme se o trigo-sarraceno não crescesse… Nunca me esquecerei do momento em que ele começou a florir.
1. E, no entanto, a vida é agradável, amena. Terça-feira vem depois de segunda. A seguir é quarta-feira. O nosso espírito desenvolve-se por anéis, a identidade fortalece-se e a própria dor é absorvida nesta sensação de contínuo crescimento. As válvulas de segurança do espírito abrem-se e fecham-se com intensidade crescente; a pressa e as febris sensações de juventude encontram a sua aplicação e tudo parece funcionar com a perfeição de um mecanismo de relógio. Com que rapidez a corrente da vida nos transporta das coisas, que se tornaram tão familiares que já nos não apercebemos da sua sombra. Flutuamos. Flutuamos, na superfície da corrente.
É um monólogo de Bernard (páginas 206 e 207 d’ “As Ondas”, edição da Relógio d’Água). Mais um, perfeito para mostrar como a Virginia Woolf escreve sobre o tempo e o transforma numa belíssima imagem de movimento, de corrente.
Para além dos acontecimentos, das personagens e das suas emoções está sempre perfeitamente visível o fluxo do tempo que neste livro é também o fluxo da água.
Flutuar na superfície da corrente, é assim que Bernard define a vida. (e é assim que Virginia constrói a sua morte, numa corrente descontínua, cheia de perigos e abalos?)
2. – E o tempo, disse Bernard, esgota-se. A gota transforma-se no telhado da nossa casa e depois cai. É o tempo que a faz cair.
…
Esta gota que está a cair nada tem a ver com a minha juventude perdida. A queda desta gota é o tempo adelgaçando-se até formar um ponto. O tempo, esse prado ensolarado em que dança uma luz, o tempo, essa extensão plana como um campo ao meio-dia, começa a inclinar-se. Adelgaça-se até formar um único ponto. O tempo escoa-se, como se escoa o líquido para fora do vaso deixando ficar um depósito. Estes são os verdadeiros ciclos, os verdadeiros acontecimentos da minha vida. Pois, como se toda a luminosidade da atmosfera refluisse subitamente como uma vaga, vejo o fundo das coisas tal como ele é. (página 148)
3. Há ainda um monólogo de Rhoda (páginas 104 e 105) que merece ser citado porque Rhoda é a que não encaixa no seu corpo, é a que tem dificuldade em flutuar, é a que tem medo. (é um contraponto de Bernard?)
A porta abre-se e o tigre salta (um aparte – esta imagem do tigre lembra outra de Eliot: “O tigre salta no ano novo. E nos devora” ) Não me viram entrar. Fiz mil desvios entre as cadeiras para evitar o horror dum encontro brusco. Tenho medo de vocês. Tenho medo do choque das sensações pois não posso acolhê-las como vocês fazem, não sou capaz de fundir o momento presente com o que vem a seguir. Para mim todos os momentos são violentos e isolados. E se sucumbisse ao choque do instante, lançar-se-iam sobre mim para me despedaçar. Não tenho nenhum objectivo. Não consigo enfiar uns nos outros os minutos e as horas, dissolvendo-os por um processo simples, de modo a que formem essa massa indivisível a que vocês chamam vida .
4. Descobri também um texto muito bom da Marguerite Yourcenar. Trata-se de um pequeno ensaio que faz parte do livro “Peregrino e Estrangeiro” (edição Livros do Brasil). Prometo digitalizá-lo e colocá-lo on-line na próxima semana.
De manhã muito cedo está ainda escuro lá fora
Estou à janela a beber café
E com aquele ar matinal
Que passa por pensativo ...
2. Começa hoje a 4ª edição da Festa do Cinema Francês.
Bruno Todeschini e Eric Caravaca cortam a fita logo às 21h30 na antestreia de “Son frère”, de Patrice Chéreau.
A festa prolonga-se até domingo, sempre nas salas de cinema Cidade do Porto (no Bom Sucesso).
Todos os filmes são legendados em português e os bilhetes custam apenas 3 euros.
A programação pode ser consultada aqui.
A minha grande aposta vai para “Les Égarés”, de André Techiné.
3.(como no cinema)
De vez em quando espreito no sitemeter o que traz os leitores a esta janela. Hoje encontrei duas frases: “tudo corre segundo o plano” e “alugar casa em sines”. Parece-me o princípio de uma história, levemente policial, envolta em nevoeiros e fugas.
Tivesse disponibilidade e saia daqui, sorrateira. Seguia o plano à risca, até Sines...
Não conheço e, em geral, tenho em péssima conta a arte digital. Ao som das duas palavras, imagino unicórnios de olhar vítreo e profundo, fadas despudoradas, poentes em planos lisos e espelhados com uma cadeirinha a meio e umas bolas de cristal a girar em redor, entre outras torturas estéticas pseudo místicas.
Foi com este espírito que entrei ontem pela primeira vez no DAM, embora suavizada pela súbita (para mim, entendido) revelação da existência de um museu que é, por tradição, uma instituição fiável. Desde ontem que visito galerias. E embora aquelas onde estive até agora tenham vindo a desfazer em parte a minha ideia estereotipada (em nove galerias não vi nada do que descrevi no outro parágrafo, apesar de haver nítidas fronteiras e promíscuas aproximações) em nenhuma delas me senti feliz. Até agora mantém-se uma entrave pior que o pseudo misticismo das formas mais populares disto - é uma arte fria, cromada, desagradável, de expressividade anémica.
Na 10ª galeria encontrei porém Jean-Pierre Hébert, que me encantou. Não a 100%, há imagens pelas quais sinto instintivamente a mesma repugnância. Os sand movies, por exemplo - lá estão as esferas espelhadas e também a simetria e arrumação exageradas que me remetem para espaços imaginários asfixiantes.
Muitas imagens de Jean-Pierre Hébert, no entanto, proporcionaram-me um genuíno e intenso prazer visual. Os primeiros trabalhos de Jean-Pierre Hébert datam de 1979 e, como li depois, não é considerado, em rigor, um criativo, mas um explorador das potencialidades de um novo meio de expressão.
Por tudo isto, achei que merecia uma nota na Janela e uma exposição no Boogie.
Confesso, fui ao engano. Ia à espera de encontrar o Manuel António Pina para lhe pedir o texto sobre “A Sombra do Caçador” mas o futebol reteve o poeta em casa com os gatos. Conclusão, dei por mim sentada em círculo, à volta de uma mesa imaginada, a falar sobre “As Ondas”, de Virginia Woolf que li há tanto tempo que já esqueci a trama, fiquei apenas com o ritmo, a música que outros ouviram com as cores e luzes de Turner.
Achei piada a esta conversa sobre um livro, ou melhor sobre os diferentes livros que cada um leu. Como agendaram para dia 12 de Novembro “A Volta no Parafuso”, de Henry James, que estava na minha lista de leituras, vou associar-me a mais uma “leitura partilhada” e desta vez prometo fazer o trabalho de casa.
Nota muito importante: foi um prazer conhecer a Leitora , reencontrar a Nastenka-d e a Troti e desencaminhá-las para outras leituras...
A Zero em Comportamento continua a merecer a nossa maior admiração. Mesmo à distância não consigo deixar de me alegrar com a exibição de “O Espelho”, de Andrei Tarkovski.
Tantas razões para o recomendar, nem sei por onde começar. Por hoje deixo apenas (e não é pouco) um poema do pai de Andrei e estes belos planos da Margarita Terekhova. Continuo amanhã e quem sabe se o Luís não quererá também dizer algo…
Pela manhã dentro esperei ontem,
Diziam eles que não virias, supunham.
Maravilhoso dia, lembras-te?
Um feriado· Dispensa casaco.
Hoje vieste, e o dia pôs-se
soturno, de chumbo,
e chovia, fazendo-se tarde,
com gotículas na ramagem fria.
Não pode a palavra mitigar, nem o lenço devolver pureza.
Arsenii Tarkovski Tradução de Paulo da Costa Domingos
CINE-ESTUDIO 222, Av. Praia da Vitória, 37 (ao Saldanha)
dias 16, 17, 20, 21 e 22
às 17h00, 19h1 e 21h45
terça-feira, outubro 14, 2003
Uma das fotografias mais bonitas de Boubat, para a Ana, claro.
La photo, c'est très beau, mais il ne faut pas le dire
Lella, Bretagne, 1947
silver gelatin print
Quelle folie de vouloir arrêter le temps et cependant, quelquefois, ça arrive: coups de foudre, regards. En route! La chance du photographe, c'est de marcher et de flâner. J'ai vu les artisans du Marais (qui déjà disparaissaient), j'ai vu les ateliers d'artistes, les Folies-Bergère, les usines, les écoles, les hôpitaux, les jardins ; partout, je me fais oublier, je disparais dans mes photos...
Fotografada o ano passado pela Helena Tavares, já não me lembro onde. Mais ou menos por esta altura, imagino. A árvore já não tem folhas, está no fim do ciclo, carregada de frutos. Dióspiros ente o laranja e o vermelho, entre o amargo e a doçura. Uma árvore muito bela.
Apanhámos os frutos e lambuzamo-nos com dióspiros doces e escorregadios, comidos à colher.
Le leader et pianiste suédois Esbjorn Svensson a fait siennes les influences de Keith Jarrett et Chick Corea mais aussi de la pop musique en passant par l'electro. Sa collaboration avec le Nils Landgren Funk Unit a probablement sensibilisé en lui le nerf funky. Le contrebassiste Dan Berglund, qui par moments utilise l'archet, trace l’ambiance, tandis que le batteur et percussionniste Magnus Ström, utilise le tabla venu d’Inde pour élargir encore plus le spectre sonore. “Seven Days Of Falling” leur dernier disque est sorti le 22 septembre dernier. Il confirme la profonde originalité du trio. Compositions captivantes aux riches pulsations rythmiques qui passent de l’acoustique à l’électronique. Un enchantement nordique.
Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
segunda-feira, outubro 13, 2003
Ainda Evgen Bavcar, para a Deda.
Evgen Bavcar, "Stairs with shadows"
Deserto
Quando ceguei decidi ser fotógrafo.
O que me levou a tomar esta decisão foi (após prolongado período de escuridão absoluta) a quantidade de imagens surgidas no meu espírito.
Primeiro, desfocadas, sem contornos nem volume; depois, a pouco e pouco, os elementos que as compunham definiram-se, tornaram-se reconhecíveis.
Pude ver, enfim, o que o meu espírito criara; e nenhuma das imagens (pelo menos que me lembrasse) se parecia com as que, porventura, vira antes de cegar.
Resolvi pedir auxílio a C. — descrevia-lhe com minúcia o que pretendia fotografar.
Se era uma paisagem, por exemplo, pedia-lhe que me encontrasse uma, em tudo semelhante àquela por mim descrita.
C. passou a ser o meu olhar.
Mas C. não podia ver a minha paisagem, e eu jamais saberia se a que fotografara era igual, ou parecida, à que desejara fotografar. E, se por acaso descrevesse a mesma paisagem a B. (e não a C.) pedindo-lhe para, em seguida, me descrever a que via impressa no papel, apercebia-me de que não coincidiam em quase nada.
As paisagens de C. eram, sempre, diferentes das minhas. B. confirmava o que eu já suspeitava.
Apesar de tudo, continuei a trabalhar. Viajava na companhia de C. — íamos à procura dos lugares e das coisas que eu queria fotografar.
Dessa época, uma das fotografias (talvez a minha preferida) era de um grande rigor e simplicidade — uma estrada sumia-se na curva do horizonte, e a linha branca da estrada terminava num ponto situado no centro da folha.
Embora C. me dissesse que, numa das bermas da estrada havia uma árvore. Não me recordo se lhe tinha falado numa estrada com uma árvore.
É pouco provável.
Mas nada disto tem grande importância. A verdade é que eu não podia ver se havia ou não uma árvore na fotografia. E C. também não podia confirmar a existência duma árvore dentro da minha cabeça.
Certo dia pedi a C. que me indicasse como fotografar areia. Grandes extensões de areia ou de água, de céu vazio.
B., ao ver uma fotografia dessa série, disse:
— Não está aqui quase nada. Algumas sombras, um pouco de luz e formas indefinidas.
Soube, nesse instante, que tudo começara a coincidir — dentro e fora de mim.
Nunca mais precisei de C., nem de B. — desatei a fotografar sem ajuda. Escolhia o que desejava fotografar pelo tacto e pelo olfacto. Apontava a objectiva para o céu, para a água ou para as areias — disparava com a certeza de que as imagens que não via coincidiam com as que via.
Assim, ao fim de algum tempo, o que estava fora de mim passou a ser igual ao que estava dentro de mim — Luz e Sombra.
E foi com Luz e Sombra que iniciei, no papel, a construção da minha biografia.
repara!:
as flores erguem-se
como estrelas de um céu
que é o jardim cheio d’orvalho.
e caem, uma a uma,
como se um génio viesse
para escutar seus segredos,
e por elas fosse lapidado.
vê a corrente da água
recamada de bollhas
pelos artistas do vento.
o jardim vai-lhe lançando
flores desempertigadas
que ela devolve alinhadas
no desenho das margens.
Abû-l-Fadl Ja’far ibn Muhammad ibn al-A’lam, Séc. XII.
meu irmão, a aurora vem
feita de luz e esplendor
ofertar à noite o véu.
sorve já a matutina
bebida que a alva traz
e, como se presa fosse,
toma a alegria do dia
pois da tarde nada sabes…
meu irmão, toca a erguer!
olha a festa da manhã
no jardim gelando o vinho.
não durmas, é hora de levantar.
e, como se presa fosse,
toma a alegria do dia
já que sob o pó da terra
longo será o teu sono.
Abû Muhammad ‘Abd al-Majîd ibn ‘Abd Allâh ibn ‘Abdûn al-Yârurî, Séc. XI.
este é o rio e estes os seus bosques:
corpo,
cuja alma é a brisa dos jardins.
rio,
se a brisa dorme à superfície.
cota de malha,
se os ventos sobre ele se perturbam.
Abû-l-Fadl Já’far ibn Muhammad ibn al-A’lam ash-Shantamarî, séc. XII.
A Leitura
minha pupila liberta
quem da página é cativo:
o branco da margem certa
e da palavra o negro vivo.
Abû Bakr Muhammad ibn ‘Ammâr, séc. XI.
A lareira
filha da pedreira
tem brasas nas entranhas,
estrelas brilhantes em noite escura.
diz-me lá se na verdade
ela não é alquimista?
mutou carvão em lingotes de ouro
de alva prata marchetados.
se o sopro solta o silvo
ela dança em rubra túnica.
e ao fundir a sua acha
nesse ouro em lingotes
a aurora simulou
quando a noite já caía.
se em seu redor tu nos visses
certamente que dirias:
ei-los que ali estão bebendo
e passando em seu redor,
de um vermelho alaranjado,
taças de espesso licor.
Abû Muhammad ‘Abn Allah ibn Muhammad ibn Sâra ash-Shantarinî, séc. XII.
Alaúde
cordas invisíveis tocaram a minha alegria
e, no entanto,
não se fez ouvir um qualquer canto
nem tão pouco o tanger do plectro.
Abû Muhammad ‘Abd Allâh ibn Muhammad ibn as-Sîd al-Batalyawsî, séc. XI.
que do mundo o belo manto
não te encante nem te engane:
colorido e brilho tanto
não há tempo que os não fane.
se a primeira cor é esperança,
afinal miragem pobre,
a outra cor é a da mansa
terra que a tumba te cobre.
Al-Mu’tamid Ala-l-lâh ibn ‘Abbad abû-l-Qasim Muhammad, séc. XI
Todos os poemas deste livro:
Adalberto Alves, “O meu coração é árabe”, Assírio & Alvim, 3ª edição, Lisboa, Setembro de 1999.;
Já folheei a “Rosa do Mundo” em casa de amigos e andava com vontade de lhe deitar a mão. Noutro dia encontrei-a disponível (o que não é fácil) na Biblioteca e trouxe-a.
Dos poetas que mais gosto não encontro os meus poemas preferidos mas, em contrapartida, descobri umas canções muito bonitas. Aqui ficam algumas:
Canção, da América do Norte, Pimas (pág. 141)
Água azul; ei-la.
Entrei nela.
Fiquei todo azul.
Canção do Sono, da América do Norte, Chippewas (página 147)
Enquanto os meus olhos percorrem a pradaria,
sinto o verão na primavera
Ártico, Esquimós (página 157)
O grande fluxo do oceano põe-me em movimento,
faz-me flutuar.
Flutuo como a alga à superfície das águas.
E a abóbada celeste abala-me e o ar violento
abala o meu espírito
e atira-me sobre a poeira.
E eu tremo de alegria
Canção, da Indonésia (página 203)
Aos milhares voam os pombos,
um apenas vem pousar na minha cerca
– Eu quero morrer na ponta de tua unha
quero ser enterrado na palma da tua mão.
Traduções de Herberto Helder
México (página 210)
Eu não sei se estiveste ausente.
Eu deito-me contigo e levanto-me contigo.
Nos meus sonhos tu estás junto a mim.
Se estremecem os brincos das minhas orelhas
eu sei que és tu que te moves no meu coração
1. There's no thinking involved in my choreography...I don't work through images or ideas - I work through the body...If the dancer dances - which is not the same as having theories about dancing or wishing to dance or trying to dance - everything is there. When I dance, it means: this is what I am doing. Merce Cunningham
3. New York City, 10/26/97, 9:35 am, Sunday, 42 Degrees Fahrenheit, Sun In 1906 a US Congressman, "a camera-trap pioneer", took a photo of deer at night as they bounded away after a blank cartridge was shot. 1906! Visual century beginning along with Diaghliev.
Why must art be static? You look at an abstraction, sculptured or painted, an entirely exciting arrangement of planes, spheres, nuclei, entirely without meaning. It would be perfect but it is always still. The next step in sculpture is motion.
Os plátanos mais bonitos encontrei-os hoje junto ao Fluvial. Cheios de folhas verdes, douradas e vermelhas.
A semana passada fiquei admirada por encontrar garças aí mesmo. O rio Douro está tão sujo que parece incapaz de atrair aves ou peixes. Mas atrai. Elas andam por lá, eu é que nunca as tinha visto. Descobri um ornitólogo que explica o caso.