segunda-feira, outubro 13, 2003
”o meu coração é árabe”
repara!:
as flores erguem-se
como estrelas de um céu
que é o jardim cheio d’orvalho.
e caem, uma a uma,
como se um génio viesse
para escutar seus segredos,
e por elas fosse lapidado.
vê a corrente da água
recamada de bollhas
pelos artistas do vento.
o jardim vai-lhe lançando
flores desempertigadas
que ela devolve alinhadas
no desenho das margens.
Abû-l-Fadl Ja’far ibn Muhammad ibn al-A’lam, Séc. XII.
meu irmão, a aurora vem
feita de luz e esplendor
ofertar à noite o véu.
sorve já a matutina
bebida que a alva traz
e, como se presa fosse,
toma a alegria do dia
pois da tarde nada sabes…
meu irmão, toca a erguer!
olha a festa da manhã
no jardim gelando o vinho.
não durmas, é hora de levantar.
e, como se presa fosse,
toma a alegria do dia
já que sob o pó da terra
longo será o teu sono.
Abû Muhammad ‘Abd al-Majîd ibn ‘Abd Allâh ibn ‘Abdûn al-Yârurî, Séc. XI.
este é o rio e estes os seus bosques:
corpo,
cuja alma é a brisa dos jardins.
rio,
se a brisa dorme à superfície.
cota de malha,
se os ventos sobre ele se perturbam.
Abû-l-Fadl Já’far ibn Muhammad ibn al-A’lam ash-Shantamarî, séc. XII.
A Leitura
minha pupila liberta
quem da página é cativo:
o branco da margem certa
e da palavra o negro vivo.
Abû Bakr Muhammad ibn ‘Ammâr, séc. XI.
A lareira
filha da pedreira
tem brasas nas entranhas,
estrelas brilhantes em noite escura.
diz-me lá se na verdade
ela não é alquimista?
mutou carvão em lingotes de ouro
de alva prata marchetados.
se o sopro solta o silvo
ela dança em rubra túnica.
e ao fundir a sua acha
nesse ouro em lingotes
a aurora simulou
quando a noite já caía.
se em seu redor tu nos visses
certamente que dirias:
ei-los que ali estão bebendo
e passando em seu redor,
de um vermelho alaranjado,
taças de espesso licor.
Abû Muhammad ‘Abn Allah ibn Muhammad ibn Sâra ash-Shantarinî, séc. XII.
Alaúde
cordas invisíveis tocaram a minha alegria
e, no entanto,
não se fez ouvir um qualquer canto
nem tão pouco o tanger do plectro.
Abû Muhammad ‘Abd Allâh ibn Muhammad ibn as-Sîd al-Batalyawsî, séc. XI.
que do mundo o belo manto
não te encante nem te engane:
colorido e brilho tanto
não há tempo que os não fane.
se a primeira cor é esperança,
afinal miragem pobre,
a outra cor é a da mansa
terra que a tumba te cobre.
Al-Mu’tamid Ala-l-lâh ibn ‘Abbad abû-l-Qasim Muhammad, séc. XI
Todos os poemas deste livro:
Adalberto Alves, “O meu coração é árabe”, Assírio & Alvim, 3ª edição, Lisboa, Setembro de 1999.;