O meu amor não cabe num poema- há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto-
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer- é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome- é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.
Maria do Rosário Pedreira, O Canto do Vento nos Ciprestes
Temos uma nova Indiscreta. É a Marta Almeida, que resolveu aceitar o nosso convite e entrar para a Janela.
Nós ficamos literalmente de sorriso aberto J
The birds they sang
at the break of day
Start again,
I heard them say,
Don't dwell on what
has passed away
or what is yet to be.
The wars they will
be fought again
The holy dove
be caught again
bought and sold
and bought again;
the dove is never free.
Ring the bells that still can ring.
Forget your perfect offering.
There is a crack in everything.
That's how the light gets in.
We asked for signs
the signs were sent:
the birth betrayed,
the marriage spent;
the widowhood
of every government --
signs for all to see.
Can't run no more
with that lawless crowd
while the killers in high places
say their prayers out loud.
But they've summoned up
a thundercloud
They're going to hear from me.
Ring the bells that still can ring.
Forget your perfect offering.
There is a crack in everything.
That's how the light gets in.
You can add up the parts
but you won't have the sum
You can strike up the march,
there is no drum.
Every heart
to love will come
but like a refugee.
Ring the bells that still can ring.
Forget your perfect offering.
There is a crack in everything.
That's how the light gets in.
Estreado em Outubro do ano passado, em Lisboa, pelos Artistas Unidos, "Nunzio", do italiano Spiro Scimone, entra no próximo dia 10 de Maio numa minidigressão que começa no Porto, integrado no Festival Fazer a Festa. Segue para Faro e termina em Viana de Castelo. A comovente história de amizade entre dois homens pobres – Nunzio, um funcionário fabril, e Pino, um assassino –, assemelha-se ao cinema mudo. E, no entanto, o retrato desesperado de um quotidiano paradoxal, triste, e, ao mesmo tempo, hilariante, é mais do que eloquente. O trabalho de João Meireles e Miguel Borges é o diálogo de homens sós. Abandonados.
"The eyes of the Armenian speak before the lips move and long after they cease to"
Arshile Gorky
Vi agora mesmo uma reprodução de Arshile Gorky na Montanha Mágica a propósito de uma exposição que está no Centro de Arte Moderna.
Gorky é uma personagem estranha e fascinante. Nasceu na Arménia, sobreviveu ao ataque dos turcos, emigrou com o pai para os Estados Unidos e inventou parte da sua vida.
"aquí abajo todo es símbolo y misterio"
Manuel Alvarez Bravo
Resolvi aproveitar a viagem do Luís ao México nas Crónicas da Terra e fazer uma sintonia de blogs. No boogie woogie há uma exposição de fotografias de Manuel Alvarez Bravo e prometo, para breve, outra dedicada a Tina Modotti. Aqui, na Janela fica um poema deOctavio Paz Que Viva Mexico!
La calle
Es una calle larga y silenciosa.
Ando en tinieblas y tropiezo y caigo
y me levanto y piso con pies ciegos
las piedras mudas y las hojas secas
y alguien detrás de mí también las pisa:
si me detengo, se detiene;
si corro, corre. Vuelvo el rostro: nadie.
Todo está oscuro y sin salida,
y doy vueltas y vueltas en esquinas
que dan siempre a la calle
donde nadie me espera ni me sigue,
donde yo sigo a un hombre que tropieza
y se levanta y dice al verme: nadie.
Juegos de escala se ocupa de esas obras en las que se altera voluntariamente la escala con intención estética. En este caso, el artista elige la relación entre obra y espectador, decidiendo cual de las dos miradas se impone. Lógicamente, el punto de partida es más próximo a lo tridimensional, con las esculturas en las que Balkenhol supera la escala humana, o aquellas en las que Karin Sander o Thomas Schütte la reducen, modificando la percepción del espacio cercano.
Entre los artistas reunidos se encuentran Mónica Alonso, Stephan Balkenhol, June-Bomb Bark, Frank Breuer, Filipa César, William Engelen, Suso Fandiño, Ellen Harvey, Mona Hatoum, Marie-Jo Lafontaine, José Noguero, Andrés Pinal, Karin Sander, Thomas Schütte y Baltazar Torres. En el catálogo, junto al texto del comisario de la muestra, Miguel Fernández-Cid, se incluyen relatos de Jorge Luis Borges, Jonathan Swift y Frank Kafka.
No Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela), de 11 de Abril até 29 Junho.
A Constituição da República Portuguesa entrou em vigor a 25 de Abril de 1976, faz hoje 27 anos e foi por ela que se fez, dois anos antes, uma revolução (é uma constituição portuguesa com certeza, é com certeza uma constituição portuguesa). Sofreu algumas alterações pelo caminho mas mantém um catálogo de direitos, liberdades e garantias do qual é bonito que nos orgulhemos porque, com mais ou menos imperfeições e notas de rodapé em manuais, vai funcionando. Estamos aqui, não é? Quem a desfaz com críticas de café não pode imaginar o que seria viver sem ela.
Dito isto, e para comemorar o aniversário da nossa Constituição, hoje os livros-do-dia são:
Constituição da República Portuguesa Há várias edições, Almedina, Porto, Texto (nesta sei que há até uma de bolso), Assembleia da República, entre outras.
Constituinte - 25 Anos - Imagens da Constituinte - Exposição Catálogo com fotografias de Fernando Baião, Lobo Pimentel Júnior, Novo Ribeiro, Inácio Ludgero, Alfredo Cunha e Eduardo Gageiro que guardam imagens das sessões da Constituinte, dos deputados, da assistência, de S. Bento e do ambiente em geral vivido naquela época na Assembleia da República. É uma edição da Assembleia da República.
A Constituição da República Portuguesa trocada por (para) miúdos Tem muitos desenhos, muitas cores, letras muito grandes e explica aos miúdos muitas coisas: o que é a Constituição, o que é um direito, o que é um parlamento, o que é um governo... tudo pela ordem de arrumação dessas matérias na Constituição dos grandes e com uma linguagem que me pareceu simples e inteligente. A ideia é boa e o livro, pelo que pude ver quando me veio parar às mãos, é mesmo muito bonito. Não é fácil vê-lo à venda, mas tudo leva a crer que existe na livraria da Assembleia da República.
O 25 de Abril e a derrocada do último império colonial europeu projectaram Portugal para o primeiro plano da actualidade internacional.
Em plena Guerra Fria, os caminhos do Ocidente passavam pelo que viesse a suceder em Lisboa. É a razão pela qual estiveram aqui entre 1974 e 1975 alguns dos maiores fotógrafos e documentaristas contemporâneos : Glauber Rocha, Robert Kramer, Thomas Harlan, Pea Holmquist, Santiago Álvarez, Sebastião Salgado, Guy Le Querrec, Dominique Issermann, Jean Gaumy, etc.
Muitos deles sonhavam com um mundo diferente. Vinham de Maio de 68, do Vietname, do Chile e viviam a Revolução Portuguesa de forma militante. O que descobriram em Portugal? O que aconteceu aos seus sonhos desde então? Como é que se adaptaram às ideologias do mundo de hoje?
A pesquisa para este documentário revelou cerca de 40 filmes feitos por realizadores estrangeiros sobre a Revolução Portuguesa. 25 anos depois do 25 de Abril, nenhum deles tinha cópia em Portugal.
Segundo o realizador, o filme tem como objectivo «desmentir- através das fotografias, dos filmes e dos depoimentos- a versão hoje banalizada da História, que reduz dois anos de revolução ao golpe militar de 25 de Abril e que transforma o protagonismo de toda uma população levada ao rubro ao elogio de dois ou três militares».
No Centro de Documentação 25 de Abril (Universidade de Coimbra) é possível descobrir os partidos que entretanto já desapareceram, os logotipos, postais do 25 de abril e os murais que cobriram as cidades...
Um país irreconhecível, com modelos de carros que já não existem, com slogans surpreendentes (o PPD a exigir o socialismo em liberdade?) e pinturas cheias de camponeses, foices e marinheiros saídos de um filme de Einsenstein.
Lisboa,Rua das Furnas,Sete Rios. Col. Paixão Esteves
Lisboa,Estrada de Benfica,São Domingos. Col. Paixão Esteves
Siné, in República (suplemento fim de semana, 11-5-1974)
quinta-feira, abril 24, 2003
alegria... praça da alegria
Lembro-me que a jazzportugal está online e que me bastam 3 ou 4 cliques para saber a programação do Hot Clube. Acontece, todavia, que não quero saber a programação do Hot Clube, não quero lembrar-me que o Hot Clube existe, quero ser uma rapariga responsável e exemplar que põe a conta da luz à frente do jazz.
JJJ
Erdmann / Morena Duo
HOJE | 23:00
Daniel Erdmann sax tenor
Carlo Morena piano
Quiet and Freedom are the greatest possessions. Ludwig van Beethoven
Os Verdurin só haviam falado a meia-voz e em termos vagos, mas o pintor, de certo distraído, exclamou:
- Não será preciso nenhuma luz e ele que toque a Sonata ao Luar no escuro para melhor se esclarecerem as coisas.
Marcel Proust
Chegou o tempo...
Chegou o tempo de fechar as mãos,
De recolher as dádivas e dar:
Pra quê bramir no peito o coração,
inflorar a tristeza, encaminhar
quedas no precipício, no vazio,
insculpir vozes que não têm som,
em terra seca libertar sementes...
Pra quê por outros ter os desafios,
Aveludar angústias, dores, com
Sorrisos entre os lábios permanentes?
Chegou o tempo de me despedir
e adormecer nos brados do cansaço:
serenamente os dias a provirem
alheios à jornada dos meus passos.
Cada vez gosto mais do blog, A montanha mágica. Há pouco passei por lá e obviamente não foi perca de tempo, porque li uma crónica do António Lobo Antunes, apesar de não estar por completo, valeu mesmo a pena. :) E vou blogmente fazer "past" pra aqui de um pequeno fragmento. Este:
"(…) Se tivermos à frente Tolstoi aqui à esquerda e o jornal à direita, começamos sempre pelo jornal. O problema é que o jornal da semana passada é o jornal da semana passada e Tolstoi o jornal de todas as semanas, de modo que o jornal da semana passada se deita fora e Tolstoi fica. Agora, Júlio, como é que a gente explica isto aos paisanos? (…)"
E, gosto muito da exposição do Giacometti como gostei das outras, Rothko, Andrei Rubliov, igualmente. :)
É pena não ter uma caixa de comentários (e eu que tinha um poema do pedro tamen sobre aquela pintura do Morandi) e ter poucas palavras do "Homem em Acção: Criação, Reflexão e Contemplação."
Caro Luís, muito obrigado!
"You're a hopeless romantic," said Faber. "It would be funny if it were not serious. It's not books you need, it's some of the things that once were in books. The same things could be in the 'parlor families' today. The same infinite detail and awareness could be projected through the radios and televisors but are not. No, no, it's not books at all you're looking for! Take it where you can find it, in old phonograph records, old motion pictures, and in old friends; look for it in nature and look for it in yourself. Books were only one type of receptacle where we stored a lot of things we were afraid we might forget. There is nothing magical in them at all. The magic is only in what books say, how they stitched the patches of the universe together into one garment for us,. Of course you couldn't know this, of course you still can't understand what I mean when I say all this. You are intuitively right, that's what counts. Three things are missing.
"Number one: Do you know why books such as this are so important? Because they have quality. And what does the word quality mean? To me it means texture. This book has pores. It has features. This book can go under the microscope. You'd find life under the glass, streaming past in infinite profusion. The more pores, the more truthfully recoded details of life per square inch you can get on a sheet of paper, the more 'literary' you are. That's my definition, anyway. Telling detail. Fresh detail. The good writers touch life often. The mediocre ones run a quick hand over her The bad ones rape her and leave her for the flies.
"So now do you see why books are hated and feared? They show the pores in the face of life. The comfortable people want only wax moon faces, poreless, hairless, expressionless. We are living in a time when flowers are trying to live on flowers, instead of growing on god rain and black loam. Even fireworks, for all their prettiness, come from the chemistry of the earth. Yet somehow we think we can grow, feeding on flowers and fireworks, without completing the cycle back to reality. Do you know the legend of Hercules and Antaeus, the giant wrestler, whose strength was incredible so long as he stood firmly on earth? But when he was held, rootless, in midair, by Hercules, he perished easily. If there isn't something in that legend for us today, in this city, in our time, then I am completely insane. Well, there we have the first thing I said we need. Quality, texture of information."
"And the second?"
"Leisure."
"Oh, but we've plenty of off-hours."
"Off-hours, yes. But time to think? If you're not driving a hundred miles an hour, at a clip where you can't think of anything else but the danger, then you're playing some game or sitting in some room where you cant argue with the four-wall televisor. Why? The televisor is 'real.' It is immediate, it has dimension it tells you what to think and blasts it in, it must be right. It seems so right. It rushes you on so quickly to its own conclusions your mind hasn't time to protest, 'What nonsense!'"
"Only the 'family' is 'people'"
"I beg your pardon?"
"My wife says books aren't 'real.'"
"Thank God for that. You can shut them, say, 'Hold on a moment.' You play God to it. But who has ever torn himself from the claw that encloses you when you drop a seed in a TV parlor? It grows you any shape it wishes! It is an environment as real as the world. It becomes and is the truth. Books can be beaten down with reason, but with all my knowledge and skepticism, I have never been able to argue with a one-hundred-piece symphony orchestra, full color, three dimensions, and being in and part of those incredible parlors. As you see, my parlor is nothing but four plaster walls. And here." He held out two small rubber plugs. "For my ears when I ride the subway jets."
"Denham's Dentifrice; they toil not, neither do they spin," said Montag, eyes shut. "Where do we go from here? Would books help us?"
"Only if the third necessary thing could be given us. Number one, as I said: quality of information. Number two: leisure to digest it. And number three: the right to carry out actions based on what we learn from the interaction of the first two, and I hardly think a very old man and a fireman turned sour could do much this late in the game"
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou - o que é muito pior - por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
«Os irmãos Vicario entraram às 4.10. A essa hora só se vendiam petiscos, mas Clotilde Armenta vendeu-lhes uma garrafa de aguardente de cana, não só pela estima que tinha por eles, mas também porque estava agradecidíssima pelo bocado de bolo que lhe tinham mandado. Beberam a garrafa inteira em duas grandes goladas, mas continuaram como se nada fosse. «Estavam pasmos», disse-me Clotilde Armenta, «e já não iam lá nem com uma medida de petróleo pelos gorgomilos.» Despiram então os casacos, dependuraram-nos com todo o cuidado nas costas das cadeiras, e pediram outra garrafa. Tinham a camisa suja de suor seco e uma barba de dois dias que lhes dava um ar montês. A segunda garrafa beberam-na mais devagar, sentados, olhando com insistência para a casa de Plácida Linero, no passeio oposto, com as janelas sem luz. A maior varanda era a do quarto de Santiago Nasar. Pedro Vicario perguntou a Clotilde Armenta se tinha visto luz nessa janela, e ela disse que não, mas pareceu-lhe uma curiosidade estranha.
- Sucedeu-lhe alguma coisa? – perguntou.
- Nada – respondeu Pedro Vicario. – Nós é que andamos à procura dele para matá-lo.»
Peguei-lhe ontem à noite, já tarde, porque estava desarrumado, deitado por cima de outros livros, e estava assim porque pretendia há muito relê-lo. Livro relâmpago, livro violentíssimo, livro maravilhoso. Culmina com a anunciada morte de Santiago Nasar, às mãos de Pablo, um dos gémeos Vicario, que, desesperado porque Santiago não morria - «Porra, primo, sabes lá como é difícil matar um homem, não fazes ideia!» -, lhe aplicou «um talho horizontal no ventre» por onde «os intestinos afloraram como uma explosão.» .
Esta é a história do crime de honra cometido por Pablo e Pedro Vicario, em defesa da irmã, friamente - afiaram as facas cedo, com zelo: «No fim, fizeram cantar as facas na pedra, e Pablo chegou-se à lâmpada para ver cintilar o aço.» -, apaixonadamente, sem vacilar. É de 1981 e eu li-o pela primeira vez há uns 5 ou 6 anos, num só fôlego. Não sou propriamente admiradora de Gabriel García Márquez (do qual li apenas, além deste livro, Ninguém Escreve ao Coronel, Cem Anos de Solidão e Doze Contos Peregrinos), mas Crónica de uma Morte Anunciada é um dos livros que mais gozo me deu ler até hoje. Ontem fiquei contentíssima porque a segunda leitura foi igualmente magnífica.
Para extrair prazer deste livro são necessárias, parece-me, duas coisas. Uma: aceitar a história. Aceitá-la enquanto ficção, enquanto possibilidade, enquanto amostra da terrível fatalidade da condição humana e dos alçapões inerentes à vulnerabilidade daí resultante. Outra: gostar de música.
Porque é disso que se trata neste livro, sobretudo, é essa a força deste livro e é essa a razão pela qual uma substância tão monstruosa como um crime de honra friamente concretizado – e anunciado – gera uma leitura irresistível, incomparável, inesquecível. Este é um dos livros em que a ideia de música mais insistentemente me ocorre. E Gabriel García Márquez sabia o que fazia e sabia que o fazia. Daí a velocidade alucinante da narrativa, a disposição anacrónica do discurso, as retrospecções e antecipações e daí, trágico e inevitável, como em qualquer oratório, o coro. O coro, presente nos escassos diálogos, em que as muitas vozes intervenientes nos dizem, com uma frequência que não pode ser inocente, no crescendo insuportável do desastre, uma e outra vez, que «Santiago Nasar vai morrer.». Ou que já morreu. Ou que está a morrer. Até ao diálogo final, tão definitivo como os outros, no qual o morto, pela primeira vez, se anuncia:
«- Santiago, meu filho – gritou -, que tens tu?
[...]
- Mataram-me, menina Wene. – disse ele.»
«Não é preciso estar sentado no escuro para pensar. Às vezes pensa ao volante do carro, ou no duche ou sentado na sanita. A vida real é tão comum e vulgar, despida de romance e aventura. Abstractizada na forma de problemas e situações, parece sempre tão mais fácil vista de um livro, de uma cadeira de cinema, resumida a emoções.
Uns anos depois ele tentava lembrar-se se teria havido um momento específico para se apaixonar. Lembrava-se daquela tarde, da chuva, da conversa mal conversada em que tanta coisa ficara por dizer.
E depois havia uns relances rápidos, de aulas, entregas de testes, discussão de trabalhos, cruzamentos nos corredores. Olhares, sempre olhares. Tudo por dizer, quem sou, quem és, que importa isso...
Sim, que importância tem ser alguém... que prazer descobrir alguém para quem não precisamos de ser.
Ele, que estudou filosofia, que sabe coisas do pensamento, percebe a surpresa dos filósofos apaixonados. A mesma dos médicos que adoecem.
Para justificar o amor não existe nada.»
Este livro é assim: cada capítulo vale por si. É possível abrir o livro ao acaso, ler um único capítulo e nele encontrar um único universo soberano, coerente, mínimo em palavras, imenso nas possibilidades e nas dádivas ao pensamento. Mas, após o primeiro momento, de encontro, a leitura aleatória só volta a ser possível depois de ser ter lido todo o livro, de forma certinha e ordenada, porque a escrita de Daniel J. Skråmestø é tão bonita e prende tanto que resulta impraticável ler um capítulo ao acaso sem, de seguida, regressar à primeira página para, literalmente, devorar o romance.
Natural, inteligente, belo, cheio de referências de geração, com zonas muito próximas da prosa poética, o humor familiar que se reconhece imediatamente por ser o de todos os dias, uma escrita limpa, o livro de Daniel J. Skråmestø é uma excelente notícia.
Diz a contracapa da Dom Quixote:
«Olhos de Cão é uma história irónica e fragmentada sobre não-heróis, sobre quatro homens que ainda têm dificuldade em saber como viver. Um vago retrato sobre a homossexualidade num Portugal em fim de século.»
Em parte, discordo. Este livro não é um retrato sobre a homossexualidade; neste livro há homossexualidade porque neste livro há vida – esta vida, escrita assim como é, sem pretensiosismo, sem floreados, sem juízos de valor, sem explicações, sem justificações, sem culpas, sem absolvições, sem medos, sem vítimas, sem monstros, sem dramas; esta vida e interiorização exemplar do direito absoluto e intocável a vivê-la, a pensá-la, a escrevê-la e a partilhar dela aquilo que é nosso, segundo a nossa vontade e as possibilidades da sensibilidade e da inteligência, graças que não faltam a Daniel J. Skråmestø e com as quais poderá sempre escrever o que quiser.
Para já, temos Olhos de Cão para ler, reler e ir lendo. Um livro sobre essa ilusão de estarmos sós, espectro anémico que Daniel J. Skråmestø expõe à comunicação.
Continuarão a criar ou inventar os grandes personagens?
Anna Karenina de Tolstoi, Emma Bovary de Flaubert, as personae de Shakespeare, de Balzac, de Dostoevsky entre outros mais, nascem simplesmente de uma certa quantidade e qualidade de tinta que o escritor espraia numa certa quantidade de papel.
E, no entanto, são personagens que fazem estremecer a alma.
Acho que é misterioso a origem, o modo de composição que faz nascer a vida de um personagem.
Parte bem de onde o surgimento de um personagem? De uma imagem? De uma voz? De uma fala? Serão imagens de homem e mulher de carne ou osso , ou/e serão imagens traçadas por um artífice? E, bem podia continuar..
São ,talvez, alguns pedacinhos retirados da vida interior ou do exterior, que à maneira de um mosaico, um escritor vai compondo.
Não sei quantos fragmentos da vida interior ou exterior, ou que imagem, ou...,ou que método, que modo levou a engrenagem de "Cães" de Rui Nunes, sei que quando estive, pela última vez, em Lisboa, bastou-me entrar numa estação de metro pra ver que eles são realmente de carne e osso.Não é invenção.
Por último, pra não me alargar mais , pergunto-me:
Continuarão a criar ou inventar os grandes personagens ?
ARTE crée l'événement jazz de ce printemps 2003 avec Paris jazz clubs: neuf émissions exceptionnelles diffusées tous les soirs, du 29 avril au 7 mai. Un panorama du jazz d'aujourd'hui, inventif et généreux, enregistré dans quatre clubs de la rue des Lombards à Paris, du 10 au 19 avril.
Suivez ARTE dans l'atmosphère chaleureuse de quatre clubs de jazz de la rue des Lombards à Paris: le Baiser Salé, le Sunset, le Sunside et le Duc des Lombards. Au gré de leur programmation, le téléspectateur assistera à différents concerts au fil d'un parcours éclairé par Alex Dutilh. C'est la première fois qu'ARTE s'investit dans un projet d'une telle ampleur: dix jours de tournage dans quatre lieux, quarante concerts, près de cent cinquante artistes, dix-sept caméras...
posted by Anónimo on 13:12
terça-feira, abril 22, 2003
Não existe nave mais veloz que o livro
para nos levar a terras longínquas
There is no Frigate like a Book
To take us Lands away
Nor any Coursers like a Page
Of prancing Poetry—
This Travers may the poorest take
Without oppress of Toll—
How frugal is the Chariot
That bears the Human soul.
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro.
Todavia, a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania, varrendo o podre a zero.
Silencioso: quer fechado ou aberto,
Incluso o que grita dentro, anónimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam as suas redes.
Mas apesar disso e apesar do paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.
"Penso que devemos ler apenas os livros que nos ferem e apunhalam. Se o livro que estamos a ler não nos desperta com uma pancada na cabeça, para que o lemos? Para que nos faça felizes, como quando se escreve? Santo Deus, nós seríamos felizes precisamente se não tivessemos livros e o tipo de livros que nos fazem felizes são aqueles que nós próprios poderíamos escrever, se fosse preciso. Mas nós precisamos dos livros que nos afectem como uma calamidade, que nos magoem profundamente, como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós próprios, como sermos desterrados para florestas distantes de toda a gente, como um suicídio. Um livro deve ser o machado para o mar congelado que há dentro de nós."
"Estás para começar a ler o novo romance Se numa noite de Inverno um viajante de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa esfumar-se no indistinto o mundo que te rodeia. A porta é melhor fechá-la; lá dentro a televisão está sempre acesa. Diz aos outros: "Não,não quero ver televisão!". Levanta a voz, senão não te ouvem: "Estou a ler! Não quero que me incomodem!". Não devem ter-te ouvido, com aquele barulho todo; fala mais alto, grita: "Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!". Ou se não quiseres não digas nada; esperemos que te deixem em paz."
Italo Calvino, Se numa noite de Inverno um viajante
É assim que começa o brilhante romance, Se numa noite de Inverno um viajante, de Italo Calvino.
É um "romance sobre o prazer de ler".
Caso não o tenha lido, não perca a viagem que o autor italiano lhe proporciona !
A maioria das coisas boas da vida têm uma origem lendária ou uns princípios de incerteza que se resolvem, quase sempre, com ocasionalismos providenciais. O chá, a bebida mais consumida no mundo, por detrás da qual se esconde uma fascinante e colorida aventura que se funde com a história cultural e social de muitos países, não escapa à regra do mistério.
A cativante odisseia do chá começa no momento em que o imperador chinês Chen Nung – um sábio com tendências de ervanário que por razões de higiene não bebia água sem ser fervida – dormia à sombra de uma planta brava de chá num certo dia do ano de 2737 a.C.. Uma brisa ligeira sacudiu a planta que deixou cair umas folhas para dentro da água em fervura. A imperial figura experimentou a infusão e achou-a deliciosa, enérgica e desalterante. E assim nasceu o chá. Gosto da história e não penso arrematar outra, embora saiba que a China só foi unificada no século III a.C. e que antes dessa data não havia imperador. Esta poética génese do chá deverá ser considerada como uma homenagem ao desenvolvimento agrícola, médico e cultural da China dessa época. Tenha sido esta, ou qualquer outra, a origem desta bebida, os especialistas entendem que o chá estaria já presente nestas terras cerca de três mil anos antes de Cristo porque a primeira alusão escrita às folhas de chá data do terceito milénio antes da nossa era. Refere-se a um célebre cirurgião chinês que as prescrevia para aumentarem o poder de concentração e a vivacidade do espírito. Da mesma época existe um relato de um general do exército chinês que, sentindo-se velho e deprimido, pedia ao seu sobrinho, um verdadeiro chá. Teria pedido um verdadeiro tu, palavra chinesa que significava chá mas que também era utilizada para significar uma outra planta, a serralha. Para evitar confusões, um imperador da dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.) ordenou que o ideograma de chá fosse pronunciado cha. os portugueses, obedientes à norma, adoptaram a palavra indicada, tal como o fizeram persas, japoneses e hindus. Os árabes não se desviaram muito e dizem shai, tal como os tibetanos que adoptaram ja, os turcos chay e os russos chai. Todos os outros países ficaram-se por semelhanças ao tu ou ao t’e, do dialecto chinês. (thee em holandês; tee em alemão e finlandês; te em italiano, espanhol, dinamarquês, norueguês, sueco, húngaro e malaio; tea em inglês e thé em francês).
A ideia de utilizar em infusão as tenras e jovens folhas deste pequeno arbusto – thea sinensis – comum nas montanhas do sul da China, começou por ser uma prática utilizada durante as cerimónias religiosas. Mais tarde divulgou-se, tornou-se uma bebida da moda na corte da dinastia Tang (618 - 907 d.C.) e as casas de chá multiplicaram-se em toda a China. Os anos faustosos desta dinastia correspondem à “idade de ouro” do chá, que não era considerado só como um remédio, bebia-se por prazer e também para lhe procurarem as portentosas virtudes de fortificante. A preparação e a forma de servir o chá deram lugar a um verdadeiro cerimonial e a sua cultura e as formas de tratamento foram objecto de legislação severa. A colheita revestia-se de uma importância enorme, com uma atenção particular à higiene e ao regime de vida dos jovens que colhiam as folhas. O alho, a cebola e todas as especiarias, em geral, eram proibidas nos seus regimes alimentares, de forma a evitar que o contacto dos dedos com as folhas de chá transmitissem odores indesejáveis que iriam perturbar os finos e delicados aromas. Foi nesta época da dinastia Tang que foi escrito o primeiro livro sobre esta bebida, de autoria de Lu Yu (733 - 804 d.C.) chamado Cha King, que quer dizer, “O Clássico do chá”. Descreve o chá sobre todos os seus aspectos, interessando-se desde as origens da planta e das suas características, às diferentes variedades, ao tratamento das folhas, aos utensílios necessários à sua preparação, à qualidade das águas, às virtudes médicas e aos costumes que orientavam o seu consumo.
O tratamento das folhas de chá, durante esta dinastia Tang, caracterizou-se pelo processo de aquecimento das folhas, logo após a colheita, através de vapor, sendo depois esmagadas e misturadas com o sumo de ameixa que servia de produto de ligação. Esta pasta era em seguida enformada numas caixas e depois cozida. Para se fazer chá torravam-se as placas resultantes deste processo e depois de reduzidas a pó, deitava-se uma certa quantidade em água a ferver. Para enriquecer o aroma era hábito misturarem, nos recipientes utilizados para beberem o chá, gengibre, raspas de laranja, cravinhos e menta em pó.
Há quem diga que o chá (cinco chavenas por dia) pode ajudar o nosso sistema imunitário. Não sei se será verdade, mas também não importa muito, a notícia é o pretexto para falar de uma das bebidas mais fascinantes que conheço. Para quem gosta de o beber, recomendo a leitura de O Culto do chá do Wenceslau de Moraes, O Livro do chá de Kakuzo Okakura, ou O prazer do chá um dos prazeres de Alfredo Saramago (em publicação clandestina aqui na janela).
* como dizem os Kinks: Whatever the situation whatever the race or creed, / Tea knows no segregation, no class nor pedigree / It knows no motivations, no sect or organisation, / It knows no one religion, / Nor political belief.
Sobre a areia molhada surgem ideogramas
de pés de galinha. Olho para trás
mas não vejo nem santuário nem asilo de aves.
Terá passado um ganso cansado, ou talvez manco.
Não saberia decifrar aquela linguagem
ainda que fosse chinês. Uma simples aragem
a apagará. Não é verdade
que a Natureza seja muda. Fala ao deus-dará
e a única esperança é que não se ocupe
muito da gente.
Nina Simone, high priestess of soul and civil rights fighter, dies aged 70
Nina Simone, one of the most original and influential African-American singers of the past 50 years, has died at her home in the south of France. She was 70.
The general audience knows her best for her version of a Broadway pop tune, My Baby Just Cares for Me, which became a worldwide hit in 1987 after it was used in a television advertisement for Chanel No 5 perfume.
She took little pleasure from the immediate cause of her new-found celebrity with a younger audience. Thirty years earlier she had signed away the rights to that recording, and others, for $3,000 (£1,900). The memory of that piece of Tin Pan Alley exploitation fuelled her resentment against the music business for the rest of her life.
She was a favourite of the British beat groups of the early 1960s, including the Animals, who borrowed her arrangement of Don't Let Me be Misunderstood for one of their early hits. But her true significance lay in her influence on subsequent generations of women singers. Erykah Badu, Cassandra Wilson and Alicia Keys are among the many who benefited from the example of Simone's pioneering fusion of blues, soul, jazz, folk and pop, and from her uncompromising stance against racism, sexism and other discrimination.
Her involvement with the civil rights movement provided the material for such songs as Mississippi Goddam, Backlash Blues, Four Women, and To be Young, Gifted and Black, which became an anthem of the movement. Her friends included the Black Muslim leader, Louis Farrakhan, the singer, Miriam Makeba, the Black Panther activist, Stokely Carmichael, and the writer, James Baldwin.
Born Eunice Waymon in Tryon, North Carolina, in 1933, one of eight children, she sang in church from infancy and began playing the piano at the age of two. "Everything that happened to me as a child involved music," she wrote in her autobiography. Studies at the Juilliard Conservatory in New York were intended to preface a career as a concert pianist, but the need to earn a living diverted her into work as a night-club accompanist. Before long, she was an attraction in her own right. A concert at New York's town hall in 1959 turned her into a star.
Listening to her was never easy. Club and concert audiences were often exposed to the sharp edge of her tongue. At her best, however, she was a peerlessly commanding performer. Her show-stoppers ranged from I Loves You, Porgy (her first million-seller), through I Put a Spell on You, Black is the Colour of My True Love's Hair, Here Comes the Sun and Baltimore. As her friend, Duke Ellington, would have said, she was "beyond category".
segunda-feira, abril 21, 2003
Teatro à borla em troca de um cravo
Todas as pessoas que se apresentarem com um cravo, na noite de sexta feira, 25 de Abril, no Teatro.com.Palco, no Porto, terão entrada livre no espectáculo "Netzarim Palestina", feito a partir de textos de poetas árabes.
A notícia vem hoje no Jornal de Notícias.
Federico Fellini homenageado este ano no Festival de Cannes
Assinalando o 10.º aniversário da morte de Federico Fellini, a organização do Festival de Cannes vai consagrar a edição deste ano (14 a 25 de Maio) ao mestre italiano. Assim, o cartaz oficial de Cannes 2003 ser-lhe-à dedicado, e a memória de Fellini evocada ao longo de todo o certame, sob várias formas.
Será apresentada uma retrospectiva integral da obra do autor de La Dolce Vita, nas várias salas do Palácio dos Festivais, bem como todas as noite no cinema ao ar livre, situado numa das praias da Croisette. Esta retrospectiva incluirá ainda uma série de documentários sobre Fellini e uma exposição de fotografias do realizador em plena rodagem.
Também na avenida mais famosa de Cannes, um ensemble de sopros interpretará, diariamente temas dos filmes do realizador compostos por Nino Rota. E Nicola Piovani, o último compositor a trabalhar com Federico Fellini, evocará a sua convivência pessoal e as suas experiências profissionais com ele numa Lição de Música, que será dada no Palácio dos Festivais no dia 20 de Maio.
A Seleccão Oficial do Festival de Cannes deste ano é anunciada na quarta-feira. No que respeita a uma das suas mais prestigiadas secções paralelas, a Quinzena dos Realizadores, alguns dos filmes participantes foram já revelados pelo site americano FilmStew.com.
Entre os títulos escolhidos pelo novo director da secção, François da Silva (que substituiu Marie-Pierre Macia, subitamente despedida no ano passado), contam-se The Mother, o novo filme do britânico Roger Michell, o realizador de Notting Hill, escrito por Hanif Kureishi; La Chose Publique, terceira longa-metragem do francês Mathieu Amalric; Pas de Repos pour les Braves, estreia na realização de outro francês, Alain Guiraudie; Gossu, de Takeshi Miike, o realizador de culto japonês; ou ainda Ossama, o primeiro filme a ser feito no Afeganistão depois da queda do regime talibã, assinado por Sedigh Barmak. Ossama conta a vida de três mulheres durante a vigência do governo fundamentalista islãmico.
A Quinzena dos Realizadores inclui este ano 25 longas-metragens e 15 curtas. A lista completa é revelada no próximo dia 25.
Em Verona
a casa da Julieta
é pequena, escura, insignificante.
O edifício está enegrecido
só a varanda de pedra foi limpa:
destaca-se como um grito branco
numa boca escura.
Tudo é um pouco de menos
nesta fachada demasiado obscura
agora brutalmente iluminada
pela luz fluorescente
duma loja de design
colocada mesmo em frente
no mesmo pátio
no mesmo átrio mítico.
Fui procurar
a memória da história
e encontrei a tecnologia
gritando
contra o endurecido mito
do sentimento
petrificado no tempo.
Tinha esquecido que o amor
é coisa mental
e que na superfície do real
é como um grito branco
numa boca escura.
Como se constituem as Comunidades considerando-se, à partida, que não se formam a partir do zero? A partir de que memória se constrói uma Comunidade? Como se organiza essa memória? E, nos casos em que existem traumas comunitários, como é possível reconstruir a Comunidade? Como é possível construí-la depois de uma ocupação por outro país? Como se reconstrói um país traumatizado por uma guerra civil? Ou ainda, como se reconstitui uma cidade depois de sofrer uma violência? Ou, finalmente, como se lida com o passado e com as tradições de uma Comunidade querendo também inová-la e dar-lhe uma ideia de futuro?
Estas são algumas das questões que o Festival Comunidade pretende discutir. O programa é vasto nos temas (inclui cinema, circo, dança, música, opereta, teatro e um workshop dedicado à arte japonesa de arranjos florais, Ikebana) e vasto nas geografias: Catherine Diverrès leva-nos à siciliana Palermo (ao som de Johann Sebastian Bach, Nino Rota, Denis Mercier, Estrella Morante); Soror Marie Keyrouz ao Líbano, ou quem sabe a um ponto onde se unem Oriente e Ocidente, um ponto que só existe na música?
Mas o percurso maior cabe o cinema: Ficaremos face a singularidades e a comunidades, entre as virtualidades das miscigenações e o espectro dessas exacerbadas “identidades assassinas” de que nos fala Amin Malouf. Desembarcaremos em territórios e acompanharemos tentativas de passagem de uns a outros.
Viajaremos entre o isolamento das pampas argentinas e a desolação de obsoletas paisagens industriais no nordeste da China, a história de Israel ou do cinema dos negros americanos, aldeias perdidas da Mauritânia ou do Tadjiquistão, fronteiras na América do Norte ou no coração da Europa. Entre os visíveis, os reaparecidos e também os desaparecidos.
Para os corajosos aqui fica a nossa sugestão de peso: Tie Xi Qu, de Wang Bing, cerca de nove horas de projecção, divididas em três partes (Parte I - Ferrugem, 4h00; Parte II - Sobras, 3h05; Parte III - Carris, 2h10)
É o título - belo - de um thread, no Fórum Livros do Público-online, onde um participante, de nick mega_biscoito, propõe um exercício de imaginação interessante, assim:
"Rapaz. Vagueia nas ruas. Encontra no rosto de uma mulher a beleza jamais encontrada. Persegue-a. Descobre onde ela vive. Decide que ela merece tudo. Decide enviar-lhe um poema. Que poema envia ele?"
Ele diz ‘um’ poema, não diz ‘dois’, nem ‘três’... enorme responsabilidade, não? Sim. Sim, que poema?
No , nos próximos dias, haverá conversas sobre o amor, uma festa de cravos, Greco e Merleau-Ponty. Quatro bons pretextos para ficar até tarde no Bairro Alto.
A notícia vem no Local Minho do Público. Destaco a possibilidade de ver Contratei um Assassino, Nuvens Passageiras, Juha e O Homem sem Passado do finlandês Aki Kaurismäki e quem sabe, até mesmo encontrar o realizador (que tem uma casa na zona).
Trata-se de um arquivo de poesia online que mostra apenas aquilo que em poesia interessa, isto é, as palavras. Não há bonecos, não há desenhos, só uma lista de autores feliz e apetecível, que nos liga aos poemas respectivos, onde fui encontrar este Bukowski raro online (a ‘raridade online’ é um conceito merecedor de atenção):
pull a string, a puppet moves
each man must realize
that it can all disappear very
quickly:
the cat, the woman, the job,
the front tire,
the bed, the walls, the
room; all our necessities
including love,
rest on foundations of sand -
and any given cause,
no matter how unrelated:
the death of a boy in Hong Kong
or a blizzard in Omaha ...
can serve as your undoing.
all your chinaware crashing to the
kitchen floor, your girl will enter
and you'll be standing, drunk,
in the center of it and she'll ask:
my god, what's the matter?
and you'll answer: I don't know,
I don't know ...
I taught myself to live simply and wisely,
to look at the sky and pray to God,
and to wander long before evening
to tire my superfluous worries.
When the burdocks rustle in the ravine
and the yellow-red rowanberry cluster droops
I compose happy verses
about life's decay, decay and beauty.
I come back. The fluffy cat
licks my palm, purrs so sweetly
and the fire flares bright
on the saw-mill turret by the lake.
Only the cry of a stork landing on the roof
occasionally breaks the silence.
If you knock on my door
I may not even hear.
O blogo explica: "> Serviço Público: Recentemente tem-se assistido a um aumento no número de blogs que se dedicam a um olhar sobre a actualidade. De cariz mais ou menos político, cultural e social, destacam-se por uma actualização regular e pelo interesse dos seus conteúdos que são colocados à disposição da comunidade.
Como é óbvio, é difícil avaliar critérios gráficos uma vez que a principal motivação destes blogs assenta na sua temática. Assim sendo, neste primeiro momento, não vamos proceder a nenhuma apreciação dos mesmos, destacando apenas o mérito do seu "serviço público"."
Quererá isto dizer que podemos ter um subsídio para ir ao Prado ver o Vermeer, entre outras movimentações essenciais à actividade bloguista? :)
Aconselhamos uma visita demorada à página e, mesmo no fim, uma voltinha semelhante àquela que se faz no Arquivo Municipal de Lisboa, com passagem obrigatória e apaixonada pelas máquinas antigas.
Uma pequena amostra daquilo que encontrámos na Camera Obscura segue dentro de momentos - e fica - no Boogie Woogie.
Já deveria ter falado de Albert Cossery? Se um blog serve para falarmos do que gostamos, sim. Atrasei-me, no entanto, tratando-se de Cossery uma certa preguiça é desculpável.
Vou começar pelo princípio. Pelo primeiro livro que ele escreveu Os Homens esquecidos de Deus que reune cinco pequenas histórias e foi publicado no Cairo em 1927.
São histórias sobre os mais pobres dos mais pobres, aqueles que falam mas ninguém ouve, os miseráveis.
O barbeiro matou a mulher é uma das mais belas histórias deste livro e mostra-nos a dificuldade do funileiro Chaktour em explicar ao filho que não tem dinheiro para o borrego, que o trevo que o miúdo arranjou não serve para nada.
–Somos pobres porquê?–, perguntou a criança.
O homem reflectiu antes de responder. Depois de tantos anos de indigência tenaz, ele próprio não se lembrava por que eram pobres. Era uma coisa que vinha de muito longe, de tão longe que Chaktour já não se lembrava como tinha começado. Dizia para si próprio que a sua miséria com certeza nunca tivera começo. Era uma miséria que se prolongava para além dos homens. Apanhara-o desde nascença e ele logo lhe pertencera, sem a menor resistência, visto que lhe estava destinada muito antes de ter nascido, ainda na barriga da mãe. O ambiente escuro da oficina, a presença opressora do guarda Gohloche, o crime do barbeiro, a revolta dos varredores, a fome do miúdo, tudo isso vai dar a volta à cabeça de Chaktour.
Há pouco, completamente abatido na minha oficina, perguntava: quem salvará o menino? Pois bem, o menino salvar-se-á sozinho. Não aceitará a pesada herança da nossa miséria. Terá braços suficientemente fortes para se defender. Eis o que o ar anuncia à nossa volta. Escuta Haroussi…
Sobreveio um silêncio que se estendeu muito longe, até ao fundo das vielas lamacentas. O vento tinha deixado de soprar. A miséria do mundo chegava ao fim do seu destino
É o conto perfeito para o dia de hoje. Volto a Cossery mais tarde, para mostrar o modo como a luta será travada, sem violência, mas com escárnio e muito humor.
Edição portuguesa: Antígona (tradução de Ernesto Sampaio)
A obra de Abert Cossery é pequena (ele escrevia a um ritmo lentíssimo), são apenas oito livros, todos eles traduzidos e publicados pela Antigona. Há ainda um livro que é uma espécie de visita guiada pela sua obra e pelas suas ideias: “Conversas com Albert Cossery”, de Michel Mitrani.