Como se constituem as Comunidades considerando-se, à partida, que não se formam a partir do zero? A partir de que memória se constrói uma Comunidade? Como se organiza essa memória? E, nos casos em que existem traumas comunitários, como é possível reconstruir a Comunidade? Como é possível construí-la depois de uma ocupação por outro país? Como se reconstrói um país traumatizado por uma guerra civil? Ou ainda, como se reconstitui uma cidade depois de sofrer uma violência? Ou, finalmente, como se lida com o passado e com as tradições de uma Comunidade querendo também inová-la e dar-lhe uma ideia de futuro?
Estas são algumas das questões que o Festival Comunidade pretende discutir. O programa é vasto nos temas (inclui cinema, circo, dança, música, opereta, teatro e um workshop dedicado à arte japonesa de arranjos florais, Ikebana) e vasto nas geografias: Catherine Diverrès leva-nos à siciliana Palermo (ao som de Johann Sebastian Bach, Nino Rota, Denis Mercier, Estrella Morante); Soror Marie Keyrouz ao Líbano, ou quem sabe a um ponto onde se unem Oriente e Ocidente, um ponto que só existe na música?
Mas o percurso maior cabe o cinema: Ficaremos face a singularidades e a comunidades, entre as virtualidades das miscigenações e o espectro dessas exacerbadas “identidades assassinas” de que nos fala Amin Malouf. Desembarcaremos em territórios e acompanharemos tentativas de passagem de uns a outros.
Viajaremos entre o isolamento das pampas argentinas e a desolação de obsoletas paisagens industriais no nordeste da China, a história de Israel ou do cinema dos negros americanos, aldeias perdidas da Mauritânia ou do Tadjiquistão, fronteiras na América do Norte ou no coração da Europa. Entre os visíveis, os reaparecidos e também os desaparecidos.
Para os corajosos aqui fica a nossa sugestão de peso: Tie Xi Qu, de Wang Bing, cerca de nove horas de projecção, divididas em três partes (Parte I - Ferrugem, 4h00; Parte II - Sobras, 3h05; Parte III - Carris, 2h10)