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Janela Indiscreta
 
sábado, janeiro 24, 2004  
Sob escuta:


Charles Mingus [The Black Saint and The Sinner Lady] © Guy Le Querrec / Magnum

posted by camponesa pragmática on 21:46


 
O embrulho vermelho

O meu sangue transformou-se em tinta. Era preciso impedir a todo o custo este nojo. Envenenei-me até aos ossos. Cantava no escuro e agora é essa mesma canção que me assusta. Melhor ainda: estou leproso. Conhecem essas manchas de bolor que simulam perfis? Não sei qual o encanto da lepra que engana o mundo e lhe permite beijar-me. Tanto pior para ele! Já não me diz respeito. Só mostrei feridas. Fala-se em fantasia graciosa: culpa minha. É loucura expor-nos inutilmente.

A minha desordem amontoa-se até ao céu. Os que eu amava estavam ligados ao céu por um elástico. Virava a cabeça... já ali não estavam.

De manhã debruço-me, debruço-me e deixo-me cair. Caio de cansaço, de dor, de sono. Sou inculto, nulo. Não conheço nenhum número, nenhuma data, nenhum nome de rio, nenhuma língua, viva ou morta. Tenho zero em história e em geografia. Sem alguns milagres corriam comigo. Para mais, roubei os documentos a um certo J.C. nascido em M.L., dia..., morto aos dezoito anos, depois de uma brilhante carreira poética.

Esta cabeleira, este sistema nervoso mal implantados, esta França, esta terra, não são meus. Repugnam-me. De noite disponho-os em sonhos.

Larguei o embrulho. Que me prendam, que me linchem. Entenda quem puder: Sou uma mentira que diz sempre a verdade.

Jean Cocteau | Tradução de Filipe Jarro

posted by camponesa pragmática on 18:51


 


The Miracle of Walking on Water:

This easy-to-master classic miracle, which novices tend to be given to build up their self-confidence, does not require special footwear. It is based on the ability to increase the elastic surface tension of the fluid at the point being walked on. The body must be made as light as a ball of cotton and as delicate as the leaf of a water-lily. Many apprentices ask for a life-jacket at first, but such cowardly frivolity only leads to failure: the jackets tend to be in distressingly loud colours and disturb the gravity and solemnity of the situation, that retrotrae epic mîses-en-scène such as that of the Master on Lake Tiberias, or that of Väinämoinen following the ill-fated Aino, before she sunk beneath the waters of Kaleva and was turned into a porpoise. The maiden had been bestowed as a prize on the old bard by her brother Joukahäinen, vanquished in a duel of canticles and charms.


© Joan Fontcuberta


The Miracle of Instantaneous Polderization:

Although the divinations of Turpa had on several occasions pointed out the redundancy and waste of energies implicit in devoting two miraculous techniques to the same purpose of crossing large expanses of water without swimming -if you can walk on water, surely it is not necesessary to part the waves to get across without getting yourself wet?- the response from the military strategists of Essur was that if you had to move an army with wagons and horses, simply parting the waters was far more practical that to getting sappers to build pontoons, above all in view of recent wage demands and strike threats from their union. The practice sessions for this miracle are performed at the rapids of Imatra, one of the scenic spots immortalized by the Romantic artist Akseli Gallen-Kallela. The River Vouksi is a tough test: aspirants who manage to tame its fierce currents and stem its raging tide will find that other river, ocean or jacuzzi will compare in difficulty.


© Joan Fontcuberta

Como realizar outros milagres? Aqui! Como frequentar a Escola dos Milagres de Karelia? Aqui!


posted by camponesa pragmática on 02:17


 
spirit


posted by camponesa pragmática on 01:48


 
Campainhas no Silêncio - 3

As migrações que o historiador, guiado pelas incertas relíquias da cerâmica e do bronze, deseja fixar no mapa e que os povos que as realizaram não compreenderam.

As divindades da madrugada que não me deixaram nem um ídolo nem um símbolo.

O sulco do arado de Caim.

A geada na erva do Paraíso.

Os hexagramas que um imperador descobriu na carapaça de uma das tartarugas sagradas.

As águas que não sabem que são o Ganges.

O peso de uma rosa em Persépolis.

O peso de uma rosa em Bengala.

Os rostos postos por uma máscara guardada numa vitrina.

O nome da espada de Hengist.

O último sonho de Shakespeare.

A pena que traçou o curioso verso: He met the Nightmare and her name he told.

O primeiro espelho, o primeiro hexâmetro.

As páginas que um homem pardo leu e que lhe revelaram que podia ser D. Quixote.

Um ocaso cujo vermelho perdura num vaso de Creta.

Os brinquedos de uma criança que se chamava Tibério Graco.

O anel de ouro de Polícrates que o Fado recusou.

Não há uma única dessas coisas perdidas que não projecte agora uma vasta sombra e que não determine o que fazes hoje ou o que farás amanhã.

Jorge Luís Borges – A trama/ Os Conjurados, Difel, 2ª ed., Lisboa - pp. 19-20

posted by camponesa pragmática on 00:03


sexta-feira, janeiro 23, 2004  
Campainhas no Silêncio - 2

[…] Tua será também a certeza de que o Tempo se esquece dos ontens, e de que nada é irreparável ou a contrária certeza de que os dias nada podem apagar e de que não há um acto, ou um sonho, que não projecte uma sombra infinita. […]

Jorge Luís Borges – Elegia/ Os Conjurados, Difel, 2ª ed., Lisboa - pág. 29

posted by camponesa pragmática on 23:54


 
Campainhas no Silêncio

341 – O peso mais pesado – E se, um dia ou uma noite, um demónio se viesse introduzir na tua suprema solidão e te dissesse: «Esta existência, tal como a levas e a levaste até aqui, vai-te ser necessário recomeçá-la sem cessar: sem nada de novo: muito pelo contrário! A menor dor, o menor prazer, o menor pensamento, o menor suspiro, tudo o que pertence à vida voltará ainda a repetir-se, tudo o que nela há de indizivelmente grande e de indizivelmente pequeno, tudo voltará a acontecer, e voltará a verificar-se na mesma ordem, segundo a mesma impiedosa sucessão… esta aranha também voltará a aparecer, este lugar entre as árvores, e este instante, e eu também! A eterna ampulheta da vida será invertida sem descanso, e tu com ela, ínfima poeira das poeiras!...» Não te lançarias por terra, rangendo os dentes e amaldiçoando esse demónio? A menos que já tenhas vivido um instante prodigioso em que lhe responderias: «Tu és um deus: nunca ouvi palavras tão divinas!»

Se este pensamento te dominasse, talvez te transformasse e talvez te aniquilasse; havias de te perguntar a propósito de tudo: «Queres isto? E quere-lo outra vez? Uma vez? Sempre? Até ao infinito?» E esta questão pesaria sobre ti como um peso decisivo e terrível! Ou então, ah!, como será necessário que te ames a ti próprio e que ames a vida para nunca mais desejar outra coisa além dessa suprema confirmação!

Nietzsche - A Gaia Ciência, 5ª ed., Guimarães Editores, Lisboa, 1996 - pp. 219-220.

posted by camponesa pragmática on 23:41


 
a arte de furtar

segundo exercício prático [com método (”Arma-te de dedais, arma-te de cuidado, / E procura com garfos e esperança, / Matá-lo com acções de algum supermercado,/ E, com riso e sabão, ganha-lhe a confiança.”) e descaramento]:

Canto Primeiro | O Desembarque

“Ele há por aqui Snark!” – disse o Sineiro,
Carregando os marujos com desvelo
E no ar sustento cada marinheiro
Um dedo emaranhado no cabelo.

“Ele há por aqui Snark! repeti uma vez,
Coisa que alegrará a mocidade.
Ele há por aqui Snark! Com esta já são três –
– E, se o disse três vezes, é verdade!”

Servia no navio a nata da marinha:
Um Chapeleiro, um Moço de Recados,
Um advogado a cuja lei a nau se atinha,
um notário que tinha os bens contados.

Havia um bilharista, hábil como poucos,
Já pronto a ganhar mais que a sua parte,
Se hábil banqueiro, a troco de honorários loucos,
Não lhe gerisse os fundos com grande arte.

E havia um Castor, palmilhando a coberta,
Ou assentado à proa a fazer renda.
Salvara muitos náufragos da morte certa
– Dizia o Capitão, citando a lenda.

Havia outro também, notável pelo rol
Das coisas que esquecera ao embarcar:
Anéis, jóias, relógio, mais um guarda-sol
E roupas próprias para andar no mar.

Tinha quarenta e duas caixas de bagagem
Com o seu nome muito bem gravado,
Mas deixara-as no cais, ao partir de viagem,
Que, ao chegar, não as tinha registado.

As roupas não fariam falta, porque, enfim,
Trazia sete casacos vestidos
E três pares de botas; o nome, sim,
O nome era o pior; tendo-o esquecido,

Respondia a qualquer “Ei”, a qualquer grito,
Como “Coza-se!”, ou “Fritem-me o chinó!”,
“Como-se-chama-o-tipo?”, ou “Que-nome-esquisito!”,
Ou, sobretudo, “Pst! Venha-cá-ó…”

Quem quiser, porém, coisa mais apimentada,
Poderá catar nome doutra lista:
Conhecido entre amigos por “Vela Queimada”,
Chamam-lhe os inimigos “Tosta Mista”.

“É feio quem nem burro e burro que nem porta”
— Observava o Sineiro a cada passo. —
“Mas corajoso é ele, e isso é que importa:
Caçar o Snark exige nervos de aço.”

Costumava brincar ao sério com hienas,
Com altivo acenar lhes resistia.
E viram-no de mão dada a um urso, apenas…
… "Para animar o bicho”, ao que dizia.

Dizendo ser Padeiro, tarde confessou
Só saber cozinhar bolos de casamento.
Ao ouvir isto, irado, o Capitão urrou:
“Na nau não há farinha nem fermento.”

O último merece nota mais prolixa:
Embora tivesse ar de perfeito cretino,
Ao mostrar que o Snark era a sua ideia fixa,
Conquistou logo o bom homem do sino.

Afirmando-se Talhante, grave declarou,
Depois de uma semana a navegar:
“Só sei matar castores!” — Varado ficou
O Sineiro demais para falar.

Mas explicou por fim, tremendo de emoção:
“Só temos um Castor a bordo e esse
É um castor que é meu e é de estimação,
Ficava desolado se morresse.”

O bom Castor, que ouvira aquilo por acaso,
protestou com a face marejada,
Que tanta era a surpresa, tão fatal o caso,
Que a não pagava o prémio da caçada.

E quis à viva força que o Talhante fosse
Transportado num barco separado.
Mas, com autoridade, o capitão impôs-se:
“Não vou mudar um plano já traçado.”

“A navegação é uma difícil arte.
Mesmo com um só barco e um só sino
Duplicar o trabalho, pela minha parte,
É tal encargo, Deus meu, que o declino.”

Para o Castor, segundo o Padeiro, a saída
Seria comprar um casaco usado
À prova de punhal. “Um seguro de vida” —
— Disse o banqueiro — “é mais adequado.”

E, cheio de energia, propôs-se ali logo
Alugar ou vender, em boas condições,
Magníficas apólices, cobrindo o fogo,
E outra ainda contra inundações.

Mas a partir daquele dia malfadado,
Quando via o Talhante andar por perto,
Logo o Castor se punha a olhar para o lado,
Talvez por timidez – ou por temor decerto.

fim do primeiro ataque


The Hunting of the Snark, de Lewis Carroll, traduzido por Manuel Resende, publicado em 1985 pela Afrontamento e mais recentemente pela Assírio & Alvim. Quem não ler não sabe o que perde.
Ilustração de Henry Holiday

posted by Anónimo on 22:56


 
sob escuta:


posted by camponesa pragmática on 18:58


 
a arte de furtar

primeiro exercício prático (com parcimónia):

Dizes: «Vou para outra terra, vou para outro mar.
Noutro lugar, melhor cidade há-de haver certamente.


posted by Anónimo on 14:57


 


André Kertész (1894-1985) | Elisabeth | 1931 | 24,5 x 19 cm


posted by Anónimo on 14:01


 


Entrevistador – Que lhe parece que os críticos franceses negligenciaram na sua obra?
Camus – A parte obscura, o que de cego e instintivo há em mim.

Escritos de Juventude, Livros do Brasil, ensaio introdutório de Paul Viallaneix.

posted by camponesa pragmática on 13:29


quinta-feira, janeiro 22, 2004  
Robert Walser (Para todos)

Robert Walser (1878-1956) nasceu em Biel, na Suíça. Abandonou os estudos aos catorze anos e trabalhou num Banco como escriturário, como mordomo num castelo e como assistente de um inventor antes de descobrir o que William Gass chama "a sua verdadeira profissão" - a loucura. Desde os vinte e um anos de idade, altura em que lhe foi (mal) diagnosticada uma esquizofrenia, até decidir internar-se em 1933, escreveu nove romances, de que restam quatro, entre eles Jakob Von Gunten (1908) e mais de mil contos e textos curtos. Em 1933 desistiu de escrever e internou-se num asilo psiquiátrico - onde ficou até morrer. "Não estou cá para escrever - disse - mas para ser louco". Kafka, Musil, Hermann Hesse e Walter Benjamin foram os poucos contemporâneos que o reconheceram e admiraram. Hoje é considerado um dos grandes escritores de língua alemã deste século. O Jantar (Das Diner), publicado em 1923, foi tirado do VII volume das suas Obras Completas (Das Gesamtwerke - Prosa aus des Bieler und Berner Zeit, 1921-1925), ed. Helmud Kossodo, 1966.

Pequena biografia publicada pela revista Ficções

posted by Anónimo on 21:36


 
O Jantar (Para a Alexandra)

Este jantar foi maravilhoso. Havia mostarda suficiente e tudo foi acompanhado com vinho do melhor. A sopa estava de facto um pouco espessa e o peixe não contribuiu para a conversa, mas ninguém lhe levou a mal. Garfos e colheres tagarelavam animadamente. Foram derramados sobre a mesa molhos que nos entusiasmaram, sobretudo a mim, que autenticamente brilhava e quase definhava com tanto prazer. Um assado bastante rijo e corajoso preocupava-se em preparar os dentes para o uso. Gostei dele. Entre outras coisas foi servido um pato. A dona da casa ria incessantemente, à socapa, e os criados tentavam encorajar-nos com palmadas no ombro.
Delicioso era também o queijo. Mal nos levantámos, voou um charuto para a boca de cada um e para cada mão uma chávena de café. A loiça desaparecia assim que ficava vazia. Enterrámo-nos até ao pescoço em conversas espirituosas. O licor punha-nos a nadar por tempos mais bonitos e, quando uma cantora se fez ouvir, ficámos todos fora de nós. Depois de nos restabelecermos, sacudiu-nos com poemas um poeta. Mas apesar de tudo escorria ainda a cerveja e não houve quem deixasse de aproveitar.
Entre os convidados estava um congelado. Todos os esforços para o tentar reanimar foram em vão. Os vestidos das senhoras é que eram fantásticos, deixavam muito à vista e não sobrava nada para se desejar. Um dos convidados dava nas vistas por trazer uma coroa de louros que ninguém invejou. Um outro polemizou durante tanto tempo que a certa altura se viu isolado dado que já ninguém o aturava. Uns quantos músicos tocavam Mendelssohn e eram escutados com atenção. Alguém sacou de vários peitilhos, colarinhos e narizes, com uma velocidade impressionante. A brincadeira foi um pouco grosseira mas ninguém a tomou à letra. Um director de um teatro fantasiava dramas de esgotar plateias e um editor publicações capazes de marcar uma época.
Ao sair, depus na mão do criado uma nota de cem. Ele devolveu-ma dizendo que estava habituado a valores mais elevados. Pedi-lhe que se contentasse com menos, só desta vez. Lá fora esperava-me um carro que me levou dali, e assim fui e ainda hoje vou.

Robert Walser, tradução de José Maria Vieira Mendes publicada na revista Ficções de comer

posted by Anónimo on 21:05


 


Exposição virtual das Estampas de GOYA

posted by Anónimo on 16:08


 
"Song lyrics for O Que Faz Falta by Afonso Zeca

Sing along to by online karaoke! Click here!"



posted by camponesa pragmática on 12:29


 
A minha única preocupação nestes dias é o desastroso declínio da moral pública



Sempre me pareceu que há algo de russo nos portugueses e de português nos russos, algo que se vê nos olhos, uma certa tristeza, uma certa insatisfação, é díficil definir mas a verdade é que quando Sokurov diz o que diz, sinto-me chegada a ele:

— Visitei a vossa capital há alguns anos e senti que, se fizesse "Pai e filho", teria de ser lá. Estava com receio que, ao voltar, a cidade estivesse tão "limpa" que se parecesse com qualquer cidade europeia. Mas isso não aconteceu. É uma cidade muito acessível. Os portugueses são pessoas acessíveis por natureza. Sinto-me chegado a eles, não é fácil explicar porquê. São pessoas com uma substância grandiosa.

Para ler, Alexander Sokurov entrevistado por João Antunes no JN.


posted by Anónimo on 11:58


 
O quarto do filho



Logo às 22h00 na 2

Nanni Moretti — Mi ricordo quando Piovani ha assistito alla prima proiezione, non sapeva nulla del film, ne abbiamo parlato e lui ha creato la musica. Per le altre canzoni, di solito io scelgo prima i pezzi. "By this River" di Brian Eno, mi sembrava adatto per un regalo al figlio morto, solo dopo mi sono accorto che le parole avevano un qualche collegamento.




posted by Anónimo on 11:53


 

Joana Ling | Peixes

posted by camponesa pragmática on 11:40


 
García Lorca | Três Retratos com Sombra

VERLAINE


La canción,
que nunca diré,
se ha dormido en mis labios.
La canción,
que nunca diré.

Sobre las madreselvas
había una luciérnaga,
y la luna picaba
con un rayo en el agua.

Entonces yo soñé,
la canción,
que nunca diré.

Canción llena de labios
y de cauces lejanos.

Canción llena de horas
perdidas en la sombra.

Canción de estrella viva
sobre un perpetuo día.

BACO

Verde rumor intacto.
La higuera me tiende sus brazos.

Como una pantera, su sombra,
acecha mi lírica sombra.

La luna cuenta los perros.
Se equivoca y empieza de nuevo.

Ayer, mañana. negro y verde,
rondas mi cerco de laureles.

¿Quién te querría como yo,
si me cambiaras el corazón?

... Y la higuera me grita y avanza
terrible y multiplicada.

posted by camponesa pragmática on 11:27


 
García Lorca | Três Retratos com Sombra

JUAN RAMON JIMENEZ


En el blanco infinito,
nieve, nardo y salina,
perdió su fantasía.

El color blanco, anda,
sobre una muda alfombra
de plumas de paloma.

Sin ojos ni ademán
inmóvil sufre un sueño.
Pero tiembla por dentro.

En el blanco infinito,
¡que pura y larga herida
dejó su fantasía!

En el blanco infinito.
Nieve. Nardo. Salina.

VENUS
Así te vi


La joven muerta
en la concha de la cama,
desnuda de flor y brisa
surgía en la luz perenne.

Quedaba el mundo,
lirio de algodón y sombra,
asomado a los cristales,
viendo el tránsito infinito.

La joven muerta,
surcaba el amor por dentro.
Entre la espuma de las sábanas
se perdía su cabellera.

posted by camponesa pragmática on 11:24


 
García Lorca | Três Retratos com Sombra

DEBUSSY


Mi sombra va silenciosa
por el agua de la acequia.

Por mi sombra están las ranas
privadas de las estrellas.

La sombra manda a mi cuerpo
reflejos de cosas quietas.

Mi sombra va como inmenso
cínife color violeta.

Cien grillos quieren dorar
la luz de la cañavera.

Una luz nace en mi pecho,
reflejado, de la acequia.

NARCISO

Niño.
¡Que te vas a caer al río!

En lo hondo hay una rosa
y en la rosa hay otro río.

¡Mira aquel pájaro! ¡Mira
aquel pájaro amarillo!

Se me han caído los ojos
dentro del agua.

¡Dios mío!
¡Que se resbala! ¡Muchacho!

... y en la rosa estoy yo mismo.

Cuando se perdió en el agua
comprendí. Pero no explico.

posted by camponesa pragmática on 11:21


 

Roy Lichtenstein | Still Life with Folded Sheets | 1976

posted by camponesa pragmática on 10:12


quarta-feira, janeiro 21, 2004  
Para que é que serve um cartão de crédito? Para comprar um livro que surge à nossa frente quando as compras já estão proibidas até ao fim do mês. Mas o que é que posso fazer se aparece o Thomas Bernhard a atanazar-me dizendo que um museu sem Goya não presta e a minha casa sem este livro não vale nada, e a Zazie a empurrar-me. E até eu vejo que vale a pena, o livro inclui a reprodução completa das quatro séries (caprichos, desastres, tauromaquia e disparates), está bem impresso, escrito num espanhol escorreito e custa apenas catorze euros...

Goya y su tiempo



En la serie "Los Caprichos" el autor era presentado a la crítica no como "imitador servil de la realidad, sino como inventor".

Los Caprichos podrían ser considerados como aportación personal de Goya para remediar la situación nauseabunda de España.

"El miércoles 6 de febrero de 1799 un anuncio aparecido en la primera página del Diario de Madrid daba cuenta de la publicidad de "Los Caprichos". Se vendían en una tienda de licores y perfumes en la calle del Desengaño n°1. El precio de la serie completa era de 320 reales.

Alrededor de 1803 Goya retiró la venta de los Caprichos y entregó al rey las planchas y los 240 ejemplares no vendidos empujado por el miedo a la inquisición.

Isidro, el criado de Goya le preguntó:
¿Para qué pinta usted esas barbaridades de los hombres?

Goya contestó:
"Para tener el gusto de decir eternamente a los hombres que son unos bárbaros".

Notas retiradas do livro Goya, Caprichos Desastres Tauromaquia y Disparates, da Editorial Gustavo Gili, Barcelona, Espanha.

posted by Anónimo on 18:53


 
Sob escuta:

Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar

Quando
tu me vires no music-hall
estarei no palco
cabeça do sol
ao sol da noite das luzes
à espera dum outro sol
e que os teus olhos os uses
como quem usa um farol
não me olhes só dessa frisa lateral
desce pela cortina e acompanha-me em cena
vamos dar à perna como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos bailar

Quando
tu me vires na televisão
estarei no écran
pés assentes no chão
a fazer publicidade
mas desta vez da verdade
mas desta vez da alegria
de duas mãos agarradas
mão a mão no dia a dia
não me olhes só desse maple estofado
desce pela antena e vem comigo ao programa
vem falar à gente como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos cantar

E quando
à minha casa fores dar
vem devagar
e apaga-me a luz
que a luz destrouta ribalta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta.


posted by camponesa pragmática on 17:18


 
Posición

Amo a Walt Whitman por su barba enorme
y por su hermoso verso dilatado.
Estoy de acuerdo con su voz, conforme
con su gran corazón desparramado.

Escucho a Nietzsche. Por las noches leo
un trozo vivo de Síls-Maria. Suena
a mar en sombra. Mas ¡qué buen mareo,
qué sombra tan espléndida, tan llena!

Huyo del hombre que vendió su hombría
y sueña con un dios que arrime el hombro
a la muerte. Sin Dios, él no podría
aupar un cielo sobre tanto escombro.

Pobres mortales. Tristes inmortales.
España, patria despeinada en llanto.
Ríos con llanto. Lágrimas caudales.
Este es el sitio donde sufro. Y canto

Blas de Otero

posted by camponesa pragmática on 16:29


 


Tenho ouvido algumas das histórias de Daniil Harms na Antena 2, são deliciosas.
A primeira vez que ouvi falar dele foi aqui. Quero mais…

illusion d'optique

Sémion Sémionovitch chausse ses lunettes, regarde un pin et voit que sur ce pin est assis un type qui lui montre le poing.

Sémion Sémionovitch enlève ses lunettes, regarde le pin et voit qu'il n'y a personne sur le pin.

Sémion Sémionovitch chausse ses lunettes, regarde le pin, et de nouveau, il voit qu'un type est assis sur le pin et lui montre le poing.

Sémion Sémionovitch enlève ses lunettes et voit de nouveau qu'il n'y a personne sur le pin.

Sémion Sémionovitch chausse de nouveau ses lunettes, regarde le pin et voit de nouveau qu'un type est assis sur le pin et lui montre le poing.

Sémion Sémionovitch refuse de croire à ce phénomene et en conclut qu'il s'agit d'une illusion d'optique.

Nota: E não é que o Manuel Resende pegou no Sémion e transformou-o no Semião!?

posted by Anónimo on 11:16


 


“Vê lá se focas bem o filme”, disse a senhora que avia os cafés ao projeccionista. Imagino que lhes faz confusão um filme tão escuro, olham para nós com um ar caridoso como se precisassemos de ajuda ou de pena. Na sala encontrei a Alexandra, falámos por alto do João César Monteiro, do bom gosto gastronómico (uma lista de deliciosos pratos desde "À Flor do Mar" até "As Bodas de Deus"), do modo como ele retrata a cultura portuguesa nesse sentido profundo da palavra: o clima, a paisagem, a comida, as raízes, a literatura.

E a Branca de Neve? O filme começa com uma errata (é verdade, numa cena o princípe vai enganar-se e trocar a humidade pela humanidade), depois as imagens de Walser morto na neve e começa a acção: as cenas escuras quando há diálogos, entrecortadas por planos de céu enevoado que custam a suportar pela claridade e pela música agreste.

A história desenvolve-se, será a Raínha tão má como a pintam? E a doce Branca de Neve tão ingénua e boa? E o Caçador, porque faz o que faz? E o Príncipe vacilante? E o Pai tão ausente? Ninguém quer o seu papel, todos fogem. Às tantas a raínha ensina à filha que o amor e o ódio convivem lado a lado, que nada é simples, que a moral do conto foi inventada, que podem fazer jogos diferentes e fazem. Num diálogo brilhante com o Caçador (belíssima interpretação de Luís Miguel Cintra) Branca de Neve aquiesce a tudo, sim, a tudo diz sim, tudo aceita e porquê? É isto a doçura? Ou é o seu contrário?

É estranho ouvirmos apenas as vozes, há também uns pássaros mas nada mais, mais nenhum som, os personagens não se movem e isso é estranho, parece que estão todos mortos e talvez estejam, eles e nós?

No fim João César Monteiro avisa-nos que acabou mas não acabou nada, saímos e a noite estava gelada e escura.

posted by Anónimo on 10:33


 
:: para ti ::

Infância: irmãos, amigos, brincadeiras e outras coisas


Terry Morgan, O primeiro amor

Não sei onde começa (ou acaba) a minha infância (ou a minha adolescência). Gosto de me imaginar como uma árvore que cresce, dá folhas, flores e frutos sem se preocupar em assinalar no calendário as primeiras folhas, as primeiras flores ou os primeiros frutos. No fundo o que eu gostaria era de poder responder, quando me inquirissem àcerca do meu aniversário, que faço anos quando o milho começa a ditar carocha. Ers isso que me confidenciava alguém de barbas brancas, algures na minha infância (ou na minha adolescência).

João Sousa Braga
a abrir o segundo capítulo de “Lua Negra” de Terry Morgan
© Assírio & Alvim

posted by Anónimo on 09:12


 
Vai e Vem



João Vuvu, viúvo, sem família, à excepção de um filho que se encontra a cumprir pena de prisão por duplo homicídio e assalto a um banco à mão armada, vive sozinho em casa própria, ampla, soalheira e indiciadora de apreciável abastança, num bairro antigo de Lisboa, situado no sopé do Monte Olivete.

Pouco ou nada sociável, o senhor João Vuvu efectua diariamente o seu passeio no autocarro nº 100, repetindo infatigavelmente o mesmo trajecto: no sentido ascendente entre a praça das flores e o jardim do Príncipe Real e, no sentido descendente, até ao ponto de partida e subsequente regresso a casa. Apenas alguns acidentes de percurso podem episodicamente alterar este quotidiano que parece corresponder à vontade de isolamento do protagonista, à assunção de um exílio que o torna relapso a qualquer aproximação social.

A casa, onde livros e discos são as únicas companhias de João Vuvu, começa a requerer urgentemente os préstimos de uma mulher-a-dias que, com um mínimo de qualificações, teima em não aparecer.

A saída do filho da prisão e a decepção que o seu desejo de regeneração provoca no pai, irá desencadear uma série de sombrios acontecimentos em que a índole criminosa do protagonista se manifesta e o condena a um destino definitivamente fora da lei e a comunidade.

Salvaguardadas as devidas diferenças, duas referências cinematográficas marcantes: The fatal glass of beer de W.C. Fields e Monsieur Verdoux de Charles Chaplin.

Cinema Nun' Álvares| às: 15h00 / 18h15 / 21h30

posted by Anónimo on 09:05


terça-feira, janeiro 20, 2004  
sintonizem:

O Manuel António Pina está na antena 2, neste momento.


posted by Anónimo on 17:50


 
Alegria na cozinha

Esta manhã um homem sentado à minha frente no autocarro lia o "24 Horas". Vi, na 1ª página, uma fotografia, ao comprido, de Lúcia Moniz e, ao lado, letras gordas que diziam qualquer coisa a respeito de Catarina Furtado. Publicações com 1ªs páginas deste tipo exercem sobre mim grande fascínio, só equiparável, talvez, ao que sinto por panos de cozinha com o Galo de Barcelos. Tentei ler mas sempre que estava quase a conseguir o jornal desviava-se – o passageiro pugnava, com crescente aflição, pela exclusividade do seu jornal. Descobri agora mesmo que o "24 Horas" tem uma página na internet e pude ler e ver, finalmente, toda a 1ª página. Dava um lindo pano de cozinha.

posted by camponesa pragmática on 13:57


 

© Harry Zernike | Spring

posted by camponesa pragmática on 13:14


 

© Michelle Kloehn | Jess Lake

posted by camponesa pragmática on 13:12


 

© Shannon Ebner | Sea Scape

posted by camponesa pragmática on 13:11


 

© Marian Roth | The Pasture

posted by camponesa pragmática on 13:09


 

© John Matturri | NYC Fifth Avenue

posted by camponesa pragmática on 13:07


 
Em vez de olhar, prefiro escutar.

«O soluço é a melodia da tagarelice walseriana. Revela-nos de onde vêm os seus preferidos. Da loucura, e de mais nenhuma parte. São personagens que atravessaram a loucura e é por isso que permanecem de uma superficialidade tão dilacerante, tão totalmente inumana, imperturbável. Se quisermos designar numa palavra o que têm simultaneamente de engraçado e terrível, podemos dizer: estão todos curados. Claro que não saberemos nunca qual foi o processo dessa cura, a menos que ousemos debruçar-nos sobre a sua Branca de Neve.»
Walter Benjamin

Robert Walser retoma o conto onde Grimm o deixou. As personagens, na mão do poeta, permitem-se tudo, mesmo fazer uma careta à lenda.

Que imprudente ideia, a do príncipe, ter interrompido Branca de Neve no melhor dos sonos e, com um beijo que ela negará sempre, retirá-la do caixão de vidro para a restituir à vida, isto é, à carne, e arrogar-se direitos sobre ela.

Neste "dramolote", Walser está ainda mergulhado nos conflitos da infância. Nota-se aqui quando o pai é inexistente. É sempre com a mãe, ou a madrasta, que a heroína se deve confrontar.

Se Branca de Neve deseja morrer ou regressar ao país dos seus anões, é porque não está convencida da boa-fé da rainha. A sua madrasta não quis envenená-la? Quando Branca de Neve, salva pelo príncipe, voltou à vida, a rainha, graças aos seus beijos, não incitou, acto contínuo, o caçador a apunhalá-la?

E eis o príncipe e a jovem, tão pura quanto o seu nome indica, - o qual evoca para nós a morte de Walser na neve - aterrorizados por uma cena bestial entre a rainha e o caçador. O homem está deitado sobre a mulher e as suas atitudes parecem aos dois inocentes uma brutalidade espantosa. O amor será isto? Uma luta encarniçada?

Beijos envenenados, amor e crime intimamente imbricados, é absolutamente imprescindível corrigir o conto de Grimm. A mãe, madrasta, não pode ser tão malvada, seria insuportável. Mas Branca de Neve deve aprender que amor e ódio não estão nunca muito afastados. Ela compreende. Julgava-se - como Robert - "ferida, expulsa, perseguida, odiada". Era apenas tonta e agora tudo acaba em bem. Branca de Neve escolheu ser feliz.

Por que preço? O dilema é quase hamletiano: a afirmação da pequenez do sim, implica a renúncia à grandeza do não. Os derradeiros flocos de neve derretem-se ante o triunfo dos raios solares. O mundo social não hospeda o mundo mítico.

Le bonheur n'est pas gai.

Ó noite, coberta pelo teu manto de lua: a neve, a neve ainda?

Marie-Louise Audiberti/João César Monteiro


Música: Gioachino Rossini, Salvatore Scciarrino, Heinz Hölliger

Cinema Nun' Álvares | sessões às: 15h00 / 21h30

posted by Anónimo on 11:57


 
Thomas Pynchon e o banjo

um cromo para a caderneta do Luís:

Laurie Anderson: I wrote a letter to Thomas Pynchon proposing doing an opera based on "Gravity's Rainbow". I got a beautiful letter from him saying he'd be delighted, but with one stipulation: that it be scored for solo banjo. Some people have a great way of saying "no way". At some point I'd like to try again to see if he's expanded the instrumentation.

posted by Anónimo on 11:15


 
Saudação

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.

Ezra Pound, tradução de Mário Faustino

posted by Anónimo on 11:10


segunda-feira, janeiro 19, 2004  
As bodas de Deus



Nota de Intenções:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Luiz de Camões


Se o percurso dos filmes não fosse sujeito a mundanos e variados acidentes, o deste teria retomado o seu fôlego reparador no fim de A COMÉDIA DE DEUS e, encontrado que estava o ritmo e o ânimo para o resto da caminhada (as excepções são as cenas do psiquiatra e do hospício, filmadas em 1995), tudo parecia indiciar uma rota segura e o povoamento da terra arável de um sonho tomado no seu absoluto amoroso, isto é, horrorosamente monogâmico.

Teríamos, por certo, um silogismo nupcial suficientemente solar para ser não só portador da sua própria incandescência, como para encandear a substância selénica do filme precedente (A COMÉDIA), esclarecendo-lhe, na sua função de agente revelador, a alquimia do seu sentido obscuro.
Ora, dado que a história das coisas não só não foi essa, como não foi moldada em acordo e consonância com o nosso novo desejo, receio bem que, uma vez mais, nos encontremos confrontados com uma aporia tanto mais perversa quanto mais delicada.

Não lembra ao diabo fazer um filme que, ainda por cima com alguma ironia, nos fala repetidamente da impossibilidade do seu propósito, da impossibilidade da sua razão de ser.

Sossegai-vos, no entanto, ó incrédulos. Pode-se viver com isso, pode-se viver assim.

E alguns de nós, (poucos, espero), terão de convir que AS BODAS DE DEUS é um filme delicioso. Noblesse oblige.

João César Monteiro

Cinema Nun' Álvares | 21h30


posted by Anónimo on 20:34


 
O que havia debaixo da cama?


Terry Morgan, O Medo

À infância só se chega partindo de muito longe. A infância é aí, onde partes, não onde chegas. Olha para trás. Que vês? Nada. A memória é a única coisa que verdadeiramente te pertende, mas lembras-te de um estranho. Como poderias, há muitos anos, saber que eras apenas a lembrança de um estranho:

tu?

Lembras-te do carrinho de pau? Lembras-te do poço? O que havia debaixo da cama? O que estava escondido atrás dos cortinados?

Palavras é tudo o que tens. O carrinho de pau: palavras. o cão: palavras. o medo: palavras. Alguma vez tiveste outra coisa?

Manuel António Pina

Este texto faz parte do belíssimo livro de Terry Morgan, "Lua Negra" (editado em 2000 pela Assírio & Alvim e Bedeteca) que vai continuar em rodagem aqui pela janela.

posted by Anónimo on 19:19


 
sob escuta


posted by camponesa pragmática on 15:31


 
Arrumar os livros

Arrumar os livros quer dizer tirar dezenas de fotografias que estão à frente (ainda não me atrevi a furar as paredes da minha casa), os marcadores de livros, postais e rolos, e n pequenos outros objectos que não sei como se misturaram com os livros, e levá-los para lugar seguro, longe a confusão que será a sala nas horas seguintes.

É uma pequena mudança.

Recortam-se as letras do alfabeto em quadrados de papel e espalham-se pelo chão. Os livros retiram-se das estantes e são empilhados na letra correspondente. Há creme por perto porque as mãos vão acumulando pó.

Não encontro alguns livros. Tenho mesmo de arranjar um livro de saídas e de entradas para família e amigos. Isto não é a casa da sogra.

Encontro um búzio grande que o meu avô me deu quando eu tinha dois anos. Pode não ser o mar, mas ninguém diria.
A sala está cheia de sol.


© Georges Gonon-Guillermas

posted by camponesa pragmática on 14:59


 
O Sétimo Selo

E havendo o cordeiro aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu, quase por meia hora. E vi os sete anjos que estavam diante de Deus…




Como é que se vive depois deste filme? E como é que se vive antes?

posted by camponesa pragmática on 13:38


 
Não resisto a publicar todo o artigo de Rui Pereira. Subscrevo todos os elogios do jornalista. No sábado a sala estava cheia e satisfeita, o concerto foi excelente e o Remix Ensemble continua a ser formidável. Uma vez por outra há boas surpresas na cidade.

Contos Musicais

O Remix Ensemble, dirigido pelo seu maestro titular, o britânico Stefan Asbury, deu no sábado um dos mais interessantes e bem executados concertos de que há memória. Desde a criteriosa programação que focou diferentes perspectivas sobre uma temática comum - a da infância como elemento pictórico de um imaginário colectivo e, de certa forma, intemporal - à escolha de uma primorosa solista ou à estreia de uma obra encomendada pela casa da música, foram muitas as razões para o estrondoso sucesso do concerto.

1 - O maestro: a razão de reforçarmos a sua excelência advém da justeza que imprime à formação sem prejudicar, com esse rigor, a flexibilidade necessária à projecção da plasticidade sonora. São raros os maestros que conseguem uma destas coisas sem prejuízo da outra. Asbury controla os mais ínfimos detalhes mantendo a frescura da espontaneidade, sendo de notar o altíssimo nível artístico que espelha no Remix sempre que o dirige.

2 - A solista: a finlandesa Piia Komsi deu voz a "Akrostichon-Wortspiel", sete cenas sobre contos de fadas para soprano e ensemble, da sul-coreana Unsuk Chin. Senhora de um vasto colorido vocal e conhecedora dos mecanismos que projectam emoções, Komsi surpreendeu pela expressividade e virtuosismo que ofereceu a esta música de execução transcendente. A peça explora a fusão sonora entre os diversos instrumentos e a voz, muitas vezes num jogo de ocultações dos transitórios de ataque, o momento essencial para a percepção tímbrica de cada instrumento, outras vezes num contraponto imitativo ao nível da articulação dos sons. A comunhão entre a soprano e o ensemble atingiu mesmo requintes de ilusionismo dando a sensação de que a cantora continuava a emitir som após a voz se extinguir.

3 - O ensemble: desde a exactidão com que mostrou a filigrana rítmica da atractiva estética, muitas vezes próxima de uma atitude minimalista, da peça de Hans Abrahamsen, até ao difícil desafio que cada músico passou ao manter uma afinação independente do resto do grupo na microtonalidade de Unsuk Chin, passando pelas reminiscências românticas de "Kinderszenen mit Robert Schumann", de Brice Pauset, o Remix foi superlativo.

4 - a estreia mundial: ao encomendar uma peça com base nas "Cenas Infantis" de Schumann, a Casa da Música estaria consciente do risco que se corre ao mexer numa obra-prima da música, pelas altas expectativas, ou mesmo desconfiança, que pode originar no público. No entanto, Brice Pauset foi extremamente feliz na sua abordagem, uma visão "Freudiana" mas repleta de bom humor e até uma certa rebeldia sobre o original de Schumann. Mantendo a integridade da peça que conhecemos, Pauset abriu vários parênteses que resultaram numa metáfora interpretativa, numa materialização do que está para além das partitura e que, tantas vezes, cruza o imaginário dos intérpretes.

Em resumo:
Música contemporânea executada primorosamente e recebida com grande entusiasmo pelo público


© Público

posted by Anónimo on 13:14


 
Surrealismo, o que é? #9

É desejarmos estar no México, em Guadalajara e não conseguirmos, nem em sonhos:

– Estás a confundir, isso é realismo.
– Achas?
– Claro, o surrealismo consegue acima de tudo o impossível e então em sonhos nem se fala… essa frase não tem ponta por onde se pegue.
– Bom, vou corrigir. Que tal: Surrealismo é desejar estar no México, em Gradalajara e descobrir que há anos que lá estamos.
– Está melhor, cumprimentos ao Oliverio Macías Álvarez e traz-me um bolo…


"Os Esquecidos" ("Los Olvidados", 1950), uma das obras-primas da cinematografia de Luis Buñuel, vai ser exibido no Festival de Cinema Mexicano, que começa hoje em Guadalajara. O filme do mestre espanhol, classificado como Memória do Mundo pela UNESCO, vai passar em cópia restaurada. O sistema utilizado pelos especialistas da Universidade Nacional Autónoma do México permitiu devolver à película o seu aspecto original. Rodado num bairro desfavorecido da Cidade do México, "Os Esquecidos" conta a história de um rapaz, El Jaibo (Pedro Infante), que foge de um reformatório para se juntar a um grupo de pequenos marginais que vive de assaltos e acaba por se envolver num homicídio.

© Público

posted by Anónimo on 13:09


 
Surrealismo, o que é? #8


Cazadora de Astros, 1956

É a exposição de Remedios Varo (1908-1963) na Montanha Mágica. Uma cortesia do Luís.

"Varo used imagery in her work related to her father's profession. Fantastic and complex pieces of machinery recur throughout her work relating to her studies of alchemy theories and processes. Her figures, autobiographical in many respects, are fantastic, often incorporating science, dreams, witchcraft, and humor into psychological and spiritual journeys."

posted by Anónimo on 13:07


 
sob escuta





Tomás Bretón, Habanera concertante
clique

posted by zazie on 02:29


domingo, janeiro 18, 2004  

Piet Mondrian | Broadway Boogie Woogie | 1942-1943
Oil on canvas | 127 x 127 cm


"Mondrian arrived in New York in 1940, one of the many European artists who moved to the United States to escape World War II. He fell in love with the city immediately. He also fell in love with boogie-woogie music, to which he was introduced on his first evening in New York, and he soon began, as he said, to put a little boogie-woogie into his paintings.

Mondrian's aesthetic doctrine of Neo-Plasticism restricted the painter's means to the most basic kinds of line—that is, to straight horizontals and verticals—and to a similarly limited color range, the primary triad of red, yellow, and blue plus white, black, and the grays between. But Broadway Boogie Woogie omits black and breaks Mondrian's once uniform bars of color into multicolored segments. Bouncing against each other, these tiny, blinking blocks of color create a vital and pulsing rhythm, an optical vibration that jumps from intersection to intersection like the streets of New York. At the same time, the picture is carefully calibrated, its colors interspersed with gray and white blocks in an extraordinary balancing act.

Mondrian's love of boogie-woogie must have come partly because he saw its goals as analogous to his own: "destruction of melody which is the destruction of natural appearance; and construction through the continuous opposition of pure means—dynamic rhythm." The Museum of Modern Art, New York

posted by camponesa pragmática on 23:21


 
Classificados

No fim da sessão da “Comédia de Deus” pedi para falar com o projeccionista, “de certeza que houve uma troca nas bobines”, expliquei à senhora que me vendeu o bilhete mas ela ripostou logo que era impossível “só existe uma bobine” e ria-se do meu disparate. Eu não me ri do disparate dela, ignorei e subi as escadas, o projeccionista veio com a mesma história: impossível! Pois mas para mim também é impossível que exista esse flashback desconchavado. “Mas não tem a certeza?” perguntou ele. “Pois não, que chatice, não é?”, pensei mas mantive-me calada e aí ele aproveitou para me explicar que às vezes isso faz-se no cinema, às vezes a história não é contada de forma linear, voltam atrás…. ai, ai, ai, quem é que me ajuda, quem é que me assegura que a cena do francês (sublime) não acontece depois da compra dos sessenta pacotes de leite? Quem é que me garante que não há retrocessos temporais no filme?


posted by Anónimo on 22:30


 
Tem mais samba

Tem mais samba no encontro que na espera
Tem mais samba a maldade que a ferida
Tem mais samba no porto que na vela
Tem mais samba o perdão que a despedida
Tem mais samba nas mãos do que nos olhos
Tem mais samba no chão do que na lua
Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer

Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver

© Chico Buarque | 1964

Faz falta a flauta, ao fundo. Chico Buarque e as flautas ao fundo.

posted by camponesa pragmática on 22:00


 


C - (...) Eu lembro que fiz até na hora do almoço, não tinha nada a ver com banda, estava com fome, esperando o almoço. Eu tive a idéia da imagem da banda passando e vi várias coisas acontecendo. Não saiu a letra antes da música, foi a idéia da letra que saiu antes de qualquer coisa. A idéia da banda passando e das coisas que acontecem. Logo eu tive várias imagens: a moça que vai para janela, o cara contando o dinheiro. Aí peguei o violão e saiu.

E - Sabe a data precisamente?

C - Não sei, mas foi em julho desse ano.

E - Você elaborou a estrutura básica da melodia da música antes do almoço ou almoçou e de barriga cheia fez essa obra prima?

C - (risos) Eu não sei. Quando vem a coisa assim já fico entusiasmado. A coisa melhor do mundo é isso. Faz um tempão que não faço nada, ontem tive a impressão que ia fazer um samba, aí fui buscar o violão, quando achei já não tinha mais vontade. Na hora tem aquela idéia fixa, aí não tem fome, não tem nada.

E - Você não almoçou no dia em que compôs A banda?

C - Almocei sim. Devo ter almoçado mais tarde, com o lápis e papel na mão. Eu fiz quase inteira de estalo, o único problema que ficou foi de mandar a banda embora. Aquele final todo foi posterior. Não queria deixar a banda tocando para sempre na rua, porque eu gosto de deixar as coisas mais reais.

+ aqui


posted by camponesa pragmática on 21:40


 
Sob escuta:
"O Princípio" – Chico Buarque


"O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.

A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mas subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a música, viva o sopro de amor que a música e banda vem trazendo, Chico Buarque de Hollanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, na falta de ar.

A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a idéia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra. Não convida a matar o inimigo, ela não tem inimigos, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto Medeiros, fazendo penetrar neles o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais.

Meu partido está tomado. Não da ARENA nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da conveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão.

Se uma banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingadores e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etcéteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira. Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrange terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longínqua, chamando o velho fraco, a mocinha feia, o homem sério, o faroleiro... todos que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente."

© Carlos Drummond de Andrade | 1966

posted by camponesa pragmática on 20:27


 
O telemóvel

A Grande Reportagem deste fim-de-semana traz um pequeno trabalho sobre o telemóvel – "o telefone que mudou a nossa vida". Não percebi aquela parte sobre "a facilidade com que, em qualquer lado do mundo, podemos falar com quem não queríamos falar"… o telemóvel não me afectou o livre arbítrio.

Ah, mas o artigo vem ilustrado com fotografias do Martin Parr, as dos telemóveis! Aquelas que nunca na Janela se mostraram! Que falha, que falha. É imperdoável. Não pode ser.


© Martin Parr / Magnum Photos

posted by camponesa pragmática on 19:48


 

bayard



“[…] Da vida do refugiado francês, Álvaro Matias pouco sabia. E pouco sabe ainda hoje. Apenas que no país de origem vivia bem e «trabalhava como uma espécie de farmacêutico». Mal a guerra fora declarada, mudara-se com a família, tal como muitos outros, para Lisboa, trazendo na bagagem bastante dinheiro e a confiança de que o conflito duraria apenas alguns meses. «Mas a guerra não durou apenas alguns meses, como sabemos, e ele foi gastando o dinheiro que tinha. Começou a ter dificuldades e, às tantas, era eu que o ajudava.» Assim, nos primeiros anos da década de 40, os papéis invertem-se e, embora ainda trabalhasse como marçano, Álvaro passa a benfeitor do Dr. Bayard. Dispensa-lhe alguns bens de consumo e ainda parte do seu magro rendimento. «Nunca lhe faltou nada! Mesmo com o racionamento imposto pela guerra, eu lá ia arranjando um quilinho de manteiga ou outro produto mais difícil de conseguir.»

Com a libertação da França, Bayard decide regressar ao seu país. Cinco anos a viver em Portugal tinham-no deixado à beira da penúria e era urgente recomeçar de novo. À despedida, não se esquece do marçano português. Quer deixar-lhe uma recordação, um agradecimento. E deixa a Álvaro Matias uma estranha oferta: umas quantas latas pequenas e redondas, vazias, com desenhos de umas caras a tossir, pintadas a vermelho e azul, e um pedaço de papel. «Ele disse-me que aquelas caixinhas eram de uns rebuçados que ele fazia lá em França e que vendiam muito na altura das gripes e constipações, pois eram bons para o peito. O pedaço de papel era a receita dos rebuçados…», recorda […]"

© Cláudia Rodrigues / Grande Reportagem

posted by camponesa pragmática on 18:51


 
A Comédia de Deus

Os dias do senhor João de Deus decorrem sem grandes sobressaltos, divididos entre o seu trabalho no "Paraíso de Gelado" onde, a contento de todos, desempenha as funções de encarregado e de inventor da especialidade da casa, o famoso gelado "Paraíso", que faz as delícias da clientela, e a sua casa, onde, paralelamente aos trabalhos domésticos, ocupa as suas horas de ócio, quase sempre solitárias, a coleccionar pentelhos femininos, num precioso album a que chama "Livro dos pensamentos".

As raparigas de origem modesta constituem o pessoal do estabelecimento, são objecto dos cuidados permanentes do responsável, zeloso pelo cumprimento de regras básicas de higiene que não façam perigar a saúde pública.

Satisfeita com o curso do negócio, Judite, a patroa, sonha fundi-lo com uma empresa francesa e conta com os préstimos de João de Deus para impressionar favoravelmente um famoso geladeiro francês, vindo expressamente de Paris para provar a especialidade da casa. Os resultados são nulos e saldar-se-ão por um rotundo fracasso.

Entretanto, o comportamento de João de Deus - até aí sem falhas - começa a apresentar sintomas de desvios algo inquietantes. Que o digam a senhora arquitecta, Rosarinho e Virgínia.

Um belo dia, João de Deus encontra a Joaninha de olhos verdes, a filha do corpulento talhante da esquina e, depois de a ter atraído a sua casa, presenteia-a, não só com um banho de leite de vaca, como com tantas e tais guloseimas, que a menina se sente acometida de indisposição intestinal, o que, felizmente, graças a João de Deus, é passageiro.

O carniceiro progenitor, pretextando bestiais ofensas ao hímen de Joaninha, prepara-se para lavar a honra ultrajada num banho de sangue.

Hospitalizado de urgência, em estado considerado desesperado, João de Deus consegue, todavia escapar às garras de morte. Também Judite, desta vez, não se compadece: despedimento com justa causa.

De regresso a casa, aguarda-o um quadro devastador: uma montanha de destroços, tudo feito em cacos, o "Livro dos pensamentos" reduzido a cinzas.

Música: Claudio Monteverdi; Joseph Haydn, Richard Wagner; Johann Strauss Jr.; Quim Barreiros; Deutsland Über Alles; La Marseillaise; Alma Negra

Cinema Nun' Álvares | sessões às: 15h00 / 18h15 / 21h30

posted by Anónimo on 13:29


 
Bella Ciao




João César Monteiro, Vai e Vem




posted by zazie on 01:07


 
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