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Janela Indiscreta
 
quinta-feira, janeiro 22, 2004  
O Jantar (Para a Alexandra)

Este jantar foi maravilhoso. Havia mostarda suficiente e tudo foi acompanhado com vinho do melhor. A sopa estava de facto um pouco espessa e o peixe não contribuiu para a conversa, mas ninguém lhe levou a mal. Garfos e colheres tagarelavam animadamente. Foram derramados sobre a mesa molhos que nos entusiasmaram, sobretudo a mim, que autenticamente brilhava e quase definhava com tanto prazer. Um assado bastante rijo e corajoso preocupava-se em preparar os dentes para o uso. Gostei dele. Entre outras coisas foi servido um pato. A dona da casa ria incessantemente, à socapa, e os criados tentavam encorajar-nos com palmadas no ombro.
Delicioso era também o queijo. Mal nos levantámos, voou um charuto para a boca de cada um e para cada mão uma chávena de café. A loiça desaparecia assim que ficava vazia. Enterrámo-nos até ao pescoço em conversas espirituosas. O licor punha-nos a nadar por tempos mais bonitos e, quando uma cantora se fez ouvir, ficámos todos fora de nós. Depois de nos restabelecermos, sacudiu-nos com poemas um poeta. Mas apesar de tudo escorria ainda a cerveja e não houve quem deixasse de aproveitar.
Entre os convidados estava um congelado. Todos os esforços para o tentar reanimar foram em vão. Os vestidos das senhoras é que eram fantásticos, deixavam muito à vista e não sobrava nada para se desejar. Um dos convidados dava nas vistas por trazer uma coroa de louros que ninguém invejou. Um outro polemizou durante tanto tempo que a certa altura se viu isolado dado que já ninguém o aturava. Uns quantos músicos tocavam Mendelssohn e eram escutados com atenção. Alguém sacou de vários peitilhos, colarinhos e narizes, com uma velocidade impressionante. A brincadeira foi um pouco grosseira mas ninguém a tomou à letra. Um director de um teatro fantasiava dramas de esgotar plateias e um editor publicações capazes de marcar uma época.
Ao sair, depus na mão do criado uma nota de cem. Ele devolveu-ma dizendo que estava habituado a valores mais elevados. Pedi-lhe que se contentasse com menos, só desta vez. Lá fora esperava-me um carro que me levou dali, e assim fui e ainda hoje vou.

Robert Walser, tradução de José Maria Vieira Mendes publicada na revista Ficções de comer

posted by Anónimo on 21:05


 
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