“[…] Da vida do refugiado francês, Álvaro Matias pouco sabia. E pouco sabe ainda hoje. Apenas que no país de origem vivia bem e «trabalhava como uma espécie de farmacêutico». Mal a guerra fora declarada, mudara-se com a família, tal como muitos outros, para Lisboa, trazendo na bagagem bastante dinheiro e a confiança de que o conflito duraria apenas alguns meses. «Mas a guerra não durou apenas alguns meses, como sabemos, e ele foi gastando o dinheiro que tinha. Começou a ter dificuldades e, às tantas, era eu que o ajudava.» Assim, nos primeiros anos da década de 40, os papéis invertem-se e, embora ainda trabalhasse como marçano, Álvaro passa a benfeitor do Dr. Bayard. Dispensa-lhe alguns bens de consumo e ainda parte do seu magro rendimento. «Nunca lhe faltou nada! Mesmo com o racionamento imposto pela guerra, eu lá ia arranjando um quilinho de manteiga ou outro produto mais difícil de conseguir.»
Com a libertação da França, Bayard decide regressar ao seu país. Cinco anos a viver em Portugal tinham-no deixado à beira da penúria e era urgente recomeçar de novo. À despedida, não se esquece do marçano português. Quer deixar-lhe uma recordação, um agradecimento. E deixa a Álvaro Matias uma estranha oferta: umas quantas latas pequenas e redondas, vazias, com desenhos de umas caras a tossir, pintadas a vermelho e azul, e um pedaço de papel. «Ele disse-me que aquelas caixinhas eram de uns rebuçados que ele fazia lá em França e que vendiam muito na altura das gripes e constipações, pois eram bons para o peito. O pedaço de papel era a receita dos rebuçados…», recorda […]"