Subi à serra das Fontes; percorri a rua do Mar a horas diferentes; perdi a conta às nuvens; arrastei-me pelas esplanadas; ouvi histórias e inventei outras; dei de caras com uma personagem do Kiarostami no Cais da Calheta. Como o Pedro da Silveira, quis morar no ilhéu para acordar todos os dias em frente à praia; deitei-me nas pedras; procurei o Pico por trás de São Jorge; saí de barco em direcção à Terceira, três horas e um quarto de mar. No mercado comprei ameixas da terra e araçãs, figos e uvas de cheiro; pensei roubar as Papoilas para Cesário Verde, de António Dacosta no Museu de Angra e uma versão de Michael Kohlhaas de Agosto de 1973, capa verde, da Inova, que descobri na Biblioteca na Praia da Vitória, mas fraquejei. Subi à serra do Cume; desci à Furna da Água; andei à cata da arquitectura do Ramo Grande. Comi bolo lêvedo ao pequeno-almoço. Vagueei por Angra; entrei em igrejas. Procurei pessoas; encontrei textos. E outras coisas, não menos importantes, que ficam por discriminar.
posted by Anónimo on 12:00
AGOSTO
Com o mar dentro dos olhos
Tonino Guerra, traduzido por Mário Rui de Oliveira
Ferrar uma avestruz, Cadeiral de Catedral de Saint-Jean-de-Maurienne, séc. XV.
"na minha opinião, o homem é tanto mais feliz quanto mais numerosas são as suas modalidades de loucura, contanto que não saia da espécie que nos é peculiar e que é tão espalhada que eu não saberia dizer se haverá, em todo o género humano, um só indivíduo que seja sempre sábio e não tenha também a sua modalidade".
Molloy abjura a personagem à procura do leitor, a ideia à procura de quem a pense.
Procura-se Molloy.
Como encontrá-lo, se nos recusamos a perguntar-lhe quem somos?
posted by Paulo on 18:27
Magician
Magician, Magician
take me upon your wings, and
gently roll the clouds away
I'm sorry, so sorry
I have no incantations
only words to help sweep me away
I want some magic to sweep me away
I want some magic to sweep me away
I want to count to five
turn around and find myself gone
Fly through the storm
and wake up in the calm
Release me from this body
from this bulk that moves beside me
Let me leave this body far away
I'm sick of looking at me
I hate this painful body
that disease has slowly worm away
Magician take my spirit
inside I'm young and vital
Inside I'm alive, please take me away
So many things to do, it's too early
for my life to be ending
For this body, to simply rot away
I want some magic to keep me alive
I want a miracle, I don't want to die
I'm afraid that if I go to sleep I'll never wake
I'll no longer exist
I'll close my eyes and disappear
and float into the mist
Somebody, please hear me
my hand can't hold a cup of coffee
My fingers are weak, things just fall away
Inside I'm young and pretty
too many things unfinished
My very breath taken away
Doctor you're no magician
and I am no believer
I need more than faith can give me now
I want to believe in miracles
not just belief in numbers
I need some magic to take me away
I want some magic to sweep me away
I want some magic to sweep me away
Visit on this starlit night
replace the stars the moon the light, the sun's gone
Fly me through this storm
and wake up in the calm
I fly right through this storm
and I wake, up, in, the, calm
A última vez que vi António Dacosta foi em sonhos nos Açores. Ele estava a ter um sonho e eu entrei lá dentro como visitante. Posso entrar no seu sonho, António Dacosta?, perguntei: Ele levantou a tela do quadro que estava a pintar e respondeu-me: entre lá no meu sonho, isto é, no meu quadro.
Desta ilha à margem de onde passam os cargueiros e paquetes vindos
de Antuérpia, do Havre, da Inglaterra, a proa
feita ao ocidente, às Bermudas, às Pequenas Antilhas, ao Canal
do Panamá e, noutros rumos,
à Nova York dos arranha-céus
ou, sobre o sul, ao Brasil onde tu és
segundo dizes,
rei numa ilha de índios bravos;
desta ilha qualquer pequena, absorta, a novecentas
milhas da ponta mais a oeste
da velha Mão-Europa terra firme; aqui, onde
outrora os marinheiros do Norte - no pavor
dos duros aguilhões cortantes
da sua costa alçada e brava -
um nome sinalaram,
Black Coast,
pelos mil veleiros que bebeu...;
desta ilha que tu, passando ao largo, um dia porventura
contemplaste, curioso e comovido da sua solidão
de rochas pretas, húmidas, verdosas
e pequenos lugares onde as casas,
quais navios varados,
olham o mar a pedir-lhe
caminhos livres infinitos...;
desta ilha que tu, no repartir-te inquieto
pelos longes como ela humildes e calados,
nunca no tempo errado-certo
dos teus dias andados,
brevemente que fosse,
de visita habitaste -
em suas casas e montes
e vales escondidos que o silêncio
orla de nuvens imprevistas...
Aqui, onde nasci e te leio e me desdendas
os segredos mais fundos do Não Visto
e do Visível Revelado,
grito o teu nome sobre as águas
e no vento mais lesto,
grito teu nome e saúdo-te, chamo-te,
ó Mestre das Descobertas Impossíveis!
... Depois espero, um instante penso
e a mim próprio pergunto:
- Seria aqui, à vista desta terra
que tu uma vez,
não podendo abordá-la,
botaste ao mar os teus sapatos
aproados à costa?
Mas não, eu sei; que se fosse
eu os acharia encallhados na praia e logo,
seguro e certo do aviso,
com eles calçados
caminhava
pelo mar chão e sobre as vagas
até lá fora te encontrar.
Quando chegasse ao pé de ti
dir-te-ia somente:
- Je te salue! Bénis-moi, mon Maître!
E não haveria estranheza,
nenhum espanto
em ti, Blaise Cendrars.
De repente, iluminado, tu
exactamente adivinhavas
quem sou, mesmo sem nunca
de lugar nenhum me conheceres:
na minha cara, eu sei, verias
(que mais nada não visses)
os sinais, as feições
das irmandades centenárias.
- Sim, Blaise, é isso: eu mesmo, o neto, derradeiro
talvez - na Europa o único restante -,
do companheiro do teu tio-avô
Johann Suter, o subido e abatido
Rei do Ouro (a ele) Roubado:
Suter, o da miragem mais trágica
de todas as miragens
enormes e luzentes fugazes!
Sim, Blaise, eu mesmo,
longínquo
e imprevisto.
Eu a teu lado, Blaise,
a teu lado, ó meu amigo,
a teu lado, ó meu Mestre de Assombros!
A teu lado e aqui,
anónimo e perdido
neste Fundo da Ausência...
Gritando o teu nome sobre a água,
ajoelhado na água invocando o teu nome
e dizendo-te, tocando
o coto do teu braço bombardeado:
auto-destructive art manifesto
by gustav metzger 1959
Auto-destructive art is primarily a form of public art for industrial societies.
Self-destructive painting, sculpture and construction is a total unity of idea, site, form, colour, method, and timing of the disintegrative process.
Auto-destructive art can be created with natural forces, traditional art techniques and technological techniques.
The amplified sound of the auto-destructive process can be an element of the total conception.
The artist may collaborate with scientists, engineers.
Self-destructive art can be machine produced and factory assembled.
Auto-destructive paintings, sculptures and constructions have a life time varying from a few moments to twenty years. When the disintegrative process is complete the work is to be removed from the site and scrapped.
«You see, such theories do not give an absolute answer of truth. They only serve to cause people to become distracted and lose sight of the larger picture of the Creator and who God is. Satan is a master of deception and distraction. He wants you to lose sight of Christ, and focus on impossible things.»
Beyond all this, the wish to be alone:
However the sky grows dark with invitation-cards
However we follow the printed directions of sex
However the family is photographed under the flagstaff -
Beyond all this, the wish to be alone.
Beneath it all, desire of oblivion runs:
Despite the artful tensions of the calendar,
The life insurance, the tabled fertility rites,
The costly aversion of the eyes from death -
Beneath it all, desire of oblivion runs.
A Natureza nunca toma partido e isso enoja-me. Alof não queria que hoje chovesse porque com a chuva era mais difícil descer à cidade e roubar: mas hoje chove.
Se vencermos os tanques depois viramo-nos para a natureza e disparamos.
Não acertavas, disse Klaus, a rir-se.
Um grande morcego ninguém viu, mas havia animais pretos que de noite provocavam acontecimentos.
Nunca percebi os animais. Alof bebe debaixo do céu preto: a cor verdadeira do céu é esta, hoje não tenho qualquer dúvida.
Alof vomitou, com o corpo sentado e a garganta inclinada sobre as ervas pretas de noite.
Recordo-me do barbeiro. Dizia que eu tinha um cabelo estúpido, que crescia pouco: não lhe dava rendimento.
Alof tinha acabado de vomitar, da sua boca vinha um cheiro nojento, Klaus ria-se:
É agora que te lembras do barbeiro.
Alof subitamente tirou uma flauta do balde preto.
Não vais tocar assim, a tua boca está nojenta.
Vou tocar assim, disse Alof. E pegou na flauta pela primeira vez desde há meses e a enojar-se do sabor da boca começou a tocar.
No final, virou-se e disse: Mozart.
Tens de lavar a boca, disse Klaus, vou buscar água.
Gonçalo M. Tavares Um Homem: Klaus Klump, Caminho, Outubro de 2003 - pp. 38-39.
Um dia, Johana regressava da mercearia com três maçãs caríssimas, e escutou uma orquestra que no meio da rua interrompida, e quase vazia de pessoas, tocava músicas que ela não conhecia. Não havia palavras, mas a música não era do seu país. Esta música não é daqui, pensou Johana, e começou a correr muito, em direcção a casa, e enquanto corria, chorou.
A música é um sinal forte da humilhação. Se quem chegou impõe a sua música é porque o mundo mudou, e amanhã serás estrangeiro no sítio onde antes era a tua casa. Ocupam a tua casa quando põem outra música.
Cada povo tem direito à sua música e ao silêncio. Tem direito a decidir de que modo quer interromper o silêncio. Direito a escolher que sons quer: que palavra e que nota musical. Mas, repara: não há silêncios populares. Como isso assusta.
Gonçalo M. Tavares Um Homem: Klaus Klump, Caminho, Outubro de 2003 - pp. 25-26.
Assobiam ainda na cidade as balas da liberdade e já os canhões da libertação franqueiam as portas de Paris, por entre gritos e flores. Na mais bela e quente de todas as noites de Agosto, o céu de Paris junta às estrelas de sempre as balas errantes, o fumo dos incêndios e os foguetes multicolores da alegria popular. Perfazem-se nesta noite sem igual, quatro anos de uma história monstruosa e de um combate indizível, em que a França se debateu entre a vergonha e a raiva.
Os que nunca desesperaram de si próprios nem do seu país têm agora, diante dos olhos, a recompensa. Esta noite vale um mundo, é a noite da verdade. Uma verdade em armas e em combate, uma verdade em força, depois de ter sido, durante tanto tempo, uma verdade de mãos vazias e peito descoberto. Encontramo-la em toda a parte, nesta noite em que o povo e o canhão rugem em uníssono. Ela é a voz desse mesmo povo e desse canhão, tem o rosto triunfante e fatigado dos combatentes da rua, cobertos de suor e cicatrizes.
Faz quatro anos que homens se ergueram do meio dos escombros e do desespero e serenos afirmaram que nem tudo estava perdido. Diziam que era preciso continuar e que mediante um preço, as forças do bem podiam triunfar sobre as forças do mal. Preço esse que eles pagaram. Preço caro, com todo o peso do sangue, todo o peso horrível das prisões. Muitos desses homens morreram, outros há que vivem há anos entre cegas paredes. Era esse o preço a pagar. Mas mesmo esses homens, se o pudessem, não nos censurariam esta terrível e maravilhosa alegria que nos invade como uma maré.
Porque a nossa alegria não os atraiçoa. Pelo contrário, justifica-os e afirma que eles tinham razão. Unidos no mesmo sofrimento durante quatro anos, unidos estamos agora na mesma embriaguez, ganhámos a nossa solidariedade. E com espanto reconhecemos, nesta noite alucinante, que nunca, no decorrer destes quatro anos, estivemos sós. Que vivemos os anos da fraternidade.
Duros combates nos esperam ainda. Mas a paz voltará a esta terra esventrada, a todos estes corações torturados de esperanças e de recordações. Não se pode viver sempre de crime e de violência. A felicidade, a ternura mais que justa, a seu tempo virão. Mas a paz não nos tornará esquecidos. E, para muitos de nós, o rosto dos nossos irmãos desfigurados pelas balas, a enorme fraternidade viril e todos estes anos, jamais nos deixarão. Que os nossos camaradas mortos guardem para si a paz que nos é prometida nesta noite ofegante, paz que eles já conquistaram. O nosso combate será o deles.
Aos homens nada é oferecido de graça e o pouco que logram conquistar pagam-no com mortes injustas. Mas não reside aí a grandeza do homem. Reside sim, na decisão de ser mais forte que a sua própria condição. E se essa condição é injusta, há uma única forma de a ultrapassar, que é o ser ele próprio justo. A nossa verdade desta noite, a verdade que plana neste céu de Agosto, traz justamente uma consolação ao homem. E é com o coração em paz que podemos, nós e os nossos camaradas mortos, dizer, face à vitória alcançada, sem qualquer espírito de retaliação ou reivindicação: «Fizemos o que tínhamos a fazer.»
Albert Camus Tradução de Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes
Actualidades, Contexto Editora, 1ª edição: Abril de 2001 - pp. 19-22.
Tudo na Europa, a paisagem e a alma, vos rejeitam serenamente, sem ódios desordenados, mas com a força calma das vitórias. As armas de que dispõe o espírito europeu contra as vossas são as mesmas que nesta terra sempre renascente fazem crescer as searas e as corolas. O combate em que nos empenhamos possui a certeza da vitória, porque é teimoso como a Primavera. (Cartas a um Amigo Alemão)
A Magnum tem em destaque as fotografias de Capa e de Bresson.
Robert Capa. Paris. August 25th, 1944. Members of the French resistance fighting against the German troops. That same day the city was liberated. In June 1944 the Allied forces opened a second front in Normandy (after the one in North Africa and Italy) to liberate France. Between June and August they managed to liberate northern France.
Henri Cartier-Bresson. Paris. 1st arrondissement. Rue de Rivoli. 26th August 1944. French collaboratorationists are shooting from the roofs on the crowd who came to welcome the General DE GAULLE. The general was leading the procession going from the triumphal Arch (tomb of the unknown soldier) untill the cathedral of Notre-Dame.
Para os dias e os meses que se seguiram e o primeiro ano de liberdade em Paris, depois da ocupação alemã, ver também o livro de Doisneau, da colecção Ícons, da Taschen.
There are Jews in the world, There are Buddhists, There are Hindus and Mormons and then, There are those that follow Mohammed, But I've never been one of them...
I'm a Roman Catholic, And have been since before I was born, And the one thing they say about Catholics, Is they'll take you as soon as you're warm...
You don't have to be a six-footer, You don't have to have a great brain, You don't have to have any clothes on - You're a Catholic the minute Dad came...
Because...
Every sperm is sacred, Every sperm is great, If a sperm is wasted, God gets quite irate.
Children: Every sperm is sacred, Every sperm is great, If a sperm is wasted, God gets quite irate.
Child: [solo]:Let the heathen spill theirs, On the dusty ground, God shall make them pay for, Each sperm that can't be found.
Children:Every sperm is wanted, Every sperm is good, Every sperm is needed, In your neighbourhood.
Mum: [solo]: Hindu, Taoist, Mormon, Spill theirs just anywhere, But God loves those who treat their Semen with more care.
Men neighbours: [peering out of toilets]Every sperm is sacred, Every sperm is great,
Women neighbours: [on wall]If a sperm is wasted,
Children: God get quite irate.
Priest: [in church] Every sperm is sacred,
Bride and Groom: Every sperm is good.
Nannies: Every sperm is needed.
Cardinals: [in prams] In your neighbourhood!
Children: Every sperm is useful,Every sperm is fine,
Funeral Cortege: God needs everybody's
First Mourner: Mine!
Lady Mourner: And mine!
Corpse: And mine!
Nun: [solo] Though the pagans spill theirs, O'er mountain, hill and plain,
Various artifacts in a Roman Catholic Souvenir Shop:
God shall strike them down for Each sperm that's spilt in vain.
Everybody: Every sperm is sacred, Every sperm is good, Every sperm is needed, In your neighbourhood.
Even more than everybody, including two fire-eaters, a juggler, a clown at a piano and a stilt-walker riding a bicycle: Every sperm is sacred, Every sperm is great, If a sperm is wasted, God gets quite irate.
Mr Blackitt: No no, I mean, because we are members of the Protestant Reformed Church which successfully challenged the autocratic power of the Papacy in the mid-sixteenth century, we can wear little rubber devices to prevent issue.
Mrs Blackitt: What do you mean?
Mr Blackitt: I could, if I wanted, have sexual intercourse with you...
Mrs Blackitt: Oh, yes... Harry...
Mr Blackitt: And by wearing a rubber sheath over my old feller I could ensure that when I came off... you would not be impregnated.
Mrs Blackitt: Ooh!
Mr Blackitt: That's what being a Protestant's all about. That's why it's the church for me. That's why it's the church for anyone who respects the individual and the individual's right to decide for him or herself. When Martin Luther nailed his protest up to the church door in 1517, he may not have realised the full significance of what he was doing. But four hundred years later, thanks to him, my dear, I can wear whatever I want on my John Thomas. And Protestantism doesn't stop at the simple condom. Oh no! I can wear French Ticklers if I want.
Mrs Blackitt: You what?
Mr Blackitt: French Ticklers... Black Mambos... Crocodile Ribs... Sheaths that are designed not only to protect but also to enhance the stimulation of sexual congress...
"És boa como ó milho"... "comia-te toda"... e outros piropos no género parece que já tiveram motivos menos apreciáveis. Na Idade Média esta ligação da mulher à comida baseava-se na crença que o género feminino estava mais próximo dos animais.
Quer pelo facto de aleitarem ou pelos humores estranhos humores que saíam dos corpos das santas, o corpo feminino era visto numa animalidade comprovada silogisticamente: se os animais são comida e as mulheres são animais, então as mulheres são comida.
O fundamento justificava-se logo com nascimento. Dar à luz um ser do sexo feminino só podia acontecer devido a uma imperfeição do feto no seu desenvolvimento. Tal como os monstros de que elas eram as responsáveis pela existência?partiam a semente quando se agitavam muito no coito, geravam-nos quando a copulavam menstruadas segundo a tradição das profecias de Esdras, as mulheres, como dizia Santo Agostinho, eram um acidente da natureza.
Na classificação de Jean de Salisbury, as mulheres eram mais terrenas que os homens, encontravam-se nas escala mais baixa da humanidade, tal como os pobres e selvagens.
Dever-se-ia a esta bestialidade intrínseca os actos de canibalismo nas revoltas populares como as descritas nas crónicas de Froissard. Peter Greeenway baseou-se num desses relatos no Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante. Na versão da época a mulher foi obrigada a participar no banquete e a comer o marido depois de ter sido violada pelos revoltosos da jacquerie.
Até as fadas não escaparam à comparação. Chamavam-lhes fantasia, fantasma, mulier fatata, ou fylgia, na versão escandinava, acreditando-se que eram visões que apareciam no primeiro sono. Metamorfoseavam-se em animais bravios como o javali ou o veado, que conduziam o extasiado cavaleiro à bela sedutora, transformando-se assim no seu duplo, o daimôn que lhe traçava o destino.
Nas derivações do Romance de Mélusine de Jean d'Arras, a mulher-animal vai dará à luz os filhos que estão na base das linhagens mais nobres. Desse acto contra natura primordial permanecerão as marcas nas taras e o carácter diabólico.
Romance de Melusine, meste Guillebert de Mets, c.1410-20
Por vezes a associação funcionava em sentido contrário. Ao animal eram atribuídas características femininas partilhando o sentido da perversidade.
A isto se refere Pedro Comestor no século XII, quando diz que uma serpente tem uma face virginal porque gosta e consente do mesmo modo que esta.
Hugo Van der Goes, serpente, A queda de Adão, anterior a 1470.
Também se dizia que as mulheres eram idênticas aos gatos selvagens ou aos papagaios pela semelhança no modo bravio ou tagarelice dos seus comportamentos. No século XIV, Juan Ruiz, no Libro del Bueno Amor, vai mais longe e descreve uma rapariga-égua como uma animalesca personagem das classes baixas:
"As orelhas dela eram maiores que as de um burro;
O queixo era negro, grosso e pequeno e coberto de pelos à volta;
O nariz era curvado e mais comprido que o de um flamingo;
A boca assemelhava-se a de um cão de caça de focinho esticado e curto
Com longos e torcidos dentes de cavalo;
E como uma jovem vitela, grandes artelhos poderiam ver. "
1-Mulher-leão, inícios séc.XVI. 2- Assédio de mulher-javali,Hieronymous Bosh, Jardim das Delícias, c.1504.
Embora algumas das particularidades destas comparações tivessem origem na tradição das mulheres selvagens, ele faz questão em a considerar uma mulher bem mais real, um misto de bicho e ser humano bestializado.
Noutros casos a metáfora mulher/animal serve para dar livre curso à misoginia, socorrendo-se de uma série de metáforas moralistas. Num poema francês do século XIV, intitulado Os Vícios de uma Mulher, diz-se que a mulher é venenosa como uma serpente, impetuosa como um leão, parecida com um leopardo pela voracidade; falsa como uma raposa; combativa como um urso; semelhante a uma cadela por ter os sentidos apurados; como uma gata quando morde; uma ratazana para destruir ou um rato para se esgueirar.
No final da Idade Média acentua-se o erotismo realista na apreciação das mulheres. Aparecem expressões novas como "a caça ao amor" na qual a mulher é a presa, muitas vezes representada por uma corça que vai ser apanhada e devorada pelos cortesãos.
O Bestiário do Amor de Richard de Fournival vai mais longe. Inspirando-se nos bestiários medievas, começa com uma citação de Aristóteles "aprende-se a compreender a natureza de um animal pela comparação com outro" e, de seguida, aplica-a às mulheres! Ao longo do tratado, desenrola uma série de variantes luxuriosas com respectivas correspondências animalescas para melhor caracterizar as seduções femininas e ainda consegue mostrar como até os homens que se deixam levar por estes baixos instintos também correm o mesmo perigo.
No entanto, também se assiste a um exacerbamento fantasioso da feminilidade luxuriosa e até do seu poder. A mulher-animal não é só a selvagem e embrutecida figura também pode ser a grande cortesã, cujo carácter diabólico a transforma numa predadora.
Esse sentido vai transitar para os próprios manuais de Inquisição. No Malleus Malleficarum (1574) a mulher possessa é comparada a uma quimera: face de leão; ventre de cabra e armada na causa como um escorpião. Fascina e encanta como as sereias mas o seu contacto é fatal.
Paradoxalmente, serão os puritanos Reformistas os primeiros a apropriarem-se destas alegorias, usando imagens caricaturas e satíricas para combater a corrupção da Igreja e nem o Papa vai escapar a esta iconografia demoníaca.
Burro-Papa (Genève1557).
A bela monstra cedeu lugar ao mítico Burro-Papa, encontrado nas águas do Tibre no ano de 1496, deu origem a uma série de gravuras que passaram a circular acompanhadas de uma legenda atribuída ao próprio Lutero:
"Corpo de mulher, de seios bem evidentes como símbolo de toda a raça de porcos epicuristas que só pensam em beber e comer e venderem-se a todo o tipo de lubricidades; cabeça de burro cheia de dogmas; mão direita semelhante a uma tromba de elefante, significando o poder espiritual do Papa com o qual atemoriza e exorciza as consciências por meio de falsas penitência; mão esquerda de homem, o seu poder civil que com a ajuda do diabo lhe confere o governo dos príncipes; pé direito de boi, significando a bajulação dos seus ministros; o esquerdo de grifo, os ministros do poder temporal e seus satélites; escamas de peixe nos braços e pernas e ventre e traseiro nu simbolizando a união dos poderosos que se unem ao papado mas que são desmascarados pela libertinagem no ventre nu que os desmascara, faz sair pela cauda o dragão da blasfémia".
Com tamanha caldeirada de atributos, e voluptuoso aspecto feminino, só faltaria perguntar: seria ao menos comestível?
Bib:
LASCAULT, Gilbert, Le Monstre dans l'Art Occidental, Klincksicck, Paris, 1973.
LECOUEUX, Claude, Fées, Sorciéres et Loups-Garous au Moyen Age, Imago, Paris, 2001.
SALISBURY, E. Joyce, The Beast Within. Animals in the Midle Ages, Toutledge, London, 1994.
Whenever life gets you down, Mrs. Brown
And things seem hard or tough
And people are stupid, obnoxious or daft
And you feel that you've had quite enu-hu-hu-huuuuff
Just remember that you're standing on a planet that's evolving
And revolving at 900 miles an hour
It's orbiting at 19 miles a second, so it's reckoned
The sun that is the source of all our power
The sun and you and me, and all the stars that we can see
Are moving at a million miles a day
In the outer spiral arm, at 40,000 miles an hour
Of the Galaxy we call the Milky Way
Our Galaxy itself contains 100 billion stars
It's 100,000 light-years side-to-side
It bulges in the middle, 16,000 light-years thick
But out by us it's just 3000 light-years wide
We're 30,000 light-years from galactic central point
We go round every 200 million years
And our galaxy is only one of millions of billions
In this amazing and expanding universe
The universe itself keeps on expanding and expanding
In all of the directions it can whiz
As fast as it can go, at the speed of light you know
Twelve million miles a minute and that's the fastest speed there is
So remember, when you're feeling very small and insecure
How amazingly unlikely is your birth
And pray that there's intelligent life somewhere up in space
Because there's bugger all down here on Earth
O Paulo provocou-me, sem imaginar, e eu fui buscá-la. Preferia mil vezes convencer a Marta a digitalizar aquela que tem em The Architect's Brother, mas pronto, à vista da que estava disponível no site não consegui travar o motor de busca. Acabei por encontrar há pouco, aqui, uma maior e mais nítida.
Qual é a ideia de Garden of Selves? Don't ask me. Do outro lado da cortina, onde os links entre as imagens e o que elas induzem se estabelecem, sem que a minha vontade contribua muito para isso, está o Silent Book, de Miguel Rio Branco, e esta fotografia. Não consigo ver uma sem pensar na outra. Incomoda-me tanto, esta fotografia: