Desta ilha à margem de onde passam os cargueiros e paquetes vindos
de Antuérpia, do Havre, da Inglaterra, a proa
feita ao ocidente, às Bermudas, às Pequenas Antilhas, ao Canal
do Panamá e, noutros rumos,
à Nova York dos arranha-céus
ou, sobre o sul, ao Brasil onde tu és
segundo dizes,
rei numa ilha de índios bravos;
desta ilha qualquer pequena, absorta, a novecentas
milhas da ponta mais a oeste
da velha Mão-Europa terra firme; aqui, onde
outrora os marinheiros do Norte - no pavor
dos duros aguilhões cortantes
da sua costa alçada e brava -
um nome sinalaram,
Black Coast,
pelos mil veleiros que bebeu...;
desta ilha que tu, passando ao largo, um dia porventura
contemplaste, curioso e comovido da sua solidão
de rochas pretas, húmidas, verdosas
e pequenos lugares onde as casas,
quais navios varados,
olham o mar a pedir-lhe
caminhos livres infinitos...;
desta ilha que tu, no repartir-te inquieto
pelos longes como ela humildes e calados,
nunca no tempo errado-certo
dos teus dias andados,
brevemente que fosse,
de visita habitaste -
em suas casas e montes
e vales escondidos que o silêncio
orla de nuvens imprevistas...
Aqui, onde nasci e te leio e me desdendas
os segredos mais fundos do Não Visto
e do Visível Revelado,
grito o teu nome sobre as águas
e no vento mais lesto,
grito teu nome e saúdo-te, chamo-te,
ó Mestre das Descobertas Impossíveis!
... Depois espero, um instante penso
e a mim próprio pergunto:
- Seria aqui, à vista desta terra
que tu uma vez,
não podendo abordá-la,
botaste ao mar os teus sapatos
aproados à costa?
Mas não, eu sei; que se fosse
eu os acharia encallhados na praia e logo,
seguro e certo do aviso,
com eles calçados
caminhava
pelo mar chão e sobre as vagas
até lá fora te encontrar.
Quando chegasse ao pé de ti
dir-te-ia somente:
- Je te salue! Bénis-moi, mon Maître!
E não haveria estranheza,
nenhum espanto
em ti, Blaise Cendrars.
De repente, iluminado, tu
exactamente adivinhavas
quem sou, mesmo sem nunca
de lugar nenhum me conheceres:
na minha cara, eu sei, verias
(que mais nada não visses)
os sinais, as feições
das irmandades centenárias.
- Sim, Blaise, é isso: eu mesmo, o neto, derradeiro
talvez - na Europa o único restante -,
do companheiro do teu tio-avô
Johann Suter, o subido e abatido
Rei do Ouro (a ele) Roubado:
Suter, o da miragem mais trágica
de todas as miragens
enormes e luzentes fugazes!
Sim, Blaise, eu mesmo,
longínquo
e imprevisto.
Eu a teu lado, Blaise,
a teu lado, ó meu amigo,
a teu lado, ó meu Mestre de Assombros!
A teu lado e aqui,
anónimo e perdido
neste Fundo da Ausência...
Gritando o teu nome sobre a água,
ajoelhado na água invocando o teu nome
e dizendo-te, tocando
o coto do teu braço bombardeado: