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Janela Indiscreta
 
quarta-feira, agosto 25, 2004  

saborosas monstras.


Marx Ernst, Une semaine de bonté, 1934.

"És boa como ó milho"... "comia-te toda"... e outros piropos no género parece que já tiveram motivos menos apreciáveis. Na Idade Média esta ligação da mulher à comida baseava-se na crença que o género feminino estava mais próximo dos animais.
Quer pelo facto de aleitarem ou pelos humores estranhos humores que saíam dos corpos das santas, o corpo feminino era visto numa animalidade comprovada silogisticamente: se os animais são comida e as mulheres são animais, então as mulheres são comida.

O fundamento justificava-se logo com nascimento. Dar à luz um ser do sexo feminino só podia acontecer devido a uma imperfeição do feto no seu desenvolvimento. Tal como os monstros de que elas eram as responsáveis pela existência?partiam a semente quando se agitavam muito no coito, geravam-nos quando a copulavam menstruadas segundo a tradição das profecias de Esdras, as mulheres, como dizia Santo Agostinho, eram um acidente da natureza.

Na classificação de Jean de Salisbury, as mulheres eram mais terrenas que os homens, encontravam-se nas escala mais baixa da humanidade, tal como os pobres e selvagens.
Dever-se-ia a esta bestialidade intrínseca os actos de canibalismo nas revoltas populares como as descritas nas crónicas de Froissard. Peter Greeenway baseou-se num desses relatos no Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante. Na versão da época a mulher foi obrigada a participar no banquete e a comer o marido depois de ter sido violada pelos revoltosos da jacquerie.


Até as fadas não escaparam à comparação. Chamavam-lhes fantasia, fantasma, mulier fatata, ou fylgia, na versão escandinava, acreditando-se que eram visões que apareciam no primeiro sono. Metamorfoseavam-se em animais bravios como o javali ou o veado, que conduziam o extasiado cavaleiro à bela sedutora, transformando-se assim no seu duplo, o daimôn que lhe traçava o destino.
Nas derivações do Romance de Mélusine de Jean d'Arras, a mulher-animal vai dará à luz os filhos que estão na base das linhagens mais nobres. Desse acto contra natura primordial permanecerão as marcas nas taras e o carácter diabólico.


Romance de Melusine, meste Guillebert de Mets, c.1410-20

Por vezes a associação funcionava em sentido contrário. Ao animal eram atribuídas características femininas partilhando o sentido da perversidade.
A isto se refere Pedro Comestor no século XII, quando diz que uma serpente tem uma face virginal porque gosta e consente do mesmo modo que esta.



Hugo Van der Goes, serpente, A queda de Adão, anterior a 1470.

Também se dizia que as mulheres eram idênticas aos gatos selvagens ou aos papagaios pela semelhança no modo bravio ou tagarelice dos seus comportamentos. No século XIV, Juan Ruiz, no Libro del Bueno Amor, vai mais longe e descreve uma rapariga-égua como uma animalesca personagem das classes baixas:

"As orelhas dela eram maiores que as de um burro;
O queixo era negro, grosso e pequeno e coberto de pelos à volta;
O nariz era curvado e mais comprido que o de um flamingo;
A boca assemelhava-se a de um cão de caça de focinho esticado e curto
Com longos e torcidos dentes de cavalo;
E como uma jovem vitela, grandes artelhos poderiam ver. "

1-Mulher-leão, inícios séc.XVI. 2- Assédio de mulher-javali,Hieronymous Bosh, Jardim das Delícias, c.1504.

Embora algumas das particularidades destas comparações tivessem origem na tradição das mulheres selvagens, ele faz questão em a considerar uma mulher bem mais real, um misto de bicho e ser humano bestializado.

Noutros casos a metáfora mulher/animal serve para dar livre curso à misoginia, socorrendo-se de uma série de metáforas moralistas. Num poema francês do século XIV, intitulado Os Vícios de uma Mulher, diz-se que a mulher é venenosa como uma serpente, impetuosa como um leão, parecida com um leopardo pela voracidade; falsa como uma raposa; combativa como um urso; semelhante a uma cadela por ter os sentidos apurados; como uma gata quando morde; uma ratazana para destruir ou um rato para se esgueirar.

No final da Idade Média acentua-se o erotismo realista na apreciação das mulheres. Aparecem expressões novas como "a caça ao amor" na qual a mulher é a presa, muitas vezes representada por uma corça que vai ser apanhada e devorada pelos cortesãos.

O Bestiário do Amor de Richard de Fournival vai mais longe. Inspirando-se nos bestiários medievas, começa com uma citação de Aristóteles "aprende-se a compreender a natureza de um animal pela comparação com outro" e, de seguida, aplica-a às mulheres! Ao longo do tratado, desenrola uma série de variantes luxuriosas com respectivas correspondências animalescas para melhor caracterizar as seduções femininas e ainda consegue mostrar como até os homens que se deixam levar por estes baixos instintos também correm o mesmo perigo.

No entanto, também se assiste a um exacerbamento fantasioso da feminilidade luxuriosa e até do seu poder. A mulher-animal não é só a selvagem e embrutecida figura também pode ser a grande cortesã, cujo carácter diabólico a transforma numa predadora.

Esse sentido vai transitar para os próprios manuais de Inquisição. No Malleus Malleficarum (1574) a mulher possessa é comparada a uma quimera: face de leão; ventre de cabra e armada na causa como um escorpião. Fascina e encanta como as sereias mas o seu contacto é fatal.

Paradoxalmente, serão os puritanos Reformistas os primeiros a apropriarem-se destas alegorias, usando imagens caricaturas e satíricas para combater a corrupção da Igreja e nem o Papa vai escapar a esta iconografia demoníaca.



Burro-Papa (Genève1557).

A bela monstra cedeu lugar ao mítico Burro-Papa, encontrado nas águas do Tibre no ano de 1496, deu origem a uma série de gravuras que passaram a circular acompanhadas de uma legenda atribuída ao próprio Lutero:

"Corpo de mulher, de seios bem evidentes como símbolo de toda a raça de porcos epicuristas que só pensam em beber e comer e venderem-se a todo o tipo de lubricidades; cabeça de burro cheia de dogmas; mão direita semelhante a uma tromba de elefante, significando o poder espiritual do Papa com o qual atemoriza e exorciza as consciências por meio de falsas penitência; mão esquerda de homem, o seu poder civil que com a ajuda do diabo lhe confere o governo dos príncipes; pé direito de boi, significando a bajulação dos seus ministros; o esquerdo de grifo, os ministros do poder temporal e seus satélites; escamas de peixe nos braços e pernas e ventre e traseiro nu simbolizando a união dos poderosos que se unem ao papado mas que são desmascarados pela libertinagem no ventre nu que os desmascara, faz sair pela cauda o dragão da blasfémia".

Com tamanha caldeirada de atributos, e voluptuoso aspecto feminino, só faltaria perguntar: seria ao menos comestível?

Bib:

  • LASCAULT, Gilbert, Le Monstre dans l'Art Occidental, Klincksicck, Paris, 1973.
  • LECOUEUX, Claude, Fées, Sorciéres et Loups-Garous au Moyen Age, Imago, Paris, 2001.
  • SALISBURY, E. Joyce, The Beast Within. Animals in the Midle Ages, Toutledge, London, 1994.

posted by zazie on 13:46


 
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