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sábado, junho 19, 2004  

o amor, em surdina

O tempo dual fez um ano. O nosso presente é uma fala da criada Zerlina. Esta pequena narrativa foi escrita por Hermann Broch, o poeta relutante e faz parte de "Os Inocentes". Hannah Arendt diz que talvez seja a mais bela história de amor da literatura alemã*. Eu não duvido.

- O Homem não vale nada, e a sua memória está cheia de buracos que ele nunca poderá passajar. É preciso, no entanto, fazer muitas coisas que nunca esquecemos. Cada um de nós esquece o seu quotidiano. Comigo, eram todos os móveis a que limpei o pó dia após dia, e a muita loiça que havia para lavar. E como cada qual me sentei para comer a minha refeição, mas como cada qual também era um simples saber de que não há que lembrar, como se não houvesse clima, nem o bom nem o mau tempo. Mesmo o prazer que gozei tornou-se para mim um espaço sem clima, e embora me tenha ficado o reconhecimento pela vida, foram-se apagando os nomes e os traços dos rostos que em tempos significaram prazer e mesmo amor. Desapareceram na transparência de um reconhecimento que já não tem conteúdo. Copos vazios, copos vazios. E no entanto, se não houvesse este vazio, se não houvesse este aquecimento, o inesquecível não poderia desenvolver-se. O esquecimento transporta o inesquecível nas suas mãos vazias, e nós somos transportados pelo inesquecível. Nós alimentamos o tempo, alimentamos a morte com tudo o que foi esquecido. Mas o inesquecível é um presente, é um presente que a morte nos dá, e no momento em que nós o recebemos estamos ainda neste momento aqui, onde nos encontramos, mas ao mesmo tempo estamos já além, lá onde o mundo se precipita na escuridão. O inesquecível é um pedaço do futuro, um pedaço do intemporal com que fomos presenteados antecipadamente, que nos transporta e suaviza a nossa queda nas trevas como se fosse um deslizar. O que se passou entre o Sr. de Juna e eu era um presente de morte, um presente escuro, suave e intemporal; e ajudar-me-á um dia a transportar-me, suavemente levada pela plenitude das minhas recordações. Todos dirão que foi o amor, o amor, até à morte. Mas não, não tem nada a ver com o amor, e ainda menos com o chorrilho sentimental. Muitas coisas se podem tornar no inesquecível, nos podem transportar acompanhando-nos, nos podem acompanhar transportando-nos sem que nunca tenham sido o amor, e sem que nunca se pudessem tornar no amor. O inesquecível é um momento de maturidade, produto de outros infinitos momentos, de infinitas semelhanças que o precederam, infinitamente numerosas, que os transportaram. É o momento em que sentimos que formando somos formados, fomos formados, que existimos. É perigoso confundir isso com o amor.

E foi deste modo que A. entendeu, e também não é de excluir que Zerlina tenha falado assim. Muitas vezes aos velhos acontece falarem num salmodiar por enigmas, e num tal salmodiar é fácil imaginar fantasias, em particular se acontecer numa tarde quente de Verão com as persianas fechadas.

Hermann Broch, "A Criada Zerlina", versão de António S. Ribeiro com a colaboração de José Ribeiro da Fonte (a partir da tradução de Suzana Muñoz), © Difel


* Hannah Arendt, "Homens em tempos sombrios", Relógio d'Água

posted by Anónimo on 20:39


sexta-feira, junho 18, 2004  

The wind blowing clouds over Prato Fiorito



© Valdilima.com

posted by Anónimo on 17:18


 

dicionário do vento (de P a S)

conforme edição da Associação Nacional de Cruzeiros:

Pampeiro - vento sudoeste violento que sopra na costa Brasileira e Argentina, acompanhado de chuvas, cuja duração pode ir de 6 a 26 horas.

Ponente ou Poente - vento de oeste.

Puelche - Ventos que atravessam a Patagónia argentina vindos do Atlântico que ao chegarem ao litoral chileno chocam com os ventos do Pacífico viram para Norte com rajadas geladas.

Rabanada - Rajada ou Pé de Vento.

Rafa - Rajada de Vento.

Rajada - vento que de quando em quando sopra com maior intensidade.

Refrega, Refega ou Rafega - vento forte de fraca duração, menos forte que a rajada.

Repiquete - salto de vento para outro rumo.

Salvante - vento favorável.

Samatra - temporal violento e normalmente de fraca duração que se levanta no estreito de Malaca vindo de Samatra.

Setentrião - vento que sopra do Norte.

Simum - vento ciclónico do Sahara que se faz sentir na parte oriental do Mediterrâneo, vindo de Sul a Sudoeste.

Siroco - vento quente, asfixiante e empoeirado de SE que sopra na região do Mediterrâneo, especialmente na Itália, Sicília, Malta e Grécia. Vindo do Norte de África, com origem no deserto do Sara, aparece durante a Primavera e Verão.

Suão ou Soão - vento quente e calmoso soprando entre leste e sueste.

Suestada - vento forte de Sudeste. Nome que dão a um temporal, geralmente pouco duradouro, na Terra-Nova.

(continua)

posted by Anónimo on 17:17


 

os olhos da Cristina Garcia Rodero

Tentei fotografar a alma misteriosa, verdadeira e mágica da Espanha popular com paixão, amor, humor, ternura, raiva, dor, com verdade. Os momentos mais intensos e plenos da vida de personagens tão simples como irresistíveis, com toda a força interior, num desafio pessoal, que me deu força e compreensão e no qual investi todo o meu coração.

Cristina Garcia Rodero




Gosto das fotografias da Cristina García Rodero. Conheci-as em Coimbra, nos saudosos Encontros de Fotografia. Não sei explicar bem o que me atrai nestas imagens. Desconfio que é a tal alma misteriosa, para além do papel e do preto e branco. Um disparo do coração?

Uma exposição para visitar na zone | zero.

posted by Anónimo on 13:39


 


Claes Oldenburg, Colher de Jardineiro, Serralves, 2001 (Catálogo Exposição).

posted by zazie on 13:17


quinta-feira, junho 17, 2004  

dicionário do vento (de H a N)

conforme edição da Associação Nacional de Cruzeiros:

Harmatão - vento muito quente e seco, o qual, de Dezembro a Fevereiro sopra do NE da costa ocidental da África.

Lariço - vento bonançoso que sopra na baía de Cascais.

Lestada - vento que sopra forte de Leste.

Levante - vento quente e seco que sopra de Leste no Mediterrâneo e se faz sentir no Algarve principalmente durante o Verão.

Maestro - vento do quadrante de Noroeste.

Mareiro - vento que sopra do mar para terra.

Mata-vacas - nome que nos Açores dão ao vento Nordeste.

Minuano - vento oeste frio do Sul do Brasil, que costuma soprar com violência depois da chuva, no inverno. Vem dos Andes e passa pela antiga zona dos índios Minuanos, de quem tomou o nome.

Mistral - vento seco e frio dos quadrantes do Norte que sopra no Sul de França. Faz-se sentir entre esta região, as Baleares e a Córsega.

Monção - vento periódico soprando por largo período de tempo nas regiões do Oceano Índico. A Monção de Verão sopra de SW de Abril a Outubro acompanhada de grandes chuvadas, sendo também conhecida por estação das chuvas. A mudança da direcção do vento, que passa a NE de Outubro a Abril, anuncia a Monção de Inverno.

Naulu - vento que sopra contrário ao vento Ukiukiu na ilha de Maui no Havai

Nortada - vento forte do Norte ou de direccções próximas, que sopra na costa portuguesa especialmente durante o Verão.

Notos - vento Sul. (irmão de Bóreas e Zéfiro na mit. grega).

(continua)


posted by Anónimo on 17:29


 

ondas curtas

Parabéns
Hoje entramos no segundo ano do Aviz. E, portanto,é sempre um grande prazer ler o Francisco José Viegas.

Savina Yannatou
À noite, no Largo da Igreja de Lourosa, Santa Maria da Feira, Grécia.

Aviso

Fotografia :Pirlouiiiit

Os bilhetes já estão à venda. Vai ser assim:
...
Es el viento que me manda
Bajo el cielo de acero
Soy el punto negro que anda
A las orillas de la suerte

Azul
Os jacarandás estão em flor. Há poucos na cidade. O maior está no Largo do Viriato; outro no Campo 24 de Agosto; um na Rua da Constituição, junto ao Lima 5; um ainda na Avenida da Boavista, perto do Meridien; e o último da nossa lista esconde-se num quintal, na esquina de Álvares Cabral com a Praça da República.

Esperar
por outras palavras.

posted by Anónimo on 12:34


quarta-feira, junho 16, 2004  

boa viagem, até já


Hamish Fulton, Untitled, Spain, 1990 |© eyestorm

Ficamos à espera, de ti, de Desnos e dos outros.

posted by Anónimo on 21:17


 

dicionário do vento (de A a G)

conforme edição da Associação Nacional de Cruzeiros:

Alísios ou Alíseos - ventos regulares que durante o ano sopram regularmente de NE no hemisfério Norte e do SE no do Sul. A partir dos 30º vão diminuindo de intensidade em direcção ao Equador até se extinguirem formando aí a zona de calmarias equatoriais.

Austro - o vento do Sul.

Bora - vento seco e frio do NE que sopra na parte Norte do Adriático, sobretudo durante o Inverno.

Bóreas - o vento do Norte. (irmão de Notos e Zéfiro na mit. grega)

Brisa - nome que os pescadores do bacalhau davam ao vento fresco. Na costa sul da Madeira são os ventos do quadrante E ou de E a NE.

Camacheiro - vento que sopra em rajadas fortes de N ou NE na Madeira.

Carpinteiro da Costa - temível vento sueste que sopra na costa nordeste do Brasil

Chamsin - aportuguesamento de khamsin com que os árabes designam os ventos, carregados de areia finíssima, que sopram dos desertos nas próximidades do Mar Vermelho.

Ciclone - grandes massas de ar animadas de grande velocidade de rotação formadas nas zonas tropicais. No centro do ciclone existe uma zona de calmas. O sentido de rotação no hemisfério Norte é directo sendo retrógrado no hemisfério Sul. A sua trajectória é parabólica e na direcção de latitudes mais elevadas, pelo que nunca salta de hemisfério.

Furacão - vento repentino e impetuoso de origem ciclónica.

Garbino - vento que sopra de Sudoeste.

Garroa - nome dado ao vento fresco de Sudoeste na região de Setúbal. Os pescadores da região de Moçâmedes aplicam também o mesmo nome ao vento rijo também de Sudoeste.

Gravanav - Vento fresco que sopra do sul ao sudoeste no Golfo da Guiné.

Greco ou Gregal - vento que sopra da Grécia ou do Nordeste.

(continua)

posted by Anónimo on 18:51


 

Tão quieto como nos céus da ilha o voo do milhafre



i
Desapareceu o banco de pedra ao fim do terreno
nas traseiras da casa, mas no parque a árvore continua a
rasar a água do lago; e os patos desenham os mesmos círculos,
serão outros os patos de pescoço verde, tal como a ilha
já não são exactamente as mesmas pessoas tecendo círculos ao
redor; a ilusão da quietude permanece. Tenho saudades do
café das Velas, da rua larga de casas em S. Roque do Pico, da
rua da Praia da Graciosa voltada para o ilhéu. Nas Furnas
esqueci-me de comprar bolo lêvedo. Dois alemães nadam no
espelho de água queimada da piscina do Terra Nostra; no
palacete situou Agustina alguns dos personagens do Concerto
dos Flamengos.


ii
Os barcos estão no cais. Não se vê nenhum pescador. Uma velha
e uma criança passaram duante o tempo em que estive no
pontão. No mercado quase me obrigaram a comprar inhames, que
ninguém vai saber cozinhar. Havia moinhos de água nesta rua
agora só vejo uma oficina.

iii
O metrossídero permanece, cobre parte do terreiro fronteiro
à casa. O outono vai adiantado, das beladonas restam hastes
secas nos canteiros. Numa das paredes da sala está a
fotografia que sempre encontrei dentro de um armário. Todos vestidos
para a imagem. Pesadas as mulheres, grossos os homens. O
rapaz não esconde o ar de herdeiro, espera tempos próximos
sobre os quais já passaram muitos anos, em breve um século
terá também passado sobre esses dias que lhe foram futuros: como
tudo é de novo distantíssimo! Rodeia-os uma luz, uma paz insular,
tão quieta, tão parada, mais valera guerra. (Não fui eu quem o
disse, foi o rapaz quem o pensou no seu rosto claro sob
os céus da ilha, sob o voo planado do milhafre.)

iv
Os melros quase se não vêem. Das outras vezes era
verão e havia o canto acrescido das crias novas. Na fotografia
os motociclistas na praça Gonçalo Velho, junto ao arco
esperam que lhes dêem o sinal de partida. Passaram mais de
cinquenta anos. A
reprodução da pintura holandesa da velha e do gato que se
apressa a roubar-lhe a comida enquanto a mulher murmura
orações ainda está sobre um dos aparadores.

iv
O que é a monotonia? Coloquem em sucessão, azul, amarelo,
vermelho. O amarelo que foi concebido como encadeamento estará
ensimesmado com a sua actividade individual
assim o azul e o vermelho. Cada uma destas forças procura
a graduação pela qual poderia entrar no campo do seu
vizinho; o conflito aumenta e permanece a desarmonia.
Choveu imenso durante a noite e a manhã. Durante a viagem fez
muito nevoeiro. As lagoas não se viam da Vista do Rei.

v
Assim está bem. Uma vez tentei escrever um poema sob o
equilíbrio destas margens das lagoas, sobre o flutuar da pedra-
-pomes, sobre a geometria das casas: sótão, barras quase sempre
verdes, arrecadação para os utensílios agrícolas. Os versos
seriam sobre alguém que nunca vi e que, por certo, nunca
existiu. Uma paisagem tem que apresentar vários planos
completos e nunca consegui registar o contraste do corpo.
Desta vez havia um calor húmido, senti frio enquanto
bebi uma cerveja numa taberna da aldeia por entre operários
de construção civil, dois ou três lavradores.
(Como gostava que estas palavras se parecessem com o diário
da viagem de Kavafis à Grécia. Faltam as temperaturas que
indicava todos os dias. Aqui, a máxima nunca passou os
vinte graus.)

vi
O símbolo é uma existência externa. Um dia no claustro
de um convento nos cimos do Cais do Pico convidaram-me para
um almoço do Espírito Santo. Assustei-me como
se me tivessem perguntado se queria ser maçónico e logo
caiu sobre mim a inumerável quantidade de imagens,
símbolos para representar deus e o
número de lados e ângulos que resultam da ideia de deus. Era
um homem simpático, com astúcia
que não lhe davam a igreja, a cair
nem a reparavam.

vii
A cidade aproximou-se do mar. Comprei dois Camilos no antiquário
da matriz. Ou melhor, um único Camilo, comprei os dois
volumes de O Demónio do Ouro. «A virtude deve desaparecer
de novo e converter-se em inocência.» É de Novalis e disse-
-o acerca da prosa. É a única coisa que sei de cor.

ix
Comprei doces: pudim de feijão e pastéis de Vila Franca.
Cogiva e Princesas Extra. Hoje subi a uma
falsa: dois ou três quartos e dois desvões; arcas
guarda-fatos, cadeiras velhas, o interesse dos sentidos.
Um oratório, um pássaro empalhado, poeira. É tão difícil
ir além do tempo e do lugar a que se pertence.
Está luar. Ouvem-se os cães ao fim da Galera.

x
Vi uma entrevista a um prático graciosense. Apareceu
numa sequência de falas com barbeiros. Um velho que
falou da sua revelação sobre o mundo a partir da leitura
d' A Rosa do Adro,
ouviu-a à sua mãe quando tinha dezoito anos
por causa dessa leitura quis aprender a ler. Disse coisas
sobre a poesia e os poetas que nem Schlegel. Hei-de
procurá-lo se voltar um dia à Graciosa. Mas nem sequer fixei
o seu nome. Descobrir-mo-á a Maria de Fátima Borges
apesar de ser um sábio de outra ilha?

xi
Amanhã regresso ao continente.
Mas ainda dá para tomar um café na esplanada em frente à Matriz.

Já só o vi vestir o peito de reforço
por sobre a saia de malha de aço
na cabeça o chapéu de ferro
com ligeira cauda de apertado arame, o suficiente para que
deixasse de lhe ver a nuca, orelhas e pala;
não lhe ficavam mal as ferradas vestes.

Para trás ficaram os formosos dias e a época dourada da baixa idade média.


João Miguel Fernandes Jorge, "Bellis Azorica"
© Relógio d'Água

posted by Anónimo on 13:13


terça-feira, junho 15, 2004  

ainda a propósito de Michaux

Isto já não é uma notícia porque vem muito atrasada mas quero elucidar que afinal este ano a Fenda esteve presente na Feira do Livro do Porto, mais precisamente na banca da Figueirinhas (obrigada Sandra). Dos quatro livros de Henri Michaux foi possível encontrar três (não havia "Um bárbaro na Ásia") o que já não é mau e elevou para cinco os títulos do escritor disponíveis no Pavilhão Rosa Mota. Acreditamos que no próximo ano, se a Feira se realizar no jardim, todos os livros de Michaux aparecerão de mote próprio.

Entretanto o nosso vizinho Rui Amaral garantiu-nos que há ainda um outro livro de Henri Michaux editado em Portugal. Intitula-se "O infinito turbulento", reune poemas de 1957, foi traduzido pela Luiza Neto Jorge e editado em 1977 pelas Iniciativas Editoriais. Claro que está esgotadíssimo. No entanto, o Rui assegura que há um exemplar para consulta na Biblioteca em S. Lázaro (Porto). A informação aqui fica, para os seguidores do mestre.

Só me resta seguir o castigo previsto na lei. Segundo apurei, a primeira aula de chinês é na praia:

Aquilo que, parecendo garatujas, foi comparado a rastos de insectos, a inconsistentes vestígios de patas de aves na areia, continua a conter, inalterada, sempre legível, compreensível, eficaz, a língua chinesa, a mais velha língua do mundo. (Henri Michaux, "Ideogramas na China", © Cotovia)



posted by Anónimo on 21:34


 

de que falamos quando falamos de cinema?

1.
Fui ver o "Má educação" e não gostei. Até tinha vontade mas...

2.
O último episódio de "Café e cigarros" não me sai da cabeça. Perder-se do mundo assim, não é coisa de somenos, não.

3.
Se fosse sensata tinha apanhado o avião e estava agora no Cine Clube Horta à espera de ver "Através das oliveiras". Em frente o Pico. Que depois viesse mau tempo e impedisse o regresso, era o que merecia.


4.
A não perder: "Cat People" de Jacques Tourneur (quinta-feira às 19h40 no arte). É um filme de pequeno orçamento, realizado com muita mestria, muitas sombras e muita inquietação. Para quem quiser saber mais, há boas informações neste site.

5.
E na sexta, ah na sexta vou colar-me à televisão. Às 22h10 o arte projecta o último filme de John Houston "The dead". A belíssima história de James Joyce filmada com um tal amor. A última cena é para guardar. "Better pass boldly into that other world, in the full glory of some passion, than fade and wither dismally with age."

Lídia, achas que podemos sintonizar o écran gigante da Praça D. João I no arte, só por duas noites?

posted by Anónimo on 20:58


 

Ainda Sintra


posted by camponesa pragmática on 13:59


segunda-feira, junho 14, 2004  

As óperas da bicharada - Carmen

"O discurso do amor é de algum modo a porta fechada das saídas"
Roland Barthes, Fragmentos do Discurso Amoroso


Carmen, 1983, acrílico/papel, 240x203, n.ass; n.dat.; Col. Artista.

"A vida está cheia de homens a fazerem grandes gestos e a estatelarem-se no chão" disse uma vez Paula Rego, no seu desdém pela jactância do macho. A Carmen de Bizet parece uma ópera à medida do seu gosto pela encenação da competitividade amorosa, em torno de uma cigana tragicamente livre e infiel.
A ópera desenrola esse jogo de sedução à semelhança de um tourada que se transforma num combate mortal entre a bestialidade animalesca e aquele que a pretende dominar.
Na Carmen as mulheres fazem o papel de harpias que pelo canto e pela dança arrastam os homens fazendo-os quebrar promessas e todo o tipo de compromissos.
Georges Bizet compôs esta ópera realista entre 1873 e 74, provocando escândalo pelo realismo e o que não abalou o espírito dramático e expressionista do compositor, várias vezes acusado de "wagniarismo" e excesso de vanguardismo. A tudo isso respondia: "músicos, fazei-me rir ou chorar, exaltai-me o amor, o ódio, o fanatismo, o delito; prendei-me, abatei-me, raptai-me, e eu não me permitirei a injúria de vos classificar e catalogar como coleópteros". A ópera baseia-se na novela de Mérimée publicada em 1845, no seguimento de viagem a Espanha, onde teve conhecimento da história dos amores trágicos de um soldado por uma rapariga cigana de nome Carmen.
Apesar dos contratempos aquando da estreia e da morte súbita de Bizet três meses depois da sua estreia, a profecia de Tchaikovski concretizou-se: como ele disse, em dez anos a Carmen seria a ópera mais popular do mundo.

Nesta tela a composição em bandas é semelhante a La Bhòeme mas a sua latinidade revela-se nas cores fortes e contrastadas onde o negro e o vermelho prevalecem. O traço predomina igualmente sobre a pintura tornando-se mais denso na delimitação das figuras sobre campos de cor lisos e vastos.

D. José de Lizarrabengoa, basco e cristão velho, abandona a noiva que a mãe lhe destinara, a singela Micaela, camponesa de Navarra, por amor de uma cigana. A vadia e esquiva Carmen faz com ele deserte e cometa um crime partindo para as montanhas com um contrabandistas por feitiço de um amor que lhe traçou o destino.

No canto superior esquerdo da tela, tal como na Bhòeme vemos o relato em ante câmara e a expectativas acerca destes amores transviados.
De mãos dadas, o toureiro Escamillo e Carmen, escutam as palavras de um sábio mono de chapéu catedrático na cabeça, que pacientemente cruza as mãos e "bota" discurso. Por cima esvoaça o mesmo passaroco coscuvilheiro que também aparece na outra tela e que vai saltitando de quadro para quadro escutando os comentários dos personagens. No lado oposto entra em cena um cão de ar apalhaçado, com chapelinho na cabeça e mais abaixo vemos uma menina muito parecida com a própria artista, agarrada a um mastim, a acompanhar o relato e o desenrolar do que se passa na "praça".




Sur la place
Chacun passe
Chacun vient, chacun va ;
Drôles de gens, que ces gens-là!
Drôles de gens !
Drôles de gens !





A velha sevilhana, que lembra um dos fantasmas da pintora- D. Violeta, a professora que lhe aterrorizou a infância, agarra Carmen por um braço e repreende-a energicamente.



Mais abaixo Carmen, bem segura do seu charme, placidamente deitada, desafia D. José, aqui transformado em insecto que se consome de desejo. O pobre inseguro, de crucifixo a balançar ao pescoço, também parece hesitar entre a paixão e o dever e Carmen, transfigurada em cachorra, apoia-se no cotovelo aguardando com desdém.




l'amour est en enfant de bohème
Il n'a jamais jamais connu de loi,
Si tu ne m'aimes pas, je t'aime ;
Si je t'aime prends garde à toi!




As cigarreiras dançam lubricamente por entre as cenas. Uma está metamorfoseada em vaca e participa do ritual de sangue.





No sub mundo da banda/túnel inferior assiste-se a um duelo entre os rivais pretendentes da cigana; enquanto uma pequena Carmencita tenta separá-los.





mettez-vous en garde et veillez sur vous tant pis pour qui tarde à parer les coups




Por cima, no quadrinho narrativo, Escamillo reza de joelhos, preparando-se para a toureada, enquanto uma outra Carmen (mais uma vez idêntica a Paula Rego), tocando castanholas e tentando os amantes; ligeira e perversa na sua Habanera.


Tra la la la la la la la
Mon secret je le garde
Et je le garde bien ;
Tra la la la la la la la
J'en aime un autre et meurs
En disant que je l'aime.





Na marginalia inferior os contrabandistas fazem de coro em variações a negro, como sombras chinesas.
Dois gatos voyeurs espreitam às escondidas. Um faz lembra o Gato Félix.
Nos entre actos parodia-se o drama por meio de remakes de outras histórias e pinturas da autora.
As séries do macaco que batia na mulher voltam a aparecer, mas aqui, a mulher, em vez do rabo, corta o sexo do macaco. O macaco castrado queixa-se a outro, enquanto numa banda à parte outra mulher lhe tira o chapeuzinho de cátedra (ou de circo?).



A cena repete-se com uma coelha de facalhão em punho que se lança sobre um macaco e lhe agarra o sexo. As figuras precipitam-se num desmanchar caótico e humorístico, caindo umas sobre as outras. Um galináceo afocinha aos pés de um bicharoco que cruelmente se diverte a pontapeá-la.





No centro da composição, alheadas das outras figuras, destaca-se os amantes que se digladiam até à morte.



D. José, metamorfoseado em macaco, transtornado pelo ciúme agride Carmen, mas é ela que empunha o punhal...

O macaco capado, careca e nu, esconde a vergonha, pobre castratus de voz de falsete e retira-se cabisbaixo enfiando-se na banda lateral vermelha. Carmen e o José vão-se continuam o duelo, e vão-se desvanecendo na tela, ele apontando-lhe uma navalha às costas e ela revirando-se para trás, em recusa a render-se.

Ainsi, le salut de mon âme, je l'aurai
Perdu pour que toi,
Pour que tu t'en ailles,
Infâme! Entre ses bras,
Rire de moi.
Non, par le sang,
Tu n'iras pas.
Carmen, c'est moi
que tu suivras !

Non, non ! jamais !
Je suis las de te menacer.
Eh bien! frappe moi
Donc ou laisse moi passer.

Pour la dernière foi,
Démon, veux tu me suivre ?

Non! Non !
Cette bague autrefois toi tu
Me l'avais donnée.
Tiens.

En bien damnée...



"Le devenir animal n'est qu'une étape vers un devenir imperceptible plus profond ou la figure disparaît"
G. Deleuze, Logique de la Sensation.

George Bizet, Carmen

Carmen ----------------- Grace Bumbry
Micaela ---------------- Mirella Freni
Frasquita -------------- Eliane Lubin
Mercédès --------------- Viorica Cortez
Don José --------------- John Vickers
Escamillo -------------- Kostas Paskalis
Dancaire --------------- Michael trempont
Remendado -------------- Albert Voli
Moralès ---------------- Bernard Gontcharenko

Choeurs & Orchestre du Théâtre National de l'Opéra de Paris
Les Petits Chanteurs à la Croix de Bois

Direction: Rafael Fruhbeck de Burgos
EMI, 1990.

posted by zazie on 21:43


 

A puta de Mensa

- Bem, ouvi falar de uma rapariga. Dezoito anos. Estudante em Yassar. Paga-se um tanto e ela vem discutir um tema qualquer... Proust, Yeats, antropologia. Troca de ideias. Está a ver a ideia?
- Nem por isso.
- Ou seja, a minha mulher é óptima, não me interprete mal. Mas não discute Pound comigo. Ou Eliot. Não sabia isso quando me casei com ela. Preciso de uma mulher que seja mentalmente estimulante, uma relação... quero uma experiência intelectual rápida, depois quero que a rapariga se vá embora. Que raio, Kaiser, sou casado e sou feliz.
- Há quanto tempo é que isto dura?
- Seis meses. Sempre que sinto desejo, ligo à Flossie. É uma Madame, com mestrado em Literatura Comparada. E ela manda-me uma intelectual, percebe?
(...)
- Agora, ela ameaçou contar à minha mulher - disse ele.
- Quem?
- A Flossie. Puseram o quarto do motel sob escuta. Têm fitas gravadas em que eu discuto The Waste Land e Styles of Radical Will e, bem, chegando a uma discussão profunda. Querem dez mil, ou vão falar à Carla. Kaiser, tem de me ajudar! A Carla morria se soubesse que não me excitava cá em cima.
in A Puta de Mensa, Woody Allen

[O título do conto brinca com a Sociedade Mensa, fundada em Inglaterra em 1946 por Roland Berrill e Lance Ware. Mensa é uma sociedade para os muitíssimo inteligentes, sendo único requisito para admissão um quociente de inteligência que se situe nos 2% do topo.]


Retirado da Ficções de Humor, tradução (deste conto) de Luísa Costa Gomes.

posted by picatostes on 13:28


 

Sintra



posted by camponesa pragmática on 11:25


 

© Gueorgui Pinkhassov

posted by camponesa pragmática on 10:39


domingo, junho 13, 2004  

Almoço dominical

CENA 07

Cenário: Refeitório da Paróquia de Colares. Interior. Dia.
Personagens: João de Deus, Madre Bernarda, Joana, crianças, empregadas.

João de Deus e a madre Bernarda, sentados numa mesa posta: pão e vinho tinto.
Joana coloca na mesa uma travessa com cozido.


Joana (rindo): Bom apetite.
João de Deus: Não páras de rir. Estás a rir-te de mim?
Joana: Estou-me a rir porque estou contente.
Madre Bernarda (servindo-se): Ri-se na alegria do senhor. Abençoados sejam os pobres de espírito porque será deles o Reino dos céus.
João de Deus: Já que assim é, esperemos que o cozido esteja de chorar por mais.

João de Deus e a madre Bernarda atacam o pitéu.
Joana continua a sua lide com a leveza graciosa de uma dançarina. As empregadas servem taças de gelados às crianças espalhadas pelas mesas do refeitório. Joana, que transporta duas taças de gelados, aproxima-se da mesa de João de Deus e da madre Bernarda.


Joana: Desejam gelados?
João de Deus: Gelados? Nem vê-los.

Joana afasta-se.
A madre Bernarda enche os copos de vinho.


Madre Bernarda: Esta preciosidade é oferta da casa. Quem sabe se não estaremos no limiar de uma nova era? Suportámos longamente a era do abandono. Talvez estejamos a entrar na era da hospitalidade.

João de Deus tira duas cigarrilhas e oferece uma à madre Bernarda.

João de Deus (acendendo as cigarrilhas): Com a recrudescência dos fascismos à perna?

Madre Bernarda (expelindo uma baforada):
Vou proferir uma blasfémia, mas como Staline dizia, o melhor fascista é o fascista morto. Para que a besta do apocalipse não ressurja. Nunca mais.

Fazem um brinde e bebem. Joana olha para eles a rir.

João César Monteiro, As bodas de Deus
© & etc, Outubro de 1997

posted by Anónimo on 13:31


 
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