Cenário: Refeitório da Paróquia de Colares. Interior. Dia.
Personagens: João de Deus, Madre Bernarda, Joana, crianças, empregadas.
João de Deus e a madre Bernarda, sentados numa mesa posta: pão e vinho tinto.
Joana coloca na mesa uma travessa com cozido.
Joana (rindo): Bom apetite.
João de Deus: Não páras de rir. Estás a rir-te de mim?
Joana: Estou-me a rir porque estou contente.
Madre Bernarda (servindo-se): Ri-se na alegria do senhor. Abençoados sejam os pobres de espírito porque será deles o Reino dos céus.
João de Deus: Já que assim é, esperemos que o cozido esteja de chorar por mais.
João de Deus e a madre Bernarda atacam o pitéu.
Joana continua a sua lide com a leveza graciosa de uma dançarina. As empregadas servem taças de gelados às crianças espalhadas pelas mesas do refeitório. Joana, que transporta duas taças de gelados, aproxima-se da mesa de João de Deus e da madre Bernarda.
Joana: Desejam gelados?
João de Deus: Gelados? Nem vê-los.
Joana afasta-se.
A madre Bernarda enche os copos de vinho.
Madre Bernarda: Esta preciosidade é oferta da casa. Quem sabe se não estaremos no limiar de uma nova era? Suportámos longamente a era do abandono. Talvez estejamos a entrar na era da hospitalidade.
João de Deus tira duas cigarrilhas e oferece uma à madre Bernarda.
João de Deus (acendendo as cigarrilhas): Com a recrudescência dos fascismos à perna?
Madre Bernarda (expelindo uma baforada): Vou proferir uma blasfémia, mas como Staline dizia, o melhor fascista é o fascista morto. Para que a besta do apocalipse não ressurja. Nunca mais.
Fazem um brinde e bebem. Joana olha para eles a rir.