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Janela Indiscreta
 
quarta-feira, junho 16, 2004  

Tão quieto como nos céus da ilha o voo do milhafre



i
Desapareceu o banco de pedra ao fim do terreno
nas traseiras da casa, mas no parque a árvore continua a
rasar a água do lago; e os patos desenham os mesmos círculos,
serão outros os patos de pescoço verde, tal como a ilha
já não são exactamente as mesmas pessoas tecendo círculos ao
redor; a ilusão da quietude permanece. Tenho saudades do
café das Velas, da rua larga de casas em S. Roque do Pico, da
rua da Praia da Graciosa voltada para o ilhéu. Nas Furnas
esqueci-me de comprar bolo lêvedo. Dois alemães nadam no
espelho de água queimada da piscina do Terra Nostra; no
palacete situou Agustina alguns dos personagens do Concerto
dos Flamengos.


ii
Os barcos estão no cais. Não se vê nenhum pescador. Uma velha
e uma criança passaram duante o tempo em que estive no
pontão. No mercado quase me obrigaram a comprar inhames, que
ninguém vai saber cozinhar. Havia moinhos de água nesta rua
agora só vejo uma oficina.

iii
O metrossídero permanece, cobre parte do terreiro fronteiro
à casa. O outono vai adiantado, das beladonas restam hastes
secas nos canteiros. Numa das paredes da sala está a
fotografia que sempre encontrei dentro de um armário. Todos vestidos
para a imagem. Pesadas as mulheres, grossos os homens. O
rapaz não esconde o ar de herdeiro, espera tempos próximos
sobre os quais já passaram muitos anos, em breve um século
terá também passado sobre esses dias que lhe foram futuros: como
tudo é de novo distantíssimo! Rodeia-os uma luz, uma paz insular,
tão quieta, tão parada, mais valera guerra. (Não fui eu quem o
disse, foi o rapaz quem o pensou no seu rosto claro sob
os céus da ilha, sob o voo planado do milhafre.)

iv
Os melros quase se não vêem. Das outras vezes era
verão e havia o canto acrescido das crias novas. Na fotografia
os motociclistas na praça Gonçalo Velho, junto ao arco
esperam que lhes dêem o sinal de partida. Passaram mais de
cinquenta anos. A
reprodução da pintura holandesa da velha e do gato que se
apressa a roubar-lhe a comida enquanto a mulher murmura
orações ainda está sobre um dos aparadores.

iv
O que é a monotonia? Coloquem em sucessão, azul, amarelo,
vermelho. O amarelo que foi concebido como encadeamento estará
ensimesmado com a sua actividade individual
assim o azul e o vermelho. Cada uma destas forças procura
a graduação pela qual poderia entrar no campo do seu
vizinho; o conflito aumenta e permanece a desarmonia.
Choveu imenso durante a noite e a manhã. Durante a viagem fez
muito nevoeiro. As lagoas não se viam da Vista do Rei.

v
Assim está bem. Uma vez tentei escrever um poema sob o
equilíbrio destas margens das lagoas, sobre o flutuar da pedra-
-pomes, sobre a geometria das casas: sótão, barras quase sempre
verdes, arrecadação para os utensílios agrícolas. Os versos
seriam sobre alguém que nunca vi e que, por certo, nunca
existiu. Uma paisagem tem que apresentar vários planos
completos e nunca consegui registar o contraste do corpo.
Desta vez havia um calor húmido, senti frio enquanto
bebi uma cerveja numa taberna da aldeia por entre operários
de construção civil, dois ou três lavradores.
(Como gostava que estas palavras se parecessem com o diário
da viagem de Kavafis à Grécia. Faltam as temperaturas que
indicava todos os dias. Aqui, a máxima nunca passou os
vinte graus.)

vi
O símbolo é uma existência externa. Um dia no claustro
de um convento nos cimos do Cais do Pico convidaram-me para
um almoço do Espírito Santo. Assustei-me como
se me tivessem perguntado se queria ser maçónico e logo
caiu sobre mim a inumerável quantidade de imagens,
símbolos para representar deus e o
número de lados e ângulos que resultam da ideia de deus. Era
um homem simpático, com astúcia
que não lhe davam a igreja, a cair
nem a reparavam.

vii
A cidade aproximou-se do mar. Comprei dois Camilos no antiquário
da matriz. Ou melhor, um único Camilo, comprei os dois
volumes de O Demónio do Ouro. «A virtude deve desaparecer
de novo e converter-se em inocência.» É de Novalis e disse-
-o acerca da prosa. É a única coisa que sei de cor.

ix
Comprei doces: pudim de feijão e pastéis de Vila Franca.
Cogiva e Princesas Extra. Hoje subi a uma
falsa: dois ou três quartos e dois desvões; arcas
guarda-fatos, cadeiras velhas, o interesse dos sentidos.
Um oratório, um pássaro empalhado, poeira. É tão difícil
ir além do tempo e do lugar a que se pertence.
Está luar. Ouvem-se os cães ao fim da Galera.

x
Vi uma entrevista a um prático graciosense. Apareceu
numa sequência de falas com barbeiros. Um velho que
falou da sua revelação sobre o mundo a partir da leitura
d' A Rosa do Adro,
ouviu-a à sua mãe quando tinha dezoito anos
por causa dessa leitura quis aprender a ler. Disse coisas
sobre a poesia e os poetas que nem Schlegel. Hei-de
procurá-lo se voltar um dia à Graciosa. Mas nem sequer fixei
o seu nome. Descobrir-mo-á a Maria de Fátima Borges
apesar de ser um sábio de outra ilha?

xi
Amanhã regresso ao continente.
Mas ainda dá para tomar um café na esplanada em frente à Matriz.

Já só o vi vestir o peito de reforço
por sobre a saia de malha de aço
na cabeça o chapéu de ferro
com ligeira cauda de apertado arame, o suficiente para que
deixasse de lhe ver a nuca, orelhas e pala;
não lhe ficavam mal as ferradas vestes.

Para trás ficaram os formosos dias e a época dourada da baixa idade média.


João Miguel Fernandes Jorge, "Bellis Azorica"
© Relógio d'Água

posted by Anónimo on 13:13


 
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