Shall we ever meet again?
And who will meet again? Meeting is for strangers,
Meeting is for those who do not know each other T.S.Eliot
À hora do almoço sentei-me com o Duque de Portland, o Trevelyan, o Lord Trend e, perto de mim, ali mesmo à mão, o Eliot. À passagem trocamos sorrisos de galhardetes comunicativos ele bebia vinho branco e eu latino tinto.
Durante o almoço não quis ideias geniais apenas marquei pormenores de passagem afectuosa —, tudo se desenrolou numa expectativa e os versos continuavam e ele estava encolhido, perdido e em forma de concha apresentava-se de consistência flácida —, a certa altura o ritmo declarou-se pagão e eu preparava a frase numa confudão de ananazes, Vossa Excelência e poesia. Quando me aproximei as esquinas do pensamento poliram-se e falámos calma tranquila e minhotamente — ele tinha também gostado estático do Alto Minho. Os génios ingleses são acanhados, receptivos e simples como os grandes homens — afinal entre mim e o Eliot só havia uma diferença poética.
Depois do longo da tarde fizemos cortesias e não pensei mais no poeta — estávamos entretidos a desempenhar papéis equilibrados — a questão passou e o cerimonial acabou quando rápido vim para o comboio londrino. Qual não foi o meu espanto quando vejo o artista sentado ao meu lado no vágão restaurante — então conversámos —, eu excitei-me — ele encolheu-se um pouco mais e olhávamos a paisagem verde de vacas maltadas e molhadas — o sol e o azul tinham aparecido no firmamento e nós trocávamos monossílabos e garfadas.
Falava da beleza de Portugal e meditava mais um pouco —, ele era aquele poeta
«Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos dos videntes.»
E assim aqui estou, no meio caminho, tendo passado vinte anos —
Vinte anos muito mal gastos, os anos de l'entre deux guerres —
A tentar aprender a usar as palavras, e cada tentativa
É um inteiro recomeço e um diferente tipo de fracasso
Pois apenas se aprendeu a tirar o melhor das palavras
Para aquilo que já não tem de se dizer, ou para a maneira pela qual
Já não se está na disposição de o dizer. E assim cada investida
É um novo começo, uma incursão no inarticulado
Com equipamento gasto sempre pronto a deteriorar-se
Na desordem geral de sentimentos imprecisos,
De indisciplinados pelotões de emoção. E o que há para conquistar,
Por força e obediência, já antes foi descoberto
Uma vez ou duas, ou várias vezes, por homens que não podemos ter esperança
De emular — mas não se trata de competição —
Trata-se apenas da luta para recuperar o que se perdeu
E achou e perdeu outra e outra vez: e agora, sob condições
Que parecem desfavoráveis. Mas talvez nem ganho nem perda.
Para nós, há apenas a tentativa. O resto não é connosco.
A casa é de onde se começa. À medida que envelhecemos
O mundo fica mais estranho, o padrão mais complicado
De mortos e de vivos. Não o momento intenso
Isolado, sem antes nem depois,
Mas uma vida inteira a arder em cada momento
E não a vida inteira de apenas um homem
Mas de velhas pedras que não podem ser decifradas.
Há um tempo para o anoitecer sob a luz das estrelas,
Um tempo para o anoitecer sob a luz do candeeiro
(A noite com o álbum das fotografias).
O amor é mais aproximadamente ele próprio
Quando o aqui e o agora deixam de importar.
Os homens quando velhos deviam ser exploradores
Aqui ou acolá não importa
Temos de estar quietos e quietos mover-nos
Para uma outra intensidade
Para uma ulterior união, um comungar mais fundo
Através do frio escuro e da desolação vazia,
O grito da onda, o grito do vento, as vastas águas
Da procelária e do golfinho. No meu fim está o meu começo.
Não serás mais do que areia, erva, pó ou gota de água (Gilles Deleuze. Francis Bacon, logique de la sensation)
D.S.— (…)Vê um conteúdo erótico no jacto de água? Sei que pode não ter sido conscientemente desejado: é óbvio a partir do modo como as coisa foi feita.
F.B.— Para mim é apenas um jacto de água.
D.S.— Talvez. Vejo-o como algo mais porque para mim o quadro, tal como o erva, tem uma espécie de energia animal —não uma elementar energia macro cósmica mas uma energia que tem uma animalidade, mesmo uma escala humana.
F.:B.— O que eu gostava é que essas coisas fossem uma essência, que se pudesse dizer de uma paisagem e uma essência de água. Era o que eu gostava que fossem.
in David Sykvester, Interviews with Francis Bacon (1975).
F.B.—Penso que tendo a destruir os melhores quadros, ou aqueles que foram os melhores até uma certa dimensão. Experimento e tento levá-los mais longe, e eles perdem todas as suas qualidades, e perdem tudo. Penso que posso dizer que tendo a destruir todos os meus melhores quadros.
D.S.— Nunca consegue retroceder quando o processo tende a ultrapassar o topo?
F.B.— Agora não, e cada vez menos. Como o modo como trabalho é totalmente acidental, e torna-se cada vez mais e mais acidental, e não parece ser de outro modo que não seja acidental, como posso recriar um acidente? É uma coisa praticamente impossível de se fazer.
(....)
D.S.— Já tínhamos falado da roleta e da sensação que se tem na mesa em que cada um está como que sintonizado com a roda e não pode fazer nada errado. Como é que isto se relaciona com o processo da pintura?
F.B.— Bem, tenho a certeza que existe uma forte relação. Afinal de contas, foi Picasso quem disse uma vez: “Não preciso de jogos de azar, estou sempre a lidar com eles”.
in David Sykvester, Interviews with Francis Bacon (1975).
Letra despeitada esta. Penso sempre isso quando ouço. De gaja despeitada. Mandar um gajo chorar um rio é violento, é bonito heheheh E depois há uma altura em que a voz de Ella se ergue acima de tudo e já não consigo concentrar-me no que diz, é só som, só voz, só música, uma das maravilhas do mundo, a única maravilha do mundo.
posted by camponesa pragmática on 21:47
É uma das jóias da coroa da programação da Cinemateca Portuguesa para este mês: "Vendaval Maravilhoso", a última longa-metragem de ficção de José Leitão de Barros, é hoje exibido às 21h30 horas, numa cópia nova que resulta de um trabalho de restauro que se prolongou por dois anos. O filme, uma co-produção luso-brasileira de 1949, com Amália Rodrigues no principal papel feminino, foi durante muito tempo considerado um "caso perdido" do cinema português.
[…]
Beyond all this, the wish to be alone:
However the sky grows dark with invitation-cards
However we follow the printed directions of sex
However the family is photographed under the flag-staff -
Beyond all this, the wish to be alone.
Beneath it all, the desire for oblivion runs:
Despite the artful tensions of the calendar,
The life insurance, the tabled fertility rites,
The costly aversion of the eyes away from death -
Beneath it all, the desire for oblivion runs.
Il pianeta Terra è una palla grigia coperta di cenere e detriti. Il suo perenne viaggio è accompagnato da voci disperate che si esprimono in russo e a volte in americano. Probabilmente sono astronauti persi negli spazi, che non sanno più dove e come atterrare. Questi uomini sono i soli che hanno visto la foresta dell'Amazzonia in fiamme e l'acqua dei poli che invadeva i continenti, trascinando le balene tra i grattacieli di New York e gli elefanti in alto mare. Poi tutto è diventato vapore e l'azzurro dell'acqua è scomparso nel cielo e le ossa degli animali e delle città sono diventate sedimenti polverosi.
[…]
"Like a busy urban family, planets rarely get together all at once. Later this month, however, the five so-called naked-eye planets -- Mercury, Venus, Mars, Jupiter and Saturn -- will reunite in the night sky, giving spectators a unique chance to see Earth's closest companions in one easy sitting.
Eu punha aqui a tocar com a maior das boas vontades, mas não consigo. Paciência. É assim, caríssimos, enquanto as homepages gratuitas que vêm com as contas de acesso à internet não permitirem uploads de ficheiros de som de tamanho superior a 200 (duzentos) KB, nem um assobio. A culpa não é minha. É deles. Estou certa de que é perseguição pessoal contra a minha pessoa. Sim, que eu sei ler os símbolos!
posted by camponesa pragmática on 19:56
sob escuta (e sob influência do 5 minutos de jazz)
A arte para piano de Brad Meldhau. “Standards retocados”, diz José Duarte. Ou então: “um piano que se espreguiça”.
Dia após dia, a glória da primavera rivaliza com a glória do sol.
As estradas que serpenteiam até à cidade na colina cheiram a flores de amendoeira.
Quanto tempo até que os fios do coração, livres de cuidados,
Flutuem, como a alfazema, por longa distância.
The trees are coming into leaf
Like something almost being said;
The recent buds relax and spread;
Their greenness is a kind of grief.
Is it that we are born again
And we grow old? No, they die too.
Their yearly trick of looking new
Is written down in rings of grain.
Yet still the unresting castles thresh
In fullgrown thickness every May.
Last year is dead, they seem to say,
Begin afresh, afresh, afresh.
Philip Larkin
É provável que eu tenha postado este mesmo poema num dos últimos meses. Já não estou certa de ter ou não dominado o impulso de o fazer. Seja como for, agora é que é, porque agora é que está a acontecer. Nos últimos dias, as árvores em frente à minha casa ficaram verdes. Duas ou três folhas apressadas nasceram antes das outras todas e ontem nasceram as outras todas.
U i era un ànzal si bafi
ch’u n’era bón da fè gnént
e invéci da vulè datònda mé Signòur
l’ avnéva zò te Marèccia
dróinta la chèsa d’un cazadòur
ch’e’ tnéva i gazótt impaièd
d’impi sòura e’ sulèr d’un cambaròun.
E l’ànzal u i butéva e’ furmantòun
par avdài s’i l magnéva.
E dai e che te dai
sa tótt i sént ch’i ridéva di su sbài
una matóina i gazótt impaièd
i à vért agli èli e i à ciàp e’ vòul
fura da la finestra, dróinta l’aria de’ zil
e i cantéva che mai.
Ele faz anos. Oitenta e quatro. Tonino Guerra é o príncipe de Montefeltro. Se pudesse, levava-o àquela Villa em Sorrento para vermos juntos o chão coberto de pétalas de rosa, pintadas como se tivessem sido espalhadas pelo vento. Em Agosto, col mare dentro agli occhi.
Eh! Meu Irmão (Ou Mais Uma Canção de Medo) Letra e Música de Sérgio Godinho – album Pré-Histórias,1972
Eh, meu irmão, que é que tens
que tremes como um chouriço?
Eh, meu irmão que é que tens,
parece que viste bicho!
Um bicho vi, sim senhor,
enroscou-se a mim e pediu-me amor
tinha corpo de mulher
cabelo encaracolado
beijou-me, apagou as luzes
e eu então gritei!
Ai, um bicho!
Eh, meu irmão, que é que tens
estás branco que nem um nabo!
Eh, meu irmão que é que tens,
parece que viste o diabo!
Vi mesmo, bateu à porta
disse que o povo estava na rua
e que a rua era do povo
que é p'ra quem ela foi feita
e o povo somos nós todos
e eu então gritei:
Ai, o diabo!
Eh, meu irmão, que é que tens
estás branco como o jasmim!
Eh, meu irmão, que é que tens
o que é que te pôs assim!
Foi o medo da água fria
o medo da vida, o medo da morte
o medo da lua-cheia
o medo da lua-nova
o medo até de ter medo
que me faz gritar
Ai, que medo!
E assim com medo de tudo
perdeu meu irmão a vida
e assim com medo de tudo
viveu-a e não foi vivida
meteram-no num caixão
às duas por três, num dia de Verão
desceram-no p'ra uma cova
deitaram terra por cima
espetaram-lhe uma cruz
ita missa est
Ámen
Como em criança não me prestei a brincar com a areia das praias (privação desastrosa que sentirei durante toda a minha vida), veio-me, já fora de tempo, o desejo de brincar, e agora mesmo o desejo de brincar com os sons
O que eu percebo, o que é meu, é o mar indefinido.
Aos vinte e um anos, evadi-me da vida das cidades, aventurei-me, fui marujo. A bordo havia muito que fazer. Fiquei espantado. Pensava que num navio a gente fitava o mar, que infindavelmente fitávamos o mar.
Os barcos foram depois desaparelhados. Era o desemprego dos marítimos que assim começava.
Voltando as costas àquilo, fui-me embora, não disse nada, tinha o mar dentro de mim, o mar eternamente em meu redor.
Mas qual mar? Foi isto justamente que eu depois me vi impedido de explicitar.
Grande auditório: 12h30 - Orquestra Académica Metropolitana dirigida por Jean Marc Burfin - Mendelssohn, Béla Bartók. 18h00 - Orquestra Sinfónica Portuguesa - B. Britten, Antonin Dvorák. Pequeno auditório: 11h30 e 16h30 - Violinhos - Coordenação de Rui Fernandes - a música clássica pelos mais novos - Vivaldi, Bach, Haendel, Shumman, Suzuki e Arlen.
Dizia Augusto Monterroso que lhe bastava “ocupar media página en el libro de lectura de una escuela primaria de mi país”.
Não queremos exagerar, não é coisa que se faça a um autor que tão bem pratica a brevidade. Feitas as contas de conversão, meia página num manual equivale a uma tarde de domingo num blog? Nem mais:
"si lo quieres saber, nada me desilusiona más que la consabida frase con que alguien me informa entusiasmado de lo mucho que se rió con mi cuento tal o cual, y el cuento es tal vez aquel que a mí me emocionó hasta las lágrimas escribir, o aquel en que logré introducir alguna experiencia amarga de mi vida."
Un día que el Zorro estaba muy aburrido y hasta cierto punto melancólico y sin dinero, decidió convertirse en escritor, cosa a la cual se dedicó inmediatamente, pues odiaba ese tipo de personas que dicen voy a hacer esto o lo otro y nunca lo hacen.
Su primer libro resultó muy bueno, un éxito; todo el mundo lo aplaudió, y pronto fue traducido (a veces no muy bien) a los más diversos idiomas.
El segundo fue todavía mejor que el primero, y varios profesores norteamericanos de lo más granado del mundo académico de aquellos remotos días lo comentaron con entusiasmo y aun escribieron libros sobre los libros que hablaban de los libros del Zorro.
Desde ese momento el Zorro se dio con razón por satisfecho, y pasaron los años y no publicaba otra cosa.
Pero los demás empezaron a murmurar y a repetir “¿Qué pasa con el Zorro?”, y cuando lo encontraban en los cocteles puntualmente se le acercaban a decirle tiene usted que publicar más.
—Pero si ya he publicado dos libros —respondía él con cansancio.
—Y muy buenos—le contestaban—; por eso mismo tiene usted que publicar otro.
El Zorro no lo decía, pero pensaba: "En realidad lo que éstos quieren es que yo publique un libro malo; pero como soy el Zorro, no lo voy a hacer".
Y no lo hizo.
El dinosaurio Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí.
El mundo Dios todavía no ha creado el mundo; sólo está imaginándolo, como entre sueños. Por eso el mundo es perfecto, pero confuso.
Vaca Cuando iba el otro día en el tren me erguí de pronto feliz sobre mis dos patas y empecé a manotear de alegría y a invitar a todos a ver el paisaje y a contemplar el crepúsculo que estaba de lo más bien. Las mujeres y los niños y unos señores que detuvieron su conversación me miraban sorprendidos y se reían de mí pero cuando me senté otra vez silencioso no podían imaginar que yo acababa de ver alejarse lentamente a la orilla del camino una vaca muerta muertita sin quien la enterrara ni quien le editara sus obras completas ni quien le dijera un sentido y lloroso discurso por lo buena que había ido y por todos los chorritos de humeante leche con que contribuyó a que la vida en general y el tren en particular siguieran su marcha.
Si a uno le gustan las novelas, escribe novelas; si le gustan los cuentos, uno escribe cuentos. Como a mí me ocurre lo último, escribo cuentos. Pero no tantos: seis en nueve años, ocho en doce. Y así.
Los cuentos que uno escribe no pueden ser muchos. Existen tres, cuatro o cinco temas; algunos dicen que siete. Con ésos debe trabajarse.
Las páginas también tienen que ser sólo unas cuantas, porque pocas cosas hay tan fáciles de echar a perder como un cuento. Diez líneas de exceso y el cuento se empobrece; tantas de menos y el cuento se vuelve una anécdota y nada más odioso que las anécdotas demasiado visibles, escritas o conversadas.
La verdad es que nadie sabe cómo debe ser un cuento. El escritor que lo sabe es un mal cuentista, y al segundo cuento se le nota que sabe, y entonces todo suena falso y aburrido y fullero. Hay que ser muy sabio para no dejarse tentar por el saber y la seguridad.
Nadie antes en la literatura había debutado así. Con una colección de relatos titulada Obras completas (y otros cuentos). ¿Quién deseaba acabarlas? Para colmo, el libro contenía el relato más breve del mundo [El dinosaurio]. Y se levantaba contra la Solemnidad. Y, además, empezaba por el final, puesto que Obras completas era el título del último cuento. Del último cuento del volumen, que no de las obras completas del autor, que en los siguientes años se dedicaría a situarse, con la astucia de la oveja negra a la altura de Rulfo y Borges.
Contenía el libro momentos de alta ternura cervantina y superrealista: "A la orilla del camino vaca muerta muertita sin quien la enterrara ni quien le editara sus obras completas ni quien le dijera un sentido y lloroso discurso por lo buena que había sido".
Al cabo de los años La vaca volvería, pero sólo para dejar incompleta la obra y para recordarnos lo bueno que Monterroso era.
No le dieron el premio Cervantes los tarugos de siempre. Porque no era solemne ni engreído. Y porque no había escrito, decían, sus Obras Completas.
Enrique Vila-Matas | El País (Babelia) | 28 Fevereiro 2004