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domingo, agosto 31, 2003  
Sob escuta da Zazie

Zeca Baleiro



minha tribo sou eu

eu não sou cristão
eu não sou ateu
não sou japa não sou chicano
não sou europeu
eu não sou negão
eu não sou judeu
não sou do samba nem sou do rock
minha tribo sou eu

eu não sou playboy
eu não sou plebeu
não sou hippie hype skinhead
nazi fariseu
a terra se move
falou galileu
não sou maluco nem sou careta
minha tribo sou eu

ai ai ai ai ai
ié ié ié ié ié
pobre de quem não é cacique
nem nunca vai ser pajé

e oiça: À Flor da Pele

Depois de Crato e Figueira da Foz, a digressão de Zeca Baleiro estende-se a Lisboa (Centro Cultural de Belém, dia 4 de Setembro, 21.30), Montemor-o-Novo (dia 5, 22 horas), Vila Nova de Gaia (Hard Club, dia 6, 22 horas) e, por fim, Vila Nova de Famalicão (dia 12, 22 horas). Para quem não puder assistir ao vivo, Zeca Baleiro actuará no dia 11, pelas 17 horas, no auditório da Antena 1.
(in DN,)

Zazie

posted by Anónimo on 22:36


 


Já está disponível o número 6 da Periférica . Polémica, como sempre. A pior revista de Portugal? Não, pelo contrário, a Periférica é uma revista literária bem disposta, sem preconceitos nem acanhamentos, crítica, irónica, auto-irónica, feita da maneira mais arcaica possível (por carolice), com os patrocínios mais interessados e afectuosos que existem (os dos amigos).
Nós patrocinámos.

Há muitas razões para comprar o número de verão: as ilustrações de Jordin Isip, as fotografias de Misha Gordin, os textos de Beatriz Dacosta ou da Cláudia Clemente, a entrevista com João Francisco Vilhena,... a descoberta de Daniil Harms

Era um homem ruivo que não tinha olhos nem orelhas. Também não tinha cabelo, pelo que só convencionalmente se podia chamar ruivo.

Não podia falar, porque não tinha boca. Também não tinha nariz.

Nem sequer tinha mãos, nem pernas. Não tinha ventre, não tinha costas, não tinha coluna vertebral nem quaisquer entranhas. Não tinha nada! Por isso não se compreende de quem se trata.

É melhor não falarmos mais nele.


posted by Anónimo on 20:23


 
sob escuta



Não sei se é do tempo, enevoado e pastoso, se é do fim das férias, se não é de nada em especial, apeteceu-me ir buscar os vinis e arrastar o braço do gira-discos para “Another Green World”. Irrita-me a exactidão do lugar comum, este choramingar o fim do verão, mas hoje não escapo a ele. Talvez amanhã seja diferente...

Brown Eyes and I were tired
We had walked and we had scrambled
Through the moors and through the briars
Through the endless blue meanders
In the blue August moon
In the cool August moon


Entre as letras, uma das canções mais românticas que conheço: I'll Come Running (To Tie Your Shoe)

posted by Anónimo on 18:10


 


Elements of Yellow Dog are ridiculous. It involves a tabloid hack, a mad cockney, a spoof royal family with a manservant called Love ("coming, Love!" chimes the King, a joke that goes back to the Captain Darling gag in Blackadder) and a man who, after receiving a blow to the head, defaults to a pre-middle-class version of himself. It is about death and violence and impotence, and, above all, what Amis calls "the male insecurity problem", a regular theme of his, mixed in with a bit of post-September 11 blather about the end of the world.

"Yellow Dog" é lançado na próxima semana. Resenção e entrevista com Martin Amis, no Guardian.

posted by Anónimo on 17:42


 
A não perder: os posts continuados, no 1bsk

1.
COISAS MAGNÍFICAS E ESPANTOSAS PARA FAZER EM LISBOA:
Escolher um jardim de Lisboa que pudesse servir de cenário a um espectáculo de fantoches (mesmo que não seja o caso), sentar-se num banco, e debitar reflexões relativas ao ensaio que Kleist escreveu sobre as marionetas.


2.
A PANÓPLIA DO FETICHISTA CINÉFILO
Iniciado a 28 de agosto, lista os 100 objectos sem os quais nenhum fetichista cinéfilo que se respeite deve passar.

As minhas sugestões: A lanterna mágica de “Fanny e Alexander”; “Capitale de la douleur”, de Paul Éluard no Alphaville; a coroa de espinhos do Stalker e o Monolito de 2001.





posted by Anónimo on 13:25


 
Leituras (imprevistas) de férias

1.
Quando cheguei à Terceira (em trânsito) fui a Angra procurar "Mesa de Amigos", de Pedro Silveira mas era o fim da manhã de sábado e as livrarias já estavam a fechar. Consegui-o encontrar, graças a um amigo de olhar minucioso, na Papelaria Académica em Santa Cruz da Graciosa. Trata-se da primeira edição desta antologia de poemas, escolhidos e traduzidos por Pedro Silveira. Lá estão os sete poemas de Montale e muitos outros que irão passar por aqui. Para já, Estrelas, de Giuseppe Ungaretti:

Voltam a brilhar no alto as fábulas.

Cairão com as folhas ao primeiro vento.

Mas venha outro sopro,
um novo resplendor voltará.


2.
Na viagem de regresso fui passar tempo à Praia da Vitória e deitei a mão a "Aves Nativas dos Açores" para ler no voo que me trazia a Lisboa. É um livrinho pequeno e pedagógico que faz uma breve descrição geográfica do arquipélago, da sua flora e fauna. Fiquei a conhecer melhor o milhafre queimado, o pombo-da-rocha e o torcaz, o melro negro, a estrelinha, a toutinegra, o canário-da-terra, o tentilhão, o priôlo, o estorninho e a alvéola.
Faz parte de uma colecção sobre o património natural açoriano, da responsabilidade de João Azevedo Editor.

3.
Em Lisboa o tempo de espera por ligação ao Porto levou-me a procurar um daqueles livros que se vendem nas tabacarias dos aeroportos. No talão de venda de facto está escrito "Livros best sellers" e eu só quero acreditar que sim, que "O doente Molière", de Rubem Fonseca é um êxito de vendas. É mais uma história de "Literatura de morte", o projecto da editora brasileira "Companhia das letras" que por cá está a ser lançado pelas Edições Asa e recomenda-se mesmo muito.
Uma escrita bem humorada e inteligente dá-nos conta do que se esconde por trás da morte do dramaturgo francês e de muito mais. Curiosamente o primeiro capítulo – Registo – parece um post de intenções de um blog, ora vejam lá:
Mesmo não sendo escritor sempre registei em cadernos acontecimentos dramáticos ou pitorescos, da minha vida e dos outros. O que faço não é um diário, pois não escrevo todos os dias, somente quando algum assunto me comove de alguma forma, ou me assombra, ou por algum motivo desperta a minha curiosidade. E também não consigno, na abertura dos meus registos, as datas em que foram feitos, apenas os títulos que dou aos temas anotados. Posso ser às vezes um pouco prolixo, impreciso, e talves fale excessivamente da minha vida, mas isso me parece normal, em escritos dessa natureza.
Vai direitinho para aqui.



4.
Quando cheguei a casa tinha um envelope da Byblos com um livro de Cesare Pavese.
O título original é Il Compagno. A 1ª edição, de 1960, contornou a palavra assustadora e traduziu-o como "A Guitarra quebrada" mas nesta, que tenho aqui à frente e data de Maio de 1974 o título só podia mesmo ser "O Camarada".
É a história de Pablo e é a leitura para os próximos dias, para marcar o fim do verão.
Não me dirigi para a estação, como no dia anterior. Havia um café já meio aberto na Rua de Milão e entrei nele. Tinha sono, mas era agradável fumar e rever aquela noite. Tomei um copo de leite, para aquecer e aconchegar o estômago. Em seguida bebi um bagaço.
«Como tudo é diferente», pensava, «do que imaginamos em rapazes! À medida que caminhamos na vida, a casa está em toda a parte e não está em parte nenhuma, como no catecismo. Agora bebo bagaço, mas ainda não pus de lado o leite da minha infância. Linda gostará de leite?…» Depois pensei que Linda, como todas as mulheres, devia ter leite dentro de si e ocorreu-me que as crianças sugavam o leite de uma mãe que antes disso tivera relações sexuais e que choravam se lho não davam… Acabei por me rir das ideias patuscas que me assaltavam naquele café.



posted by Anónimo on 11:09


sábado, agosto 30, 2003  
A relação entre a natureza e construção é decisiva na arquitectura. Esta relação, fonte permanente de qualquer projecto, representa para mim como que uma obsessão; sempre foi determinante no curso da história e apesar disso tende hoje a uma extinção progressiva

Álvaro Siza Vieira, “Imaginar a evidência”
© Edições 70




A não perder: visita à Faculdade de Arquitectura do Porto, desenhada por Siza Vieira. Às 19h15 no arte

posted by Anónimo on 18:52


 
Sterna fuscata


©Mike Danzenbaker

Não vi nenhuma mas consta que já passou pelo ilhéu da Praia. Chama-se Andorinha-do-mar-sombria e tem um belo nome em latim: Sterna fuscata.

posted by Anónimo on 17:39


 
Gosto muito deste poema de Camilo Pessanha. Já o rondei através deste outro.

Há dias, em conversa numa esplanada lá surgiram as Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos… e agora não me saem dos olhos:

Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina…
– Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana.
Conchinhas tenuemente cor-de-rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara.
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
– Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira…
Dentinhos que o vaivém desengastara…
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos…

posted by Anónimo on 17:15


 
sob escuta



Antidotum Tarantulae | Magie, mythe et guérison

Orfeo vestuto a lluongo co la stola
De sacerdote, accorda la vocella
Co sette corde, e ffa co la viola
Mo na ceccona e mo na tarantella.“
(Eneide, tradotta in lingua napoletana, Nicola Stigliola, 1699)


La fascination qu’engendre la guérison de cette maladie réputée causée par la morsure d’une araignée, et qu’on appelle depuis le Moyen Âge le “tarantismo”, reste encore de nos jours un phénomène d’une complexité inexplicable. Tout aussi variés que les symptômes et les causes de la maladie sont les formes musicales censées les guérir.


Christina Pluhar

posted by Anónimo on 17:06


 
Depois de todos os ruídos dos motores que são hoje a única maneira viável de saltar as ilhas, depois da correria sem qualquer fito dos terceirenses, depois do sobressalto afadigado de Ponta Delgada, a Graciosa tem o primeiro vento do sossego, o segundo vento das carícias e o terceiro vento que nos faz voar para dentro da alma, sei lá eu o que isto quer dizer.

Joaquim Manuel Magalhães, "Do Corvo a Santa Maria"
© Relógio d'Água

posted by Anónimo on 16:16


sexta-feira, agosto 29, 2003  
Cão

Cão passageiro, cão estrito
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão ali, e sempre cão.
Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal de poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moido de pancada
e condoído do dono,
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção,
cão pré fabricado,
cão espelho, cão cinzeiro, cão botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!

Alexandre O'Neill

posted by camponesa pragmática on 15:41


 
sob escuta:


posted by camponesa pragmática on 15:24


 
SMS recebida há pouco :)


posted by camponesa pragmática on 14:38


 

Passos Manuel Fecha.


Não me digam que o Pianista foi o último filme a passar naquela sala. Ou teremos que esperar mesmo pela palavra end pra acreditar no fim. Não sei se digo que não dá pra acreditar......

Já só resta o Nun' Álvares e sete salas encerradas, na cidade do Porto


posted by Anónimo on 14:32


 
sob escuta:




posted by Anónimo on 13:59


 
O jardim das oliveiras

Somos seres olhados
Ruy Belo


Se procuro o teu rosto
no meio do ruído das vozes
quem procura o teu rosto?

Quem fala obscuramente
em qualquer sítio das minhas palavras
ouvindo-se a si próprio?

Às vezes suspeito que me segues,
que não são meus os passos
atrás de mim.

O que está forá de ti, falando-te?
Este é o teu caminho,
e as minhas palavras os teus passos?

Quem me olha desse lado
e deste lado de mim?
As minhas dúvidas, até elas te pertencem?



Manuel António Pina, O Caminho de Casa (1989)



posted by Anónimo on 13:54


 
pronto-a-postar - 8

Watermelons


Irving Penn, Still Life with Watermelon, New York, c. 1947

Green Buddhas
On the fruit stand.
We eat the smile
And spit out the teeth.

Charles Simic



Cristina Fernandes

posted by camponesa pragmática on 12:47


 
Álbum de família



(Aviso à navegação: normalmente, as imagens que apresentam uma suave moldura branca, como esta, são links)

posted by camponesa pragmática on 12:41


quinta-feira, agosto 28, 2003  
- Cinq cents millions de quoi?
- Hein? Tu es toujours là? Cinq cent un million de... je ne sais plus... J'ai tellement de travail! Je suis sérieux, moi, je ne m'amuse pas à des balivernes! Deux et cinq sept...



- Cinq cent millions de quoi, répéta le petit prince qui jamais de sa vie, n'avait-il renoncé à une question, une fois qu'il l'avait posée.

Le businessman leva la tête:
- Depuis cinquante-quatre ans que j'habite cette planète-ci, je n'ai été dérangé que trois fois. La première fois ç'a été, il y a vingt-deux ans, par un hanneton qui était tombé Dieu sait d'où. Il répandait un bruit épouvantable, et j'ai fait quatre erreurs dans une addition. La seconde fois ç'à été, il y a onze ans, par une crise de rhumatisme. Je suis sérieux, moi. La troisième fois... la voici! Je disais donc cinq cent un millions...
- Millions de quoi?

Le businessman comprit qu'il n'était point d'espoir de paix :
- Millions de ces petites choses que l'on voit quelque fois dans le ciel.
- Des mouches?
- Mais non, des petites choses qui brillent.
- Des abeilles?
- Mais non. Des petites choses dorées qui font rêvasser les fainéants. Mais je suis sérieux, moi! Je n'ai pas le temps de rêvasser.
- Ah! des étoiles?
- C'est bien ça. Des étoiles.
- Et que fais-tu des cinq cent millions d'étoiles?
- Cinq cent un millions six cent vingt-deux mille sept cent trente et un. Je suis un homme sérieux, moi, je suis précis.
- Et que fais-tu de ces étoiles?
- Ce que j'en fais?
- Oui.
- Rien. Je les possède.
- Tu possèdes les étoiles?
- Oui.
- Mais j'ai déjà vu un roi qui...
- Les rois ne possèdent pas. Ils "règnent" sur. C'est très différent.
- Et à quoi cela te sert-il de posséder les étoiles?
- Ca me sert à être riche.
- Et à quoi cela te sert-il d'être riche?
- A acheter d'autres étoiles, si quelqu'un en trouve.

Celui-là, se dit en lui-même le petit prince, il raisonne un peu comme mon ivrogne. Cependant il posa encore des questions:
- Comment peut-on posséder les étoiles?
- A qui sont-elles? riposta, grincheux, le businessman.
- Je ne sais pas. A personne.
- Alors elles sont à moi, car j'y ai pensé le premier.
- Ca suffit?
- Bien sûr. Quand tu trouves un diament qui n'est à personne, il est à toi. Quand tu trouves une île qui n'est à personne, elle est à toi. Quand tu as une idée le premier, tu la fais breveter: elle est à toi. Et moi je possède les étoiles, puis que jamais personne avant moi n'a songé à les posséder.
- Ca c'est vrai, dit le petit prince. Et qu'en fais-tu?
- Je les gère. Je les compte et je les recompte, dit le businessman. C'est difficile. Mais je suis un homme sérieux!

Le petit prince n'était pas satisfait encore.
- Moi, si je possède un foulard, je puis le mettre autour de mon cou et l'emporter. Moi, si je possède une fleur, je puis cueillir ma fleur et l'emporter. Mais tu ne peux pas cueillir les étoiles!
- Non, mais je puis les placer en banque.
- Qu'est-ce que ça veut dire?
- Ca veut dire que j'écris sur un petit papier le nombre de mes étoiles. Et puis j'enferme à clef ce papier-là dans un tiroir.
- Et c'est tout?
- Ca suffit!

C'est amusant, pensa le petit prince. C'est assez poétique. Mais ce n'est pas très sérieux. Le petit prince avait sur les choses sérieuses des idées très différentes des idées des grandes personnes.
- Moi, dit-il encore, je possède une fleur que j'arrose tous les jours. Je possède trois volcans que je ramone toutes les semaines. Car je ramone aussi celui qui est éteint. On ne sait jamais. C'est utile à mes volcans, et c'est aussi utile à ma fleur, que je les possède. Mais tu n'est pas utile aux étoiles...

Le businessman ouvrit la bouche mais ne trouva rien à répondre, et le petit prince s'en fut.

"Les grandes personnes sont décidément tout à fait extraordinaires", se disait-il en lui même durant son voyage.

Saint-Exupèry

posted by camponesa pragmática on 13:48


 
L'Étranger

Qui aimes-tu le mieux, homme énigmatique, dis? Ton père, ta mère, ta soeur ou ton frère?
– Je n'ai ni père, ni mère, ni soeur, ni frère.
– Tes amis?
– Vous vous servez là d'une parole dont le sens m'est restée jusqu'à ce jour inconnu.
– Ta patrie?
– J'ignore sous quelle latitude elle est située.
– La beauté?
– Je l'aimerais volontiers, déesse et immortelle.
– L'or?
– Je le hais comme vous haïssez Dieu.
– Eh! qu'aimes-tu donc, extraordinaire étranger?
– J'aime les nuages. Les nuages qui passent... là-bas...là-bas les merveilleux nuages!

Charles Baudelaire

posted by camponesa pragmática on 11:59


 

Harry Gruyaert © Magnum Photos

posted by camponesa pragmática on 11:19


 


Composição

E é sempre a chuva
nos desertos sem guarda-chuva,
e a cicatriz, percebe-se, no muro nu.

E são dissolvidos fragmentos de estuque
e o pó das demolições de tudo
que atravanca o disforme país futuro.
Débil, nas ramas, o socorro do imbu.
Pinga, no desarvorado campo nu.

Onde vivemos é água. O sono, úmido,
em urnas desoladas. Já se entornam,
fungidas, na corrente, as coisas caras
que eram pura delícia, hoje carvão.

O mais é barro, sem esperança de escultura.

Carlos Drummond de Andrade

posted by camponesa pragmática on 11:18


 
E continua a chover...


posted by camponesa pragmática on 10:49


quarta-feira, agosto 27, 2003  


© Ralph Gibson

posted by Anónimo on 20:21


 


Lucian Freud


'I paint people not because of what they are like, not exactly in spite of what they are like, but how they happen to be'. Lucian Freud

posted by Anónimo on 18:20


 
pronto-a-postar - 7

"Language constantly fails me. That's why I continue writing."

Charles Simic



Cristina Fernandes

posted by camponesa pragmática on 18:01


 

Young Ballerina © Kozul Ljubinko

posted by camponesa pragmática on 17:45


 
sob escuta:



Life on Mars?

It's a god-awful small affair
To the girl with the mousy hair
But her mummy is yelling "No"
And her daddy has told her to go
But her friend is nowhere to be seen
Now she walks through her sunken dream
To the seat with the clearest view
And she's hooked to the silver screen
But the film is a saddening bore
For she's lived it ten times or more
She could spit in the eyes of fools
As they ask her to focus on

Sailors fighting in the dance hall
Oh man! Look at those cavemen go
It's the freakiest show
Take a look at the Lawman
Beating up the wrong guy
Oh man! Wonder if he'll ever know
He's in the best selling show
Is there life on Mars?

It's on Amerika's tortured brow
That Mickey Mouse has grown up a cow
Now the workers have struck for fame
'Cause Lennon's on sale again
See the mice in their million hordes
From Ibeza to the Norfolk Broads
Rule Britannia is out of bounds
To my mother, my dog, and clowns
But the film is a saddening bore
'Cause I wrote it ten times or more
It's about to be writ again
As I ask you to focus on

Sailors fighting in the dance hall
Oh man! Look at those cavemen go
It's the freakiest show
Take a look at the Lawman
Beating up the wrong guy
Oh man! Wonder if he'll ever know
He's in the best selling show
Is there life on Mars?


David Bowie

posted by Anónimo on 15:10


 
Não. É mentira. Eu não ando com a febre do Paul Auster. Deda informa-me que, na última semana, o livro da colecção Mil Folhas foi "A Trilogia de Nova Iorque", de Paul Auster. Por essa ocasião, Alexandra Lucas Coelho entrevista-o. Sim, uma bela entrevista. Furtei este bocadinho da entrevista.

(...)
Um dos narradores na trilogia diz a certa altura que religião e mística nada significam para ele. Os seus heróis, ou anti-heróis, estão sozinhos, como em Beckett ou Kafka, são homens sem um deus...


Sim. Mas ao mesmo tempo são homens espirituais, em busca de um significado para a vida. Não sou uma pessoa religiosa, mas a ideia de viver uma vida espiritual é muito importante para mim. E penso que a maior parte das minhas personagens andam à procura disso. Pobre Hector, no “Livro das Ilusões”... eis um homem que não acredita em Deus... mas pune-se a si próprio mais terrivelmente do que algum crente. O castigo de Hector é uma espécie de castigo religioso.

posted by Anónimo on 14:59


 
O Público vende hoje um livro abrasador.



Três artigos no jornal - livro, autor e filme.

posted by camponesa pragmática on 11:18


 
sob escuta:


posted by camponesa pragmática on 10:45


 
pronto-a-postar - 6


Alexander Yakut, Havana
© Moscow House of Photography



Cristina Fernandes

posted by camponesa pragmática on 10:38


 
Madrigal a cibdá de Santiago

Chove en Santiago
meu doce amor.
Camelia branca do ar
brila entebrecida ô sol.

Chove en Santiago
na noite escura.
Herbas de prata e de sono
cobren a valeira lúa.

Olla a choiva pola rúa,
laio de pedra e cristal.
Olla o vento esvaído
soma e cinza do teu mar.

Soma e cinza do teu mar
Santiago, lonxe do sol.
Agoa da mañán anterga
trema no meu corazón.

Federico García Lorca - Seis Poemas Galegos


© José Carlo González

posted by camponesa pragmática on 10:23


 
My Time

Só os calendários são rígidos. Especialmente os didácticos, com 4 estações nitidamente demarcadas. Hoje chove em Lisboa. Chuva de Verão, a menos de um mês do Outono.

yeah the rain came
i said hey buddy,
buddy the streets are a snake skin
i belong
out there walkin
nobody's stoppin to bother me
they hide
outside, the ceilings
cryin -
listen to the sound
of the gutters runnin
wash this dirty town
all fronts and no backs
give me my time
let me be
outside
under the ceiling
cryin'
yeah, all over me
cryin'
yeah, all over me
outside you know
i listen to the sounds
of the gutters runnin
wash this dirty town
all fronts and no backs
give me my time
let me be
outside
under the ceilings
cryin'
yeah, all over me
cryin'
yeah, all over me



posted by camponesa pragmática on 10:12


terça-feira, agosto 26, 2003  
ah é verdade, o Livro das Ilusões tem uma epígrafe que é a seguinte:

" O homem não tem uma única e mesma vida; tem várias, uma sucessão de segmentos unidos entre si, e essa é a sua miséria."

Chateaubriand


posted by Anónimo on 22:54


 


Ele é tido como um grande escritor que escreve grandes livros; um escritor extraordinário que escreve livros extraordinários; um escritor surpreendente que escreve livros surpreendentes,..(e mais um camião de adjectivos positivos e belos sobre. (não gosto do barroco. fica pra os críticos e companhia limitada a.) )
Com o Livro das ilusões (editado pelas Edições Asa), só posso carregar na tónica de que ele é um feiticeiro. Paul Auster enfeitiça e prende-nos até a última linha, com uma história fascinante. E quem gosta de cinema e, em especial do cinema mudo, não pode perder este livro de vista.
Sem sombras, Um livro a ler, a reler. O Livro das Ilusões.

posted by Anónimo on 19:33


 
disse há pouco a alguém que passou nas minhas costas, há pouco:
"deus está nos pormenores."
como alguém disse. tenho dito.


posted by Anónimo on 19:16


 
pronto-a-postar - 5

découvrir les différences


Paris: à la gauche, manif de gauche et à la droite, manif de droite



Cristina Fernandes

posted by camponesa pragmática on 17:27


 
sob escuta:




posted by camponesa pragmática on 17:20


 
Seixal Jazz 2003

.

posted by camponesa pragmática on 16:07


 


Consta que a Petra estará no Catacumbas no dia 4 de Setembro, quinta-feira. E que dia 6 de Setembro, Sábado, estará na Festa do Avante. A cantar, evidentemente.

Isto serve para quem já a ouviu começar a contar os dias que faltam. E para aliciar quem ainda não a ouviu a ir a um dos concertos. Ou a ambos.

posted by camponesa pragmática on 15:58


 
OLHÁ BATATA GORDUROSA FRESQUINHA!



Já cá faltava. Martin Parr tem fotografias novas - Maiorca/2003.


© Martin Parr


posted by camponesa pragmática on 11:17


 
pronto-a-postar - 4

Do mar


© Anke Ligteringen

Aqueles de um país costeiro, há séculos,
contêm no tórax a grandeza
sonora das marés vivas.
Em simples forma de barco,
as palmas das mãos. Os cabelos são banais
como algas finas. O mar
está em suas vidas de tal modo
que os embebe dos vapores do sal.
Não é fácil amá-los
de um amor igual à
benignidade do mar.


Fiama Hasse Pais Brandão



Cristina Fernandes

posted by camponesa pragmática on 11:04


 


Molécula do Vinho Tinto Prolonga a Vida
Por GREG FROST (REUTERS)


«Os cientistas já sabiam que uma dieta com poucas calorias prolongava a vida. Mas uma forma mais agradável de promover a longevidade pode ser a de consumir vinho tinto e amendoins, diz uma equipa norte-americana que identificou nestes dois alimentos moléculas que prolongam a vida - pelo menos, no caso do fermento de padeiro, um fungo muito usado para estudar fenómenos biológicos básicos, comuns a um vasto leque de seres vivos.
[...] - © PÚBLICO.PT

posted by camponesa pragmática on 10:57


 

Roteiros - aqui.

posted by camponesa pragmática on 10:32


 

AQUI

posted by camponesa pragmática on 10:28


segunda-feira, agosto 25, 2003  
Sob escuta da Zazie



Site da Malavita - aqui.
Samples - aqui.

posted by camponesa pragmática on 12:17


 
Wittgenstein, "o Transtornado"
Por ROGER-POL DROIT


«Os habitantes da pequena aldeia de Otterthal (Baixa Áustria) estão muito descontentes. Dir-se-ia que estão mesmo furiosos. O novo professor primário não é só um tipo bizarro - é um bruto. Eis que agrediu uma menina. Este Wittgenstein puxou a orelha de uma das miúdas da turma, e com tanta força que a fez sangrar. E tudo isto porque ela nada entendia dos problemas de Matemática. Aqui, nunca ninguém fizera semelhante coisa. A aldeia é tranquila, um tanto perdida nas montanhas. As pessoas são rudes, mas incapazes de cometer um acto do género. Já aconteceu um professor berrar aos alunos, mas nunca ninguém ousou tocar numa menina, e sobretudo por causa da Matemática. De resto, os aldeões têm todos os motivos para desconfiar deste homem, tão diferente deles que o não conseguem compreender.

Como é que um grande burguês se encontra, aos 35 anos, como professor nesta aldeia perdida? Diz-se que ele ensinou antes noutras aldeias, em Puchberg, em Trattenbach. Mas dizem também que a sua família é riquíssima, que ele ganhou medalhas na guerra, que é um grande sábio. Que é que veio fazer aqui? Porque é que aparece como professor na aldeia, depois de ter sido jardineiro num mosteiro, se é tão rico e tão instruído? Será um transtornado, talvez perigoso?

Os habitantes da aldeia não deixam de ter razão. Ludwig Wittgenstein é realmente um transtornado perigoso. Mas não como eles pensam. É para os nossos hábitos mentais, para o nosso conforto intelectual e para as nossas certezas que este génio é um perigo. Porque ele pratica a filosofia contra todos os outros filósofos. Os outros procuram a verdade, o aumento dos nossos conhecimentos, a resolução dos grandes problemas sempre que tal é possível. Ele decidiu fazer o contrário. Ele procura extinguir os problemas, fazer de certa maneira com que as questões se dissolvam.

Wittgenstein quer acabar com a filosofia. O seu objectivo é liquidá-la, pura e simplesmente, demonstrando que todas as questões que agitaram tantos séculos não passam de mal-entendidos, de confusões engendradas pelas nossas maneiras de falar. No fim da I Guerra Mundial, ele julgou tê-lo conseguido. Convencido de ter acabado, fez-se jardineiro e professor primário. À força de ler Tolstoi, tinha pensado que os camponeses eram melhores que os outros homens. Apercebe-se de que isso é falso.

Do seu primeiro lugar como professor estagiário no início do ano lectivo de 1920, Wittgenstein escreve ao matemático e filósofo inglês Bertrand Russel, o seu primeiro mestre: "Os homens de Trattenbach são maus." Russel replica que é o caso de todos os homens, mas o seu discípulo insiste: "É verdade, mas os homens de Trattenbach são piores que os de qualquer outro lugar." Decididamente, ele não foi feito para viver nestas condições, rodeado de crianças barulhentas e de adultos broncos. "Neste lugar, não há uma alma com quem eu possa ter um intercâmbio razoável." O mesmo acontecerá em Puchberg, de 1923 a 1926, e ainda na sua colocação seguinte, onde ele evita um processo por causa da orelha brutalizada. Ele negou, felizmente. Mas está cheio de remorsos por ter mentido, infelizmente. Continuou a actualizar o seu "Vocabulário para as Escolas Primárias", mas isto já quase o não motiva. É tempo de regressar a Viena.

Nunca reencontrará a Viena da sua infância. Há muito que rompera com tudo isto, preferindo permanecer só a prosseguir a vida faustosa da dinastia familiar. Karl, o pai, morreu em 1913. Este grande industrial siderúrgico, amigo dos Krupp e dos Carnegie, já não viu a guerra. A família vivia num palácio viscontiano, onde havia nada menos de sete pianos e onde todos eram músicos, mais ou menos nevróticos. A sua vida nada tinha a ver com a da aristocracia austríaca, geralmente grosseira e inculta.

Entre os Wittgenstein, defendia-se a arte moderna, os novos tempos, as ideias que chocavam os burgueses. Klimt era um amigo, Brahms um íntimo. Vários dos irmãos Wittgenstein foram "virtuoses", e, quando Paul perdeu um braço na guerra, Ravel escreveu para ele o "Concerto para a mão esquerda".

O próprio Ludwig sonhou durante uns tempos tornar-se chefe de orquestra. Mas o que o interessava, quando era um prodígio na infância, eram as máquinas. Aos 11 anos, construiu sozinho uma máquina de costura. Aos 20, em 1909, entra numa escola de Engenharia, concebe um motor de reacção e parte para Manchester para estudar a propulsão dos aviões. É nesta época que se apaixona pela reflexão sobre as matemáticas e se encontra com Bertrand Russel.

Este descreve-o numa página célebre dos seus "Portraits of Memory", que vale a pena citar: "Ele era estranho e as suas noções pareciam-me bizarras, de forma que durante um trimestre inteiro não fui capaz de saber se era um génio ou simplesmente um excêntrico. No fim do seu primeiro trimestre em Cambridge, veio ver-me e disse-me: 'Por favor, diga-me se sou completamente idiota ou não.' Respondi: 'Meu caro, eu não sei, por que mo pergunta?' Ele disse: 'Porque, se for completamente idiota, tornar-me-ei aeronauta; se não, tornar-me-ei filósofo.' Disse-lhe para escrever qualquer coisa, durante as férias, sobre um assunto filosófico, e então lhe diria se era completamente idiota ou não. No princípio do trimestre seguinte, trouxe-me o resultado desta sugestão. Depois de ter lido uma só frase, disse-lhe: 'Não, você não se deve tornar num aeronauta.' E não se tornou."

Quando rebenta a guerra, Wittgenstein alista-se voluntariamente. O seu regimento está estacionado em Cracóvia e ele é colocado num torpedeiro no Vístula. É a bordo do "Goplana", durante os seus quartos de vigia nocturna, entre o barulho das máquinas, a fadiga e o frio, que escreverá o essencial do seu primeiro livro, destinado a acabar com a filosofia. Esta, a seus olhos, nada constrói, não muda o mundo de forma nenhuma - pelo contrário, deixa tudo na mesma. Se tem um impacto, é somente crítico. O essencial da actividade filosófica é para Wittgenstein uma crítica da linguagem que deve culminar numa espécie de autodissolução. As únicas frases providas de sentido são aquelas que descrevem factos, os acontecimentos que têm lugar no mundo. Mas este próprio mundo, a sua textura e a sua presença permanecem impossíveis de dizer. O erro mais comum consiste em tentar exprimir este indizível. Contra esta ilusão, Wittgenstein conclui o seu livro por esta fórmula, mais enigmática do que parece: "Acerca daquilo de que se não pode falar tem que se ficar em silêncio."

Este curto volume, adornado por um título desencorajador ("Tractatus Logico-Philosophicus"), é publicado em 1921. O seu autor considera o caso encerrado. Trabalhou seis anos de seguida, conseguiu distinguir o que convém fazer para utilizarmos legitimamente as nossas frases e o que se deve evitar para não cairmos na verborreia oca dos filósofos anteriores. E chega. Ele herda, em 1919, a sua parte da imensa fortuna paterna e depressa dela se desembaraça fazendo doações a seus irmãos e irmãs: ficarão menos perturbados, diz, do que se fossem pobres. Obtém o seu diploma de professor primário, constrói uma cabana na Noruega na margem de um lago deserto e vai ensinar a ler e a contar aos pequenos montanheses da Áustria.

Esta conversão à obscuridade continua difícil de compreender. Sem dúvida que Wittgenstein se debate com uma intensa crise espiritual. "Ele tornou-se completamente místico", escreve Russel na época. Sem dúvida, a sua angústia e a sua instabilidade, que nunca cessam, são particularmente vivas neste momento da sua vida. Mas talvez não se deva conceder um excessivo lugar aos factores simplesmente psicológicos.

Só contra todos os filósofos, Wittgenstein acaba por ficar só contra si mesmo! Abandona portanto a sua própria pista e crê ter acabado com a sua vida e com o seu pensamento de antes. Em 1924, Keynes queria vê-lo regressar ao trabalho. Wittgenstein responde-lhe: "Tudo o que devia realmente dizer já o disse, a fonte secou. Isto soa curiosamente, mas é assim."

Engana-se. No fim do caminho, depois dos jardins de mosteiro e das escolas de montanha, vai reencontrar de uma outra forma o seu trilho. Mas só depois de um último desvio, em que constrói uma casa em Viena para sua irmã Margarete. Desenha os planos, mas também as portas, as fechaduras e até os radiadores. Ainda hoje é admirado, na Kundmangasse, e é patente o seu parentesco com a arquitectura de Loos. Wittgenstein volta a Cambridge em 1929 para defender a sua tese de doutoramento sobre o "Tractatus", com Russel e Moore no júri. Dirige-lhes este comentário: "Não se preocupem, sei que jamais compreenderão algo disto."

Tornado professor, o filósofo continua a nada fazer como os outros. Não dá aulas, reúne-se a intervalos regulares com alguns alunos no seu quarto e dita-lhes, interminavelmente, os seus pensamentos. Isto durará até à II Guerra Mundial, em que escolhe ser enfermeiro num hospital inglês. Se se acrescentar que não publica praticamente nada e prefere ir ver "westerns" a ler a revista "Mind", é fácil compreender que a sua reputação de excêntrico em nada diminuiu.

Ao longo destes anos, apesar de tudo, Wittgenstein desfaz a sua antiga concepção da lógica, renova profundamente a sua abordagem da linguagem e a própria maneira de encarar os problemas filosóficos. Descobre que a questão do sentido é muito mais diversa e compósita do que se crê e do que ele próprio tinha pensado. "Uma palavra não tem um sentido que lhe seja dado, por assim dizer, por uma potência independente de nós; de modo que poderia haver uma espécie de investigação científica sobre o que essa palavra quer realmente dizer. Uma palavra tem o sentido que alguém lhe deu." Questão de circunstâncias, de contexto, de múltiplas ocasiões a distinguir uma a uma. Não é bastante categórico, suficientemente simples e definitivo? "Muitas das palavras não têm sentido estrito - continua Wittgenstein, ditando os seus pensamentos no seu quarto de Cambridge -, mas isso não é um defeito. Pensar o contrário seria como dizer que a luz do meu candeeiro de trabalho nada tem de uma verdadeira luz, porque não tem uma fronteira clara."

Dos anos de professor primário, Wittgenstein conservou o sentido do exemplo concreto, da pedagogia com imagens. Por desconcertantes que sejam as suas afirmações, ele encarna-as em cenas concretas, por vezes em curtos argumentos. Exemplo: "Numa certa tribo, fazem-se concursos de corrida, de lançamento de pesos, etc., e os espectadores apostam os seus bens sobre os concorrentes. (...) Se alguém colocou o seu ouro sob o retrato do vencedor da competição, recupera o dobro da aposta. Senão, perde a aposta. A um tal comportamento chamaríamos, sem dúvida, apostar, mesmo que estivéssemos a observar uma sociedade cuja linguagem não possui nenhum esquema para enunciar 'graus de probabilidade', 'riscos' e outras coisas semelhantes."

Estes "jogos de linguagem", como Wittgenstein lhes chama, não constroem nenhum conhecimento novo. Mas fazem-nos experimentar, de maneira quase sensível, a diversidade das actividades no decurso das quais nós utilizamos palavras na aparência semelhantes, quando interrogar e afirmar, comandar ou descrever, supor ou gemer são situações completamente distintas.

Clarificar os usos da linguagem, a diversidade das suas posturas e dos seus jogos, eis o que, para Wittgenstein, deveria permitir desembaraçarmo-nos da filosofia e dos seus problemas, que mais não seriam do que as formas de uma patologia derivada da nossa compreensão desajustada das frases. "Quando filosofamos, somos como selvagens, homens primitivos que ouvem as formas de expressão de homens civilizados e as interpretam mal, tirando em seguida estranhas conclusões da sua interpretação." Porque os filósofos fazem um uso errado da linguagem, é preciso, para limpar o terreno, fazer um retorno ao modo comum de falar. Lição que vale a Wittgenstein uma notoriedade imensa e uma não menor incompreensão.
» © PÚBLICO.PT

posted by camponesa pragmática on 11:57


 
Haroldo de Campos

Haroldo de Campos é um dos mais inovadores escritores de poemas do século XX brasileiro. Nasceu em São Paulo, em 1929, e foi um dos fundadores, em 1952, com o irmão Augusto e Décio Pignatari, da revista "Noigandres" (título roubado ao trovador provençal Arnaut Daniel), que marca o início do movimento concretista brasileiro.

Com a actividade deste grupo abre-se então um dos períodos mais férteis e criativos da poesia feita no Brasil. Leia-se, por exemplo, o excerto de "Galáxias" que a Assírio & Alvim incluiu na "Rosa do Mundo".

Mas Haroldo de Campos foi sobretudo um significativo divulgador dos grandes clássicos da poesia universal. São da sua lavra algumas das mais importantes traduções para o Português de textos clássicos chineses, clássicos hebraicos (Qohélet, por exemplo), Homero, Dante, Mallarmé, Maiakóvski ou Pound, só para citar alguns, quase sempre em colaboração com outros autores. Haroldo de Campos morreu [no sábado, dia 16 de Agosto,] na sua cidade natal, de "falência múltipla de órgãos" (Folha de São Paulo, 17/9). [Dia] 19 de Agosto, [teria feito] exactamente 74 anos.



Brinde

Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa;
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.

Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;

Uma embriaguez me faz arauto,
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde

Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
um branco afã de nossa vela.

STEPHANE MALLARMÉ

(Tradução de Haroldo de Campos, em colaboração com Augusto de Campos e Décio Pignatari, Editora Perspectiva, 3ª Ed., 1991.)


© Rui Amaral


posted by camponesa pragmática on 11:45


 
pronto-a-postar - 3

Amiúde

No vale dos afectos
ninguém está seguro:
Mingua a lembrança
esquece-se o rosto,
retorna-se ao eu,
os lábios secam, as palavras dormem, os sonhos dispersam-se a presença ausenta-se, há o lago de que não se vê o fundo –

E apenas as pequenas ilusões
– um café, o cigarro, a limonada –
imitam dois corações unidos...


Raul de Carvalho



Cristina Fernandes

posted by camponesa pragmática on 11:40


domingo, agosto 24, 2003  
Feira Árabe em Óbidos



Hoje é o último dia da Feira.

posted by picatostes on 10:18


 
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