domingo, agosto 31, 2003
Leituras (imprevistas) de férias
1. Quando cheguei à Terceira (em trânsito) fui a Angra procurar "Mesa de Amigos", de Pedro Silveira mas era o fim da manhã de sábado e as livrarias já estavam a fechar. Consegui-o encontrar, graças a um amigo de olhar minucioso, na Papelaria Académica em Santa Cruz da Graciosa. Trata-se da primeira edição desta antologia de poemas, escolhidos e traduzidos por Pedro Silveira. Lá estão os sete poemas de Montale e muitos outros que irão passar por aqui. Para já, Estrelas, de Giuseppe Ungaretti:
Voltam a brilhar no alto as fábulas.
Cairão com as folhas ao primeiro vento.
Mas venha outro sopro,
um novo resplendor voltará.
2. Na viagem de regresso fui passar tempo à Praia da Vitória e deitei a mão a "Aves Nativas dos Açores" para ler no voo que me trazia a Lisboa. É um livrinho pequeno e pedagógico que faz uma breve descrição geográfica do arquipélago, da sua flora e fauna. Fiquei a conhecer melhor o milhafre queimado, o pombo-da-rocha e o torcaz, o melro negro, a estrelinha, a toutinegra, o canário-da-terra, o tentilhão, o priôlo, o estorninho e a alvéola.
Faz parte de uma colecção sobre o património natural açoriano, da responsabilidade de João Azevedo Editor.
3. Em Lisboa o tempo de espera por ligação ao Porto levou-me a procurar um daqueles livros que se vendem nas tabacarias dos aeroportos. No talão de venda de facto está escrito "Livros best sellers" e eu só quero acreditar que sim, que "O doente Molière", de Rubem Fonseca é um êxito de vendas. É mais uma história de "Literatura de morte", o projecto da editora brasileira "Companhia das letras" que por cá está a ser lançado pelas Edições Asa e recomenda-se mesmo muito.
Uma escrita bem humorada e inteligente dá-nos conta do que se esconde por trás da morte do dramaturgo francês e de muito mais. Curiosamente o primeiro capítulo – Registo – parece um post de intenções de um blog, ora vejam lá:
Mesmo não sendo escritor sempre registei em cadernos acontecimentos dramáticos ou pitorescos, da minha vida e dos outros. O que faço não é um diário, pois não escrevo todos os dias, somente quando algum assunto me comove de alguma forma, ou me assombra, ou por algum motivo desperta a minha curiosidade. E também não consigno, na abertura dos meus registos, as datas em que foram feitos, apenas os títulos que dou aos temas anotados. Posso ser às vezes um pouco prolixo, impreciso, e talves fale excessivamente da minha vida, mas isso me parece normal, em escritos dessa natureza. Vai direitinho para aqui.
4. Quando cheguei a casa tinha um envelope da Byblos com um livro de Cesare Pavese.
O título original é Il Compagno. A 1ª edição, de 1960, contornou a palavra assustadora e traduziu-o como "A Guitarra quebrada" mas nesta, que tenho aqui à frente e data de Maio de 1974 o título só podia mesmo ser "O Camarada".
É a história de Pablo e é a leitura para os próximos dias, para marcar o fim do verão.
Não me dirigi para a estação, como no dia anterior. Havia um café já meio aberto na Rua de Milão e entrei nele. Tinha sono, mas era agradável fumar e rever aquela noite. Tomei um copo de leite, para aquecer e aconchegar o estômago. Em seguida bebi um bagaço.
«Como tudo é diferente», pensava, «do que imaginamos em rapazes! À medida que caminhamos na vida, a casa está em toda a parte e não está em parte nenhuma, como no catecismo. Agora bebo bagaço, mas ainda não pus de lado o leite da minha infância. Linda gostará de leite?…» Depois pensei que Linda, como todas as mulheres, devia ter leite dentro de si e ocorreu-me que as crianças sugavam o leite de uma mãe que antes disso tivera relações sexuais e que choravam se lho não davam… Acabei por me rir das ideias patuscas que me assaltavam naquele café.