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segunda-feira, agosto 25, 2003  
Wittgenstein, "o Transtornado"
Por ROGER-POL DROIT


«Os habitantes da pequena aldeia de Otterthal (Baixa Áustria) estão muito descontentes. Dir-se-ia que estão mesmo furiosos. O novo professor primário não é só um tipo bizarro - é um bruto. Eis que agrediu uma menina. Este Wittgenstein puxou a orelha de uma das miúdas da turma, e com tanta força que a fez sangrar. E tudo isto porque ela nada entendia dos problemas de Matemática. Aqui, nunca ninguém fizera semelhante coisa. A aldeia é tranquila, um tanto perdida nas montanhas. As pessoas são rudes, mas incapazes de cometer um acto do género. Já aconteceu um professor berrar aos alunos, mas nunca ninguém ousou tocar numa menina, e sobretudo por causa da Matemática. De resto, os aldeões têm todos os motivos para desconfiar deste homem, tão diferente deles que o não conseguem compreender.

Como é que um grande burguês se encontra, aos 35 anos, como professor nesta aldeia perdida? Diz-se que ele ensinou antes noutras aldeias, em Puchberg, em Trattenbach. Mas dizem também que a sua família é riquíssima, que ele ganhou medalhas na guerra, que é um grande sábio. Que é que veio fazer aqui? Porque é que aparece como professor na aldeia, depois de ter sido jardineiro num mosteiro, se é tão rico e tão instruído? Será um transtornado, talvez perigoso?

Os habitantes da aldeia não deixam de ter razão. Ludwig Wittgenstein é realmente um transtornado perigoso. Mas não como eles pensam. É para os nossos hábitos mentais, para o nosso conforto intelectual e para as nossas certezas que este génio é um perigo. Porque ele pratica a filosofia contra todos os outros filósofos. Os outros procuram a verdade, o aumento dos nossos conhecimentos, a resolução dos grandes problemas sempre que tal é possível. Ele decidiu fazer o contrário. Ele procura extinguir os problemas, fazer de certa maneira com que as questões se dissolvam.

Wittgenstein quer acabar com a filosofia. O seu objectivo é liquidá-la, pura e simplesmente, demonstrando que todas as questões que agitaram tantos séculos não passam de mal-entendidos, de confusões engendradas pelas nossas maneiras de falar. No fim da I Guerra Mundial, ele julgou tê-lo conseguido. Convencido de ter acabado, fez-se jardineiro e professor primário. À força de ler Tolstoi, tinha pensado que os camponeses eram melhores que os outros homens. Apercebe-se de que isso é falso.

Do seu primeiro lugar como professor estagiário no início do ano lectivo de 1920, Wittgenstein escreve ao matemático e filósofo inglês Bertrand Russel, o seu primeiro mestre: "Os homens de Trattenbach são maus." Russel replica que é o caso de todos os homens, mas o seu discípulo insiste: "É verdade, mas os homens de Trattenbach são piores que os de qualquer outro lugar." Decididamente, ele não foi feito para viver nestas condições, rodeado de crianças barulhentas e de adultos broncos. "Neste lugar, não há uma alma com quem eu possa ter um intercâmbio razoável." O mesmo acontecerá em Puchberg, de 1923 a 1926, e ainda na sua colocação seguinte, onde ele evita um processo por causa da orelha brutalizada. Ele negou, felizmente. Mas está cheio de remorsos por ter mentido, infelizmente. Continuou a actualizar o seu "Vocabulário para as Escolas Primárias", mas isto já quase o não motiva. É tempo de regressar a Viena.

Nunca reencontrará a Viena da sua infância. Há muito que rompera com tudo isto, preferindo permanecer só a prosseguir a vida faustosa da dinastia familiar. Karl, o pai, morreu em 1913. Este grande industrial siderúrgico, amigo dos Krupp e dos Carnegie, já não viu a guerra. A família vivia num palácio viscontiano, onde havia nada menos de sete pianos e onde todos eram músicos, mais ou menos nevróticos. A sua vida nada tinha a ver com a da aristocracia austríaca, geralmente grosseira e inculta.

Entre os Wittgenstein, defendia-se a arte moderna, os novos tempos, as ideias que chocavam os burgueses. Klimt era um amigo, Brahms um íntimo. Vários dos irmãos Wittgenstein foram "virtuoses", e, quando Paul perdeu um braço na guerra, Ravel escreveu para ele o "Concerto para a mão esquerda".

O próprio Ludwig sonhou durante uns tempos tornar-se chefe de orquestra. Mas o que o interessava, quando era um prodígio na infância, eram as máquinas. Aos 11 anos, construiu sozinho uma máquina de costura. Aos 20, em 1909, entra numa escola de Engenharia, concebe um motor de reacção e parte para Manchester para estudar a propulsão dos aviões. É nesta época que se apaixona pela reflexão sobre as matemáticas e se encontra com Bertrand Russel.

Este descreve-o numa página célebre dos seus "Portraits of Memory", que vale a pena citar: "Ele era estranho e as suas noções pareciam-me bizarras, de forma que durante um trimestre inteiro não fui capaz de saber se era um génio ou simplesmente um excêntrico. No fim do seu primeiro trimestre em Cambridge, veio ver-me e disse-me: 'Por favor, diga-me se sou completamente idiota ou não.' Respondi: 'Meu caro, eu não sei, por que mo pergunta?' Ele disse: 'Porque, se for completamente idiota, tornar-me-ei aeronauta; se não, tornar-me-ei filósofo.' Disse-lhe para escrever qualquer coisa, durante as férias, sobre um assunto filosófico, e então lhe diria se era completamente idiota ou não. No princípio do trimestre seguinte, trouxe-me o resultado desta sugestão. Depois de ter lido uma só frase, disse-lhe: 'Não, você não se deve tornar num aeronauta.' E não se tornou."

Quando rebenta a guerra, Wittgenstein alista-se voluntariamente. O seu regimento está estacionado em Cracóvia e ele é colocado num torpedeiro no Vístula. É a bordo do "Goplana", durante os seus quartos de vigia nocturna, entre o barulho das máquinas, a fadiga e o frio, que escreverá o essencial do seu primeiro livro, destinado a acabar com a filosofia. Esta, a seus olhos, nada constrói, não muda o mundo de forma nenhuma - pelo contrário, deixa tudo na mesma. Se tem um impacto, é somente crítico. O essencial da actividade filosófica é para Wittgenstein uma crítica da linguagem que deve culminar numa espécie de autodissolução. As únicas frases providas de sentido são aquelas que descrevem factos, os acontecimentos que têm lugar no mundo. Mas este próprio mundo, a sua textura e a sua presença permanecem impossíveis de dizer. O erro mais comum consiste em tentar exprimir este indizível. Contra esta ilusão, Wittgenstein conclui o seu livro por esta fórmula, mais enigmática do que parece: "Acerca daquilo de que se não pode falar tem que se ficar em silêncio."

Este curto volume, adornado por um título desencorajador ("Tractatus Logico-Philosophicus"), é publicado em 1921. O seu autor considera o caso encerrado. Trabalhou seis anos de seguida, conseguiu distinguir o que convém fazer para utilizarmos legitimamente as nossas frases e o que se deve evitar para não cairmos na verborreia oca dos filósofos anteriores. E chega. Ele herda, em 1919, a sua parte da imensa fortuna paterna e depressa dela se desembaraça fazendo doações a seus irmãos e irmãs: ficarão menos perturbados, diz, do que se fossem pobres. Obtém o seu diploma de professor primário, constrói uma cabana na Noruega na margem de um lago deserto e vai ensinar a ler e a contar aos pequenos montanheses da Áustria.

Esta conversão à obscuridade continua difícil de compreender. Sem dúvida que Wittgenstein se debate com uma intensa crise espiritual. "Ele tornou-se completamente místico", escreve Russel na época. Sem dúvida, a sua angústia e a sua instabilidade, que nunca cessam, são particularmente vivas neste momento da sua vida. Mas talvez não se deva conceder um excessivo lugar aos factores simplesmente psicológicos.

Só contra todos os filósofos, Wittgenstein acaba por ficar só contra si mesmo! Abandona portanto a sua própria pista e crê ter acabado com a sua vida e com o seu pensamento de antes. Em 1924, Keynes queria vê-lo regressar ao trabalho. Wittgenstein responde-lhe: "Tudo o que devia realmente dizer já o disse, a fonte secou. Isto soa curiosamente, mas é assim."

Engana-se. No fim do caminho, depois dos jardins de mosteiro e das escolas de montanha, vai reencontrar de uma outra forma o seu trilho. Mas só depois de um último desvio, em que constrói uma casa em Viena para sua irmã Margarete. Desenha os planos, mas também as portas, as fechaduras e até os radiadores. Ainda hoje é admirado, na Kundmangasse, e é patente o seu parentesco com a arquitectura de Loos. Wittgenstein volta a Cambridge em 1929 para defender a sua tese de doutoramento sobre o "Tractatus", com Russel e Moore no júri. Dirige-lhes este comentário: "Não se preocupem, sei que jamais compreenderão algo disto."

Tornado professor, o filósofo continua a nada fazer como os outros. Não dá aulas, reúne-se a intervalos regulares com alguns alunos no seu quarto e dita-lhes, interminavelmente, os seus pensamentos. Isto durará até à II Guerra Mundial, em que escolhe ser enfermeiro num hospital inglês. Se se acrescentar que não publica praticamente nada e prefere ir ver "westerns" a ler a revista "Mind", é fácil compreender que a sua reputação de excêntrico em nada diminuiu.

Ao longo destes anos, apesar de tudo, Wittgenstein desfaz a sua antiga concepção da lógica, renova profundamente a sua abordagem da linguagem e a própria maneira de encarar os problemas filosóficos. Descobre que a questão do sentido é muito mais diversa e compósita do que se crê e do que ele próprio tinha pensado. "Uma palavra não tem um sentido que lhe seja dado, por assim dizer, por uma potência independente de nós; de modo que poderia haver uma espécie de investigação científica sobre o que essa palavra quer realmente dizer. Uma palavra tem o sentido que alguém lhe deu." Questão de circunstâncias, de contexto, de múltiplas ocasiões a distinguir uma a uma. Não é bastante categórico, suficientemente simples e definitivo? "Muitas das palavras não têm sentido estrito - continua Wittgenstein, ditando os seus pensamentos no seu quarto de Cambridge -, mas isso não é um defeito. Pensar o contrário seria como dizer que a luz do meu candeeiro de trabalho nada tem de uma verdadeira luz, porque não tem uma fronteira clara."

Dos anos de professor primário, Wittgenstein conservou o sentido do exemplo concreto, da pedagogia com imagens. Por desconcertantes que sejam as suas afirmações, ele encarna-as em cenas concretas, por vezes em curtos argumentos. Exemplo: "Numa certa tribo, fazem-se concursos de corrida, de lançamento de pesos, etc., e os espectadores apostam os seus bens sobre os concorrentes. (...) Se alguém colocou o seu ouro sob o retrato do vencedor da competição, recupera o dobro da aposta. Senão, perde a aposta. A um tal comportamento chamaríamos, sem dúvida, apostar, mesmo que estivéssemos a observar uma sociedade cuja linguagem não possui nenhum esquema para enunciar 'graus de probabilidade', 'riscos' e outras coisas semelhantes."

Estes "jogos de linguagem", como Wittgenstein lhes chama, não constroem nenhum conhecimento novo. Mas fazem-nos experimentar, de maneira quase sensível, a diversidade das actividades no decurso das quais nós utilizamos palavras na aparência semelhantes, quando interrogar e afirmar, comandar ou descrever, supor ou gemer são situações completamente distintas.

Clarificar os usos da linguagem, a diversidade das suas posturas e dos seus jogos, eis o que, para Wittgenstein, deveria permitir desembaraçarmo-nos da filosofia e dos seus problemas, que mais não seriam do que as formas de uma patologia derivada da nossa compreensão desajustada das frases. "Quando filosofamos, somos como selvagens, homens primitivos que ouvem as formas de expressão de homens civilizados e as interpretam mal, tirando em seguida estranhas conclusões da sua interpretação." Porque os filósofos fazem um uso errado da linguagem, é preciso, para limpar o terreno, fazer um retorno ao modo comum de falar. Lição que vale a Wittgenstein uma notoriedade imensa e uma não menor incompreensão.
» © PÚBLICO.PT

posted by camponesa pragmática on 11:57


 
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