José Pacheco Pereira recorda o seu antepassado, Lopo Lopo Fernandes Pacheco, repousando na Sé, ao lado da tranquila esposa leitora. Mas a quem pertenceria a cabeça de menina que o artífice deixou a espreitar por baixo da espada do fidalfo...?
As torneiras de Freud mudaram de endereço. Desconfio que fogem de alguma coisa, hei-de averiguar. Vi-as passar na avenida de lambreta. Levavam os posts, os canos e os sonhos pendurados. Será que já trocaram Freud pelo Nanni Moretti?
Um, dois, um dois três quatro cinco minutos de jazz
A primeira emissão foi para o ar em 21 Fevereiro de 1966. Trinta e oito anos de persistência e amor ao jazz.
Merece mais que parabéns, merece ser ouvido e estimado, de segunda a sexta na RDP Antena 1 (às 3h50 e 19h50) e na RDP Antena 2 (às 9h15).
Jazz. Para muitos uma música estanha, suspeita, por vezes mesmo insuportável. Para outros: arte, tecnicismo, mensagem, enfim, uma expressão musical evoluída, baseada num folclore rico. Se queremos tomar uma posição racional perante o jazz, resta-nos ouvir e ouvir muito. É isso que proponho.
José Duarte
Programa número 1 21 Fevereiro de 1966, Vigésima Terceira Hora, Rádio Renascença
Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,
Mike Goldberg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
«Senta-te e toma uma bebida» diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
«Tu tens SARDINHAS aí.»
«Sim, precisava de qualquer coisa ali.»
«Oh.» Eu saio e os dias passam
e eu apareço de novo. O quadro
avança, e eu saio, e os dias
passam. Eu apareço. O quadro está
terminado. «Onde estão SARDINHAS?»
O que resta são apenas
letras. «Era demasiado», diz Mike.
E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
LARANJAS. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.
Morreu Jean Rouch. Para além de seguir o “cinema verdade”de que Petit a Petit(1971) é o exemplo mais conhecido, foi também um excelente documentarista. Entre os inúmeros trabalhos etnográficos, registe-se o documentário realizado em 57 sobre a vila abandonada de Yougo Dogorou, no Mali. Local mítico onde se realizavam estranhas e gigantescas máscaras festivas.
Quem o diz é Odysséas Elytis, poeta grego que escreveu nos anos setenta do século passado (e publicou em 1978) um poema que foi livro de cabeceira da juventude em revolta. O poema era escrito como um diálogo entre Maria Neféli (Maria Nuvem, à letra) e um Antifoneiro, que seria o poeta. Quem o traduz é o Manuel Resende. Um, dois,três, quatroposts para ler e guardar enquanto não chega a edição em papel de "Axion Estí (Louvada Seja)".
While living in London I had an apartment with a small garden. During the summer around 4 or 5 o'clock in the morning, just as the day began, birds would gather here one by one and sing together, each declaring its freedom in song. It is my wish to share this same spirit with other musicians and communicate it to the people.
David Holland
Peço desculpa a todos os que estão fechados desde manhã a trabalhar mas é irresistível. Hoje o mar na Foz está mais ou menos assim. Com estas cores fortes e ondas suaves. O vento que soprava de manhã cedo amainou. Nem uma nuvem no céu. As esplanadas não têm música e só andam por lá os que não têm nada que fazer: reformados, estudantes, desempregados e outros ociosos. Tudo sereno. Claro que a vida não é assim tão morna ou primaveril por isso, e seguindo a lei das compensações, equilibrei o excesso de optimismo metereológico com um terço da vida depravada e arrebatadora de Sabbath. O ajuste perfeito.
O trajecto era interminável. Teria deixado escapar uma volta na estrada ou a próxima morada seria aquilo mesmo: um caixão que conduzíamos pelas trevas sem espaço, contando e recontando os eventos incontroláveis que nos levaram a transformarmo-nos em alguém imprevisto. E tão depressa! Tão rapidamente! Tudo fica para trás, a começar por quem somos, e a certa altura indefinível acabamos por compreender parcialmente que o implacável antagonista somos nós mesmos.
Toda a gente fala no céu, mas quantos passaram no mundo sem ter olhado o céu na sua profunda, na sua temerosa realidade? O nome basta-nos para lidar com ele. Nenhum de nós repara no que está por trás de cada sílaba: afundamos as almas em restos, em palavras, em cinza. - Raul Brandão
posted by camponesa pragmática on 15:57
Continuamos a ouvir a menina Lisa Germano, Pearls (para o Tó esquecer que está a trabalhar)
concerto gravado em Paris (Guinguette Pirate)
17 de Maio de 2003
1946 — Primeira Colagem (com fotografia do General De Gaulle). Escreve o poema "Louvor e simplificação de Álvaro de Campos", despedida da teorética neo-realista e primeiro exercício de constatação de que, em realidade abjecta, não há nada para reabilitar, sendo a única estrada de fortuna a da vagabundagem social, moral e política.
Quem alcança viajar, mesmo só em terceira, vai sempre radiante
As pessoas que não viajam também têm as suas qualidade, são como os chefes de estação: bondosos, diligentes, aplicados.
Mas não viajam, pronto. Para que nos querem convencer que viajam?
Só as pessoas que não viajam ganham ódio às classes que o comboio tem. Quem alcança viajar, mesmo só em terceira, vai sempre radiante. Não anda lá a prender-se com essas coisas.
Que Fernando Pessoa é um grande poeta. Viajou sempre em primeira classe, mesmo quanto estava parado.
Foi uma desilusão. A exposição “O Navio de Espelhos” não é bem o que eu esperava. São apenas três painéis, já um bocado estragados por causa da itinerância, que traçam uma cronologia da vida de Mário Cesariny acompanhada por fotografias, reproduções de cartazes, poemas e frases do poeta e de amigos.
Gostei de o ver suspenso no ar ou então sentado junto a uma árvore e gostei do que li mas queria mais, muito mais.
Não gostei da colocação dos painéis em triângulo nem do edifício da Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, aliás não percebo o que está ali a fazer aquela fachada falsa mas reconheço que a biblioteca está bem situada, mesmo junto às escolas. O atendimento também não foi brilhante, senti-me olhada de soslaio. A Lídia bem me avisou: não devia ter perguntado se a exposição era apenas aqueles três painéis.
E é tudo. Tiramos umas fotografias, se ficarem bem vamos publicá-las.
Havia um ponto de exclamação na palavra avistada na janela da Faculdade de Arquitectura no domingo à tarde, Alexandra: "HELP!". O que levanta outras questões: seria um pedido de ajuda deveras desesperado? uma mera alusão musical? ou um comum erro de pontuação? Nenhuma destas hipóteses me tranquiliza.
posted by camponesa pragmática on 01:01
terça-feira, fevereiro 17, 2004
I can stand the rain
Gosto disto também porque é um dos sons mais antigos que recordo. Hoje deu-me para lhe procurar a origem. Estou no sótão. Sob escuta: Steal Away. Sob investigação: Ann Peebles.
A Marta é malandra. Manda-me mensagens com provocações.
Se formos sinceros o teatro em si é um absurdo, mas se formos sinceros não podemos fazer teatro (e) a única coisa que podemos fazer é suicidarmo-nos, mas como não nos suicidamos (_) vamos continuando sempre a tentar o teatro.
No bolso levo as "Judicearias". Página 92, entrevista com Bernardo Pinto de Almeida [publicada no "Primeiro de Janeiro" de 25 de Maio de 1988]:
A exposição que você mostra agora na EMI reúne obras datadas desde 72, e creio que é a primeira vez que se mostram os «aquamotos»...
MC — O nome vem muito depois. Eu fazia aquelas coisas e depois descobria que era uma espécie de tremor de terra feito com água. Uma provocação e exploração de acasos.
Porque é que a exposição de chama O Navio de Espelhos?
MC — Isso foi uma ideia muito boa da Maria [Nobre Franco]. Mas um título desses é perigosíssimo porque é capaz de ser melhor do que qualquer exposição. Isso fez-me modificar a organização da exposição. Usei os quadros que podem funcionar como espelhos do tal navio que não há. Muitos estavam guardados lá em casa, outros eram mais recentes e tinham a ver com Moby Dick do Melville. Você leu? Aquilo é a grande Biblia moderna. É o maior livro que se escreveu sobre o mar. E então há títulos que vêm daí: eu inventei o espelhinho do capitão, os espelhos dos imediatos. Pareceu-me uma ideia bonita. E aproveitei e pus um Espelho do Raul Leal, cujo centenário o ano passado passou completamente despercebido, de tal modo anda tudo metido no Pessoa que é um poeta considerável, mas nós temos grandes poetas desde o século XII, pelo menos, senão de antes, e depois é como se não houvesse nenhum.
posted by Anónimo on 19:54
sob escuta
I need a fix
A little one
And then it's over
Then i'm done
I got my own
I need to find
But in between
You are a lifeline
[...]
Lisa Germano, lullaby for liquid pig concerto gravado em Paris (Guinguette Pirate)
17 de Maio de 2003
- Boa noite.
- Boa noite.
- Para o Nimas, por favor.
- Isso fica onde?
- Na 5 de Outubro.
- ... - Olha-me, interrogativo.
- Podemos ir até ao Saldanha, contornar, entrar na Avenida Praia da Vitória e depois virar à direita.
- Com certeza. - Arranca. Mas algo o perturba. - Com essa do Nidas é que me confundiu heheh. Um Nidas na 5 de Outubro?! – desabafa.
- Nimas. - Repito. Agora a perturbação é minha.
- Aaah, Nimas! - Faz que sim com a cabeça.
Sinto-me melhor. "Não percebeu bem à primeira", penso.
- Isso é o quê? Um bar? - atira, quando eu começava a remoer complexos de dicção.
- É um cinema.
- Um cinema Nimas? Ora aí está um cinema que eu desconhecia... é o que dá ir ao cinema só nos centros comerciais heheh - explica.
Fiquei a pensar se Lisboa existiria antes dos centros comerciais. Se alguma coisa existiria antes dos centros comerciais. Se existiria vida na Terra antes dos centros comerciais.
posted by camponesa pragmática on 16:42
«Nada poderia ser mais nocivo que o nivelamento por baixo que caracteriza o cinema comercial ou as produções padronizadas da televisão: eles corrompem o público de forma imperdoável, negando-lhe a experiência da verdadeira arte.»
«Já vi o Persona, de Bergman, inúmeras vezes, e a cada vez percebi algo de novo no filme. Como verdadeira obra de arte, Persona sempre permite que nos relacionemos pessoalmente com seu mundo, interpretando-o de modos diferentes sempre que voltamos a vê-lo.»
[Os personagens] saem da noite, de onde ela é mais negra, uma noite veneziana, se assim se quiser, mal iluminada por pobres lampiões de esperança, com o brilho das festas nos olhos, mas perdidos e tristes até às lágrimas. Aquilo que choram, é prosa. Porque o soluço é a melodia da loquacidade walseriana. Ele revela-nos então de onde provêm os seus preferidos. Da loucura, e de mais lado nenhum. São personagens que passaram pela loucura e é por isso que conservam uma superficialidade tão pungente, tão completamente inumana, imperturbável. Se quisermos resumir o que a um tempo têm de divertido e de terrível, podemos dizer: estão todos curados. É certo que jamais saberemos qual foi o processo da cura, a menos que ousemos debruçar-nos sobre a sua Branca de Neve – uma das mais profundas criações da literatura contemporânea –.
Rainha: Sou muito melhor para ti
do que te fazem crer tuas
fortes suspeitas. Nunca com
beijos mandei o Caçador
ir ter contigo. O medo
cego fez-te desconfiada.
Pelo contrário, sempre
te amei como querida filha
inocente. Como teria
motivo, razão ou sequer
direito de te odiar,
a ti, a quem amo como
filha do peito? Oh, não
oiças a voz do medo que
murmura sobre um pecado
inexistente. Acredita
no ouvido direito e
não no esquerdo, quer dizer,
no falso, que te diz ser eu
a mãe malvada que tem
inveja da beleza. Ai,
não te fies no absurdo
conto que informa o ávido
ouvido do mundo que estou
louca de inveja e sou má por
natureza — é puro e simples
falatório. Sim, amo-te.
Nunca uma confissão foi tão
francamente confessada.
Alegro-me por seres bela.
A beleza da própria filha
é um bálsamo para o
cansado prazer da mãe e
não um incentivo para
o abominável acto
em que o conto baseia a
acção desta peça. Não te
afastes de mim, sê boa
menina e confia na
palavra dos teus pais tanto
como em ti própria.
Ah Jean Dubuffet
quando se pensa nele
cumprindo o serviço militar na Torre Eiffel
como meteorologista
em 1922
compreende-se como pode ser maravilhoso
o século 20
e os imponentes Iroqueses nos carris
altivos e a pé firme
nus como seria de esperar
ligeiramente etéreos
como um Sonia Delaunay
há uma parábola de velocidade
algures atrás dos olhos dos Índios
inventaram o século com os seus cavalos
e as suas costas frágeis
que são escuras
estamos em dívida com os Iroqueses
e com Duke Ellington
por tocar nos edifícios em construção
nós fazemos pouco
a não ser foder e pensar
no Metro obsessivo
e naquele que ali não apareceu
enquanto aguardávamos por pertencer ao nosso século
tal como não se pode fazer um chapéu de aço
e depois usá-lo
de qualquer forma quem usa chapéu
é costume da nossa tribo
enganar
como te sentes no velho Setembro
sinto-me como um camião em auto-estrada molhada
como podes
foste feito à imagem de Deus
eu não fui
fui feito à imagem de um camionista maricas
e Jean Dubuffet pintando as suas vacas
«com uma semelhança que irrompeu na memória»
aparte o amor (não fales nele)
estou envergonhado do meu século
por ser tão espectacular
mas tenho de sorrir
Frank O' Hara, "vinte e cinco poemas à hora do almoço"
tradução de José Alberto Oliveira, edição Assírio & Alvim
posted by Anónimo on 22:50
1. Photography cannot record abstract ideas. Encyclopedia Britannica
Li numa parede em Serralves e não concordei.
2. Dizer que "hoje o mar parecia uma fotografia de Hiroshi Sugimoto" é ser objectiva?
3.
"When you see your own photo, do you say you're a fiction?"
4. Quantos pontos vale descobrir este livro na Biblioteca Almeida Garrett?
HISTOIRE(S) DU CINÉMA: Toutes les histoires - Une Histoire seule - Seul le cinéma - Fatale beauté - La Monnaie de l'absolu - Une Vague nouvelle - Le Contrôle de l'univers - Les Signes parmi nous [1998].
Édition en quatre volumes, 972 pages, 1308 ill., sous couv. ill., 166 x 235 mm. Collection blanche, Gallimard -ess. ISBN 2070115445.
Na Biblioteca Almeida Garrett, para além de me tratarem pelo nome, dão-me informações preciosas como esta: mais logo, às 18h30 vão projectar o filme The Innocents baseado n' A volta do parafuso, de Henry James. É a versão original sem legendas mas quem precisa delas para se assustar. Até já Deborah Kerr.
Post script: Que desilusão, ainda não foi desta que vi “The Innocents”. Na Biblioteca enganaram-se e arranjaram uma outra adaptação d’ “A Volta no parafuso”. Tão má que nem merece que se fale dela. Continuo à espera.
posted by Anónimo on 17:03
Transcrevo.
"desde
21 fevereiro 1966
Cinco Minutos de Jazz
Concerto de Aniversário
19 fevereiro 2.004
das 22h às 23h
canta JACINTA
Auditório r/c prédio RDP
Amoreiras Lisboa
Entrada e saída LIVRE"
Vou inaugurar a nova linha de metro. Meto a “Zazie” no saco e mandamos o trabalho às malvas.
[…]
E, para Zazie: — Então? Porque é que queres ser professora?
— Para chegar ao pêlo aos miúdos — respondeu Zazie. —Aos que tenham a minha idade, dentro de dez anos, dentro de vinte anos, cinquenta, cem, mil; sempre garotos para os fazer ralar.
— Essa agora! — murmurou Gabriel.
— Serei má como tudo com eles. Fá-lo-ei lamber o chão e comer a esponja do quadro preto. Espetar-lhes-ei os compassos no traseiro; dar-lhes-ei pontapés nas canelas, porque usarei botas, no Inverno, altas até aqui (gesto), com grandes esporas, para lhas cravar na carne do traseiro.
— Sabes? — disse Gabriel, com calma —, segundo afirmam os jornais, não é nesse sentido que se orienta a educação moderna. É até, precisamente, ao contrário. A tendência é para a doçura, a compreensão, a gentileza. Não foi isto, Marcelina, que veio no jornal?
— Sim — respondeu Marcelina. — A ti Zazie, trataram-te muito mal na escola?
— Não faltava mais nada.
— Aliás — continuou Gabriel — dentro de vinte anos, não haverá mais professoras; serão substituídas pelo cinema, a TV, a electrónica e coisas assim. Também isso veio no jornal, outro dia. Não veio, Marcelina?
— Sim — respondeu esta.
— Zazie entreviu esse futuro, num instante.
— Sim — continuou Zazie —, serei astronauta.
— Aí está — disse Gabriel, aprovando. — Aí está! É preciso ser do seu tempo.
— Sim — continuou Zazie —, serei astronauta, para ir ralar os marcianos.
[…]