[Os personagens] saem da noite, de onde ela é mais negra, uma noite veneziana, se assim se quiser, mal iluminada por pobres lampiões de esperança, com o brilho das festas nos olhos, mas perdidos e tristes até às lágrimas. Aquilo que choram, é prosa. Porque o soluço é a melodia da loquacidade walseriana. Ele revela-nos então de onde provêm os seus preferidos. Da loucura, e de mais lado nenhum. São personagens que passaram pela loucura e é por isso que conservam uma superficialidade tão pungente, tão completamente inumana, imperturbável. Se quisermos resumir o que a um tempo têm de divertido e de terrível, podemos dizer: estão todos curados. É certo que jamais saberemos qual foi o processo da cura, a menos que ousemos debruçar-nos sobre a sua Branca de Neve – uma das mais profundas criações da literatura contemporânea –.
Rainha: Sou muito melhor para ti
do que te fazem crer tuas
fortes suspeitas. Nunca com
beijos mandei o Caçador
ir ter contigo. O medo
cego fez-te desconfiada.
Pelo contrário, sempre
te amei como querida filha
inocente. Como teria
motivo, razão ou sequer
direito de te odiar,
a ti, a quem amo como
filha do peito? Oh, não
oiças a voz do medo que
murmura sobre um pecado
inexistente. Acredita
no ouvido direito e
não no esquerdo, quer dizer,
no falso, que te diz ser eu
a mãe malvada que tem
inveja da beleza. Ai,
não te fies no absurdo
conto que informa o ávido
ouvido do mundo que estou
louca de inveja e sou má por
natureza — é puro e simples
falatório. Sim, amo-te.
Nunca uma confissão foi tão
francamente confessada.
Alegro-me por seres bela.
A beleza da própria filha
é um bálsamo para o
cansado prazer da mãe e
não um incentivo para
o abominável acto
em que o conto baseia a
acção desta peça. Não te
afastes de mim, sê boa
menina e confia na
palavra dos teus pais tanto
como em ti própria.