Foi em 1989 que o José Duarte ensinou a menina a dançar. Ao princípio ela era tímida e tinha uma estranha fixação no Frank Sinatra mas, mais jazz para aqui mais jazz para acolá, foi entrando no ritmo certo e a verdade é que desde então nunca mais parou quieta. Em Braga ou em Caracas, não há quem a segure.
Hoje recuamos 15 anos e recordamos o primeiro baile. Senhoras e senhores: A menina dança com José Duarte.
Programa 1: Nice & Easy, Frank Sinatra; Stolen Moments, Carmen McRae e Betty Carter; I'll Be Seeing You, Rickie Lee Jones, All The Things You Are, Bill Henderson; Why Don't You Do Right, Peggy Lee, Nice & Easy, Frank Sinatra
Notas: Os Registos Sonoros, foram cedidos por jazzportug@l aos Clássicos da Rádio, nós apenas fizemos uma ligação clandestina.
O ficheiro de som demora um bocado a carregar mas compensa, são 22 minutos para as meninas e meninos dançarem à vontade, eu vou até ao buffet e volto já…
Em Coimbra rendo-me aos encantos do mal e aprendo a arte de andar nas Ruas do Rio de Janeiro: Augusto, o andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio, mora num sobrado em cima de uma chapelaria feminina, na Rua Sete de Setembro, no centro da cidade, e anda nas ruas o dia inteiro e parte da noite. Acredita que ao caminhar pensa melhor, encontra soluções para os problemas; solvitur ambulando, diz para os seus botões.
[…]
Alberto Giacometti, n.º 46, Rue Hippolyte Maindron, Paris 14e
Ticiano terminava os quadros com os dedos e não com os pincéis. Giorgio Morandi não deitava fora os pincéis velhos, enterrava-os no jardim. Eu não sei se as duas histórias são verdadeiras, não importa muito. "Cézanne nunca terminou nada. Ia tão longe quanto podia ir, depois abandonava o trabalho. É isso que é terrível: quanto mais se trabalha um quadro, mais impossível se torna acabá-lo." Nessas palavras acredito, disse-as Giacometti quando trabalhava no retrato de James Lord, e não estava a falar só de Cézanne, mas de si mesmo. Ele dizia que o seu único desejo era reproduzir o que via, mas para ser capaz de fazê-lo teria de morrer.
[...]
Sigh no more, ladies, sigh no more;
Men were deceivers ever;
One foot in sea and one on shore,
To one thing constant never;
Then sigh not so,
But let them go,
And be you blithe and bonny;
Converting all your sounds of woe
Into Hey nonny, nonny.
Desculpem interromper a boa disposição do blog mas esta notícia é deprimente!
Um maciço arbóreo centenário foi ontem derrubado na Quinta de Vila Rosa, em Gaia. Exemplares como faias, magnólias e cedros faziam parte do património desta propriedade situada na freguesia de Mafamude, junto ao campo do Vilanovense.
[...]
Estragamos tudo: os rios, o oceano, a terra, as árvores. Mereciamos agonizar num país "tipo marquise" forrado a tijoleira...
posted by Anónimo on 21:17
What is sodomy?
a room please...
This is doctor Ross in room 525. I would like have some chilled
white Burgundy, a little caviar... and some grass. Just ...plain, green
grass...
Do Epicentro chegaram-me rumores a respeito de um debate envolvendo vítimas das animações que Vasco Granja passava na televisão quando éramos miúdos. Fiz duas pesquisas. Uma avançada, animation e cz; outra normal, para ver quem anda a falar em Vasco Granja. Encontrei: algumas crianças traumatizadas; uma nota saudosista; um Koniec a rematar post nostálgico sobre os desenhos animados que viram as crianças que nasceram nos "ultra-foleiros anos 70" (expressão linda, hehehe).
Estou com a Ana, evidentemente. Eu gostava dos desenhos animados checos e afins. Das latas de conserva. Dos bonecos de plasticina. Da música. Das espinhas. Foi também no programa do Granja que conheci La Linea, da qual andei perdida anos e anos por ser miúda demais para fixar o nome de Osvaldo Cavandoli (Obrigada, Lídia!, mais uma vez heheh). Não falamos aqui apenas de gostos, atenção. Falamos de vítimas, de pessoas que se queixam das animações que Vasco Granja passava na televisão como de um terramoto ou qualquer outra calamidade natural violentíssima relativamente à qual não existe possibilidade de escape. Algumas pessoas dizem mesmo que passavam, durante a exibição de tais filmes, um sofrimento atroz (sic). Não compreendo. Na minha casa a televisão tinha um botão para se desligar.
posted by camponesa pragmática on 13:02
Si algo me gusta, es vivir.
Ver mi cuerpo en la calle,
hablar contigo como un camarada,
mirar escaparates
y, sobre todo, sonreír de lejos
a los árboles...
También me gustan los camiones grises
y muchísimo más los elefantes.
Besar tus pechos,
echarme en tu regazo y despeinarte,
tragar agua de mar como cerveza
amarga, espumeante.
Todo lo que sea salir
de casa, estornudar de tarde en tarde,
escupir contra el cielo de los tundras
y las medallas de los similares,
salir
de esta espaciosa y triste cárcel,
aligerar los ríos y los soles,
salir, salir al aire libre, al aire.
Sobre el pianísimo
del oro,
mi chopo
solo.
Sin un pájaro
loco.
Sobre el pianísimo
del oro.
El río a mis pies
corre grave y hondo,
bajo el pianísimo
del oro.
Y yo con la tarde
sobre mis hombros
como un corderito
muerto por el lobo
bajo el pianísimo
del oro.
Federico García Lorca
Não vem nas primeiras páginas nem abre os noticiários. A notícia do dia não tem audiências. A notícia do dia é esta: India Song, o filme mítico, a história absoluta de Marguerite Duras, a belíssima música de Carlos d’Alessio, estreia hoje no Porto, na sala 4 do cinema Cidade do Porto (ao Bom Sucesso) com sessões às 14h10 16h40, 19h10 e 21h40.
O céu está azul e o ar morno, tudo a preceito. Chegou a hora de falarmos de Anne-Marie Stretter, do vice-cônsul, da mendiga.
Não compreendo o olho, e tento chegar perto.
Também não compreendo o corpo, essa armadilha, nem a sangrenta lógica dos dias, nem os rostos que me olham nesta vila onde moro, o que é casa, conceito, o que são pernas, o que é ir e vir, para onde Ehud, o que são essas senhoras velhas, os ganidos da infância, os homens curvos, o que pensam de si mesmos os tolos, as crianças, o que é pensar, o que é nítido, sonoro, o que é som, trinado, urro, grito, o que é asa hen? Lixo as unhas no escuro, escuto, estou encostada à parede no vão da escada, escuto-me a mim mesma, há uns vivos lá dentro além da palavra, expressam-se mas não compreendo, pulsam, respiram, há um código no centro, um grande umbigo, dilata-se, tenta falar comigo, espio-me curvada, winds flowers astonished birds, my name is Hillé, mein name madame D, Ehud is my husband, mio marito, mi hombre, o que é um homem?
Uma viagem às profundezas da vida psíquica (e a confirmação da sua existência) dos Melómanos, e, mais grave, dos Músicos. Fobias e neuroses narradas na primeira pessoa (anonimato preservado).
Transcrição de um exemplo: ”Lembro-me que estava a tocar piano...era um uma peça de Schubert, ou talvez de — [nome irreconhecível]... seja como for, por uma vez na vida, tocava sem enganos, sem sequer olhar para o teclado... pairava lá no alto, num estado de beatitude que só a música, a grande música nos proporciona... comecei a ouvir uns estalidos estranhos, pareciam castanholas, mas continuei a tocar, pensando para comigo que cortara as unhas naquele dia (...) Por fim não resisti e quando olhei, lá do alto, descobri que tinha fracturas expostas em todos os meus dedos (...) Sim, o meu pai era percussionista”.
Estes e outros testemunhos, n' A Proposta, de Pedro Coelho hoje às 24h00 (com repetição dia 11, às 02h00) na Antena 2.
Alexander Rodchenko, Vladimir Mayakovsky Maquette for an advertisement for cookies from the Krasnyi
Oktiabr' factory | 1923 | Gouache on paper | 81.3 x 55.2 cm
Howard Schicker Fine Art, New York
posted by camponesa pragmática on 10:36
terça-feira, fevereiro 03, 2004
Recordações
Há um ano atrás morreu João César Monteiro. Não há geladarias abertas, e se houvesse nenhuma teria o perfume do paraíso. É o império do ice-cream que cai sobre nós. A televisão não repara na data nem ontem nem hoje, só o canal arte programa “As Recordações da Casa Amarela” para amanhã, às 21h45, assim mesmo em francês :
Jean de Dieu vit misérablement dans une pension du vieux Lisbonne et a jeté son dévolu sur la chair tendre de la fille de sa logeuse. Où l'on retrouve l'alter ego de João César Monteiro, l'immense cinéaste portugais décédé il y a un an.
A não perder: João César Monteiro disfarçado de João de Deus, disfarçado de Stroheim, disfarçado de intelectual de esquerda, disfarçado de tolo…
Las potentes manos del destino lo arrebataron del mundo, que le resultaba demasiado pequeño, y lo lanzaron por sobre el borde de lo inteligible hacia la locura, en cuyos abismos luminosos, benévolos, poblados de fuegos fatuos, se precipitó con furia de gitante para luego adormecerse por siempre en una dulce dispersión y oscuridad.
Entrou no Café Central, passo lento, vasta barba, camisola preta de gola alta. Sentou-se a uma mesa junto à porta e esperou, a olhar para a rua.
Veio o Bernardino atendê-lo.
- Que deseja o senhor?
- Bem, sou um escritor russo fugido à perseguição, compreende, não é?
- Pois - disse o Bernardino, que não tinha nada a ver com aquilo. - Mas que deseja o senhor?
- Sabe, consegui fugir. Tinham-me preso, davam-me banho todos os dias. Foi um submarino clandestino que me trouxe até aqui. Os amigos são para as ocasiões. Sou um escritor russo, sabe?
O Bernardino começou a alarmar-se. Um russo, a falar português assim, nunca se tinha visto. Nos jornais diziam sempre Da e Nyet que queria dizer sim e não, toda a gente sabia. Inquiriu:
- Mas então como é que o senhor fala português?
- Desde pequenino. Aprendi desde pequenino, para ler Os Lusíadas. Espantoso, Camões. O maior. E depois li também o doutor Augusto de Castro e o doutor França. Extraordinários. Os maiores. Quando fugi, resolvi logo vir para aqui. Magnífico. Mas querem acabar comigo, sabe? A KGB, é o que lhe digo.
O Bernardino, explicado o mistério, desinteressou-se. Mas insistiu:
- Afinal, que deseja o senhor?
- Um bife com dois ovos a cavalo. E uma cerveja. Mas cuidado.
O Bernardino foi tratar do assunto mas, ao passar pela mesa do doutor Beça, onde se encontravam o Oliveira da farmácia, o Leónidas da tabacaria e o Gutierrez dos negócios, segredou:
- Está ali naquela mesa um escritor russo que diz que fugiu a umas letras. Pediu um bife a cavalo.
Houve espanto. O doutor Beça dirigiu-se, digno, à mesa do refugiado com fome e quis logo saber coisas. O outro, olhando de soslaio para os passantes da rua, contou tudo. Os livros contestatários deslizando na clandestinidade, a prisão, os banhos, a fuga, a perseguição, o seu amor à epopeia e aos Lusíadas, o submarino, o arranque final através do areal até chegar ali.
O doutor Beça estava pasmado e orgulhoso também. Ali estava o que ele sempre dissera na Junta da Paróquia, ali estava a prova: o escritor russo, o intelectual soviético procurando abrigo em Camões. E virando-se para o Bernardino, que chegava com o bife a cavalo, lançou:
- Ponha tudo na conta, Bernardino, quem paga é o clube.
E correu à mesa, a contar o caso espantoso aos amigos. O Leónidas, que era também correspondente dos jornais, atirou-se ao telefone a informar a cidade. Entretanto o Oliveira perguntava ao russo voraz:
- Então como é que o senhor se chama?
- Eristov - respondeu o outro, a molhar o pão no ovo.
- Conheço, conheço, - gritou o Peralta, lá do fundo, levantando a cabeça da mesa - tenho um lá em casa - e mergulhou de novo a cabeça nos braços.
Ora aí estava. O russo era conhecido. Até o Peralta sabia. A coisa era séria.
O escritor foragido acabara o bife e os ovos. Espetou o dedo para o Bernardino:
- Traga-me outro bife, à Camões.
- À Camões? - espantou-se o Bernardino.
- Sim, só com um ovo - explicou o soviético, enfadado.
- Vê-se que conhece de literatura - Comentou o Gutierrez que, desconfiado, ficara na mesa a ver como iam as coisas.
A tarde foi correndo. O escritor, mastigados os bifes e os ovos, bebidas as cervejas, estava no café e no bagaço.
A mesa do doutor Beça mudara-se para o lado de Eristov. Conversa animada, complexa, perante o silêncio do russo empanturrado.
E, de súbito à porta, chiando os pneus, travou o carro dos jornais. Três lá dentro e um fotógrafo.
- Onde está esse russo foragido? - saiu berrando o da frente.
E avançaram. A entrevista, a pergunta, a fotografia. O doutor Beça explicando, o russo arrotando.
SOVIÉTICO PROCURANDO LIBERDADE ENCONTRA CAMÕES, escrevia o repórter do vespertino para abrir cabeça no artigo.
Então outro carro à porta, rangendo o travão num estoiro.
O Bernardino, especado a ver o que era aquilo, foi empurrado de reboleta, estatelou-se contra o balcão.
E entraram três indivíduos medonhos que se dirigiram para a mesa da conferência de imprensa.
- A KGB! A KGB! - berrou Eristov, erguendo-se de supetão, num pânico alucinado.
Mas não teve tempo para mais. Foi agarrado pelos braços, logo torcidos para trás, pelos dois que traziam uma espécie de uniforme desconhecido e sinistro. O terceiro, queixo quadrado, meio louro, parecido com os oficiais da OKRANA dos filmes dos anos trinta, olhou em volta e disse:
- Que trabalhão idiota!
O repórter do vespertino, estarrecido, lançou logo ao papel: KGB ATACA AO ENTARDECER.
- Não escreva asneiras, meu caro - disse o com cara de OKRANA, ao passar por ele, enquanto os outros dois levavam Eristov para a ambulância.
Não sei. Sei apenas que tem um livro publicado com poemas, prosa e desenhos; uma edição da Europa-América que talvez já esteja fora de mercado: "Obra Antuma".
Alguns dos seus textos começaram hoje a rodar na Antena 2. Não se trata de um programa, são separadores que surgem sem horário marcado (também podem ser ouvidos ao sábado de manhã, por junto) mas não são uns separadores quaisquer. A escolha dos textos (Henri Michaux, Thomas Bernhard, Russel Edson, Ambrose Bierce, Sarah Manguso, Kafka, Max Aub, Charles Simic, Italo Svevo, Alberto Pimenta, Daniil Harms, e para breve também Robert Walser) e a encenação sonora são excelentes.
Graças à gentileza do Pedro Coelho a Janela vai associar-se à Operação Sesinando, de ouvido sintonizado e sorriso aberto, claro.
"Cadência fortemente sugestiva, encadeamento complexo das imagens, autêntico sortilégio verbal, riqueza expressiva reveladora de uma vincada personalidade de criador - nada disso, infelizmente, se encontra na obra de José Sesinando."
(nota da contracapa de “Obra Antuma”)
Brevíssima nota sobre os ascendentes literários estrangeiros de José Sesinando, pela Prof. Virgínia Norfolk, de Norfolk (Virgínia)
Teria interesse cotejar a produção de José Sesinando com as obras de autores estrangeiros como James Choice, Shame's Voice, Gertrude Steinbeck, E. Leote, Ernest Cumming' Way, Eveline do Ó, Paul Valéry Larbaud e outros - sobretudo estes últimos. Daria pano para mangas tal trabalho que requereria, pelo menos, os esforços de toda uma operosa e fecunda equipa como, por exemplo, a que fosse
constituída por Eduardo Lourenco, Eduardo Lourenço e Eduardo Lourenço.
Mil perdões às ligações mais claudicantes, mas pareceu-me que hoje o autostart tinha de estar activado, afinal estamos em festa :) Também achei que é bem ir mudando os temas, por isso este post estará em edição continuada. Silenciados: Chet Baker, "Winter Wonderland", às 21:09; Count Basie, "007", às 22:02; Count Basie, "Goldfinger", às 22:46; Count Basie, "The James Bond Theme", às 01:11 de dia 4 de Fevereiro (heheh)
posted by camponesa pragmática on 19:21
Uma casa para a Marta
Casa Vieira de Castro, Vila Nova de Famalicão, 1984-1997
[...]
Durante a infância, estive doente durante um longo período de tempo. E tive que fazer um prolongado repouso exactamente em Vila Nova de Famalicão. Vivi numa casa antiga, que dispunha de uma grande varanda aberta sobre a cidade, que naquela época era maravilhosa, recolhida e plena de harmonia, pois não se tinha ainda verificado aquela fragmentação e pulverização que hoje é visível. Recordo um equilíbrio perfeito entre o construído e a natureza.
Hoje fazemos um ano de blog. Continuo sem saber se é muito ou pouco tempo, mas isso pouco importa. Está sol e a Lídia enviou-me as fotografias que tirámos ontem — o musgo, os fungos e a laranja — por isso a festa é no jardim:
domingo, fevereiro 01, 2004
a escrita de grande qualidade (alguns sublinhados)
Há, de facto, pessoas que pretendem retirar dos livros pontos de referência para a sua vida. Lamento muito ter de dizer aos meus leitores que não é para esse género de pessoas muito respeitáveis que eu escrevo. Será uma pena? Oh! Sem dúvida. (página 12)
Há muitas coisas nestas páginas que ao leitor parecerão ainda um enigma; esperamos bem que seja assim, de facto, porque, se tudo fosse claramente compreensível, o leitor estaria já a sentir vontade de bocejar perante o conteúdo destas linhas. (página 58)
Estamos a contar isto porque, de momento, não nos vem à mente nada mais significativo. Uma pena prefere sempre escrever algo de inadmissível a parar de escrever, nem que seja por um momento. Talvez seja isto um dos segredos da escrita de grande qualidade, isto é, em tudo o que se escreve tem de haver algo de impulsivo. Mesmo que não percebas bem o que estamos a dizer, isso não tem a mínima importância para o caso. (págna 75)
Estes rodeios que estou aqui a fazer têm como objectivo preencher tempo, visto que tenho de dar um certo volume ao meu livro, para que não me desprezem mais profundamente do que o fazem já. Isto não pode continuar assim. Uns senhores que há para aí, uns pândegos, chamam-me idiota, porque os romances não me saem a esmo das algibeiras. (página 101)
Robert Walser, O Salteador
tradução de Leopoldina Almeida, edição da Relógio d'Água
posted by Anónimo on 21:59
tabletezinhas de chocolate
Porém, é uma irresponsabilidade da minha parte ser assim tão esquecido. Uma vez, num pálido parque de Novembro, depois de ter feito, de passagem, uma visita a uma tipografia e de ter tagarelado durante quase uma hora com o seu proprietário, o salteador deparou com a dama pintada por Henri Rousseau, vestida de castanho dos pés à cabeça. Estacou, pasmado, diante dela. Veio-lhe então à mente que, anos atrás, no decurso de uma viagem de comboio, a meio da noite, a uma mulher que com ele viajava, havia declarado, à velocidade de um comboio rápido, por assim dizer: «Vou para Milão.» E veio-lhe, também, sobremaneira, como num relâmpago, a lembrança das pequenas tabletes de chocolate que se compram nas mercearias. Os miúdos adoram-nas e o senhor salteador ainda as comia de bom grado, de vez em quando, como se o gosto de comer tabletezinhas de chocolate e outras coisas do género fosse inerente à condição de salteador.
Robert Walser, O Salteador (páginas 15 e 16), tradução de Leopoldina Almeida, edição da Relógio d'Água
posted by Anónimo on 21:38
desempregado
fotografado por August Sander em 1928
This photograph is the final plate in "Antlitz der Zeit" ("Face of the Time"), Sander's typological study of German citizens. A poignant image of disempowerment, the picture reveals Sander's prescient understanding of the social and economic forces at work in the Weimar Republic. Taking Sander's sympathetic portrayal of Germans of all occupations and ethnicities as a serious threat, the Fascists destroyed the printing blocks and most copies of this book in 1934. This print of the whole negative, showing both the "last" man and his desolate corner, is the only one known to survive.