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Janela Indiscreta
 
domingo, outubro 24, 2004  

A SINÉDOQUE INDESEJÁVEL

Conta-se que o salteador Procusta assaltava os viandantes entre Atenas e Mégara. Deitava-os numa cama; cortava os membros aos mais altos e esticava os mais pequenos para adaptar todos ás mesmas dimensões. A metáfora da cama de Procusta parece-me excelente para explicar o que fazem as definições. Como preexistem independentemente das coisas excluem o que não se adapta aos critérios escolhidos, criando limites rígidos. É por isso que muito se discute entre quem se interessa por banda desenhada: qual foi a primeira banda desenhada?, será que há banda desenhada sem narração?, o que incluir no corpus?, o que excluir?
Por mim, e dada a reconhecida arbitrariedade destas decisões, prefiro ter um critério largo. É assim que a banda desenhada pode ter começado no Egipto antigo e um dos primeiros e melhores exemplos desta arte pode ter sido escrito em galaico-português:
Cantigas de Santa Maria de Afonso X el Sábio
(códices do Escorial e de Florença).

De igual modo posso incluir no corpus nomes que habitualmente não são recrutados para estas guerras, como são os casos deWilliam Hogarth; Katshushika Hokusai (Hokusai, já agora, inventou o termo que define hoje a banda desenhada no Japão: manga.)Ou Frans Masereel: aqui e aqui . E ainda, Tom Phillips .

Outro problema que afecta a imagem pública da banda desenhada tem a ver com a sinédoque que faz quem só conhece a banda desenhada infanto-juvenil. A cama de procusta corta aqui a banda desenhada verdadeiramente adulta produzida nos últimos 40 anos.

Na pré-história (ou seja, nos anos 50) encontramos na Argentina os primeiros vestígios de uma banda desenhada amadurecida apesar de publicada ainda em revistas juvenis. Refiro-me às histórias do argumentista Héctor Germán Oesterheld, publicadas na sua Editorial Frontera: El Eternauta, com Solano Lopez; Mort Cinder, com Alberto Breccia; Ernie Pike e Sargento Kirk, com Hugo Pratt e outros (entre os quais José Muñoz, futuro autor, com Carlos Sampayo, de Alack Sinner e Sudor Sudaca).

Alberto Breccia
seguiria depois uma carreia absolutamente notável.


Informe sobre ciegos

Ver também um filme

Na Grã-Bretanha James Edgar (script) e Tony Weare (desenho) criaram um Western adulto que foge em muito (embora não totalmente, claro) aos clichés do género: Matt Marriott. Talvez por isso seja hoje uma banda desenhada quase esquecida.

O primeiro autor, consciente de o ser foi Guido Buzzelli com La Rivolta dei Racchi, I Labirinti, Zil Zelub, Aunoa.

Uma visita ao site da Associazione Buzzelli pode dar a ideia, a quem nunca o leu, de que Buzzelli é apenas mais um artista de "BD" de ficção científica como os há aos pontapés nas Métal Hurlant deste mundo. Mas nada mais falso: Buzzelli escreveu parábolas políticas extremamente complexas num momento, o Maio de 68 e sequelas, que não apelava propriamente à sofisticação.

De citar é também o caso de Santiago "Chago" Armada em Cuba. Chago serviu a revolução como guerrilheiro, mas teve o azar de produzir uma banda desenhada demasiado intelectual. A sua genial criação Sa-lo-món foi publicada brevemente durante os anos 60, mas permanece em grande parte inédita. Para se apreciar só numa galeria de arte .

Também Harvey Pekar, argumentista norte-americano, foi autoconsciente do seu estatuto de artista autónomo em relação a qualquer instituição comercial. Pekar foi um dos pioneiros, juntamente com Justin Green, Robert Crumb e Aline Kominsky, do comic autobiográfico.

O problema nos comics de Pekar são os seus colaboradores. Como não podia pagar muito, alguns deixam algo a desejar do ponto de vista gráfico. De entre os desenhadores com qualidade destaco Robert Crumb e Frank Stack.

Em França Jacques Tardi publicou, para além do seu trabalho comercial (Buzzelli também dividia o seu trabalho em criativo e alimentar), obras importantes durante os anos 70 e início da década seguinte: La véritable histoire du soldat inconnu, C'était la guerre des tranchées, Trou d'obus, La bascule à Charlot.
"Também Fred publicou livros importantes dos quais destaco: Le Journal de Jules Renard lu par Fred e Le petit cirque."


Em 1975 Martin Vaughn-James publicou no Canadá um marco importante da literatura desenhada. The Cage
Ainda no Canadá há que referir a editora Drawn & Quarterly onde publicam Seth e Chester Brown.
Em 1980 Art Spiegelman e Françoise Mouly editam o primeiro número da revista Raw. Aí publicam, entre muitos outros, Ben Katchor (com a sua nostalgia urbana). Gary Panter (e a sua estética punk).

The Cage

Lynda Barry
(com um retrato caustico da infância)
Chris Ware (e o seu experimentalismo pessimista)
Assim como o próprio Spiegelman (autor do aclamado romance gráfico Maus).

No início dos anos 80 a editora Fantagraphics passa a dedicar-se sobretudo à banda desenhada de autor. Para além do já citado Chris Ware, destacam-se, entre os artistas da casa, Daniel Clowes:ver aqui e tambémaqui e Joe Sacco (do qual se editou recentemente em Portugal, Palestina).

Na Alemanha, país com poucas tradicões nesta área, três nomes são dignos de registo:

Martin tom Dieck (ver também aqui) .


Hundert Ansichten der Speicherstadt
ou





O artista de banda desenhada mais importante do Japão é Yoshiharu Tsuge. O acontecimento editorial do ano na Europa, durante o corrente ano (do meu ponto de vista, claro), foi a edição, pela editora francesa Ego Comme X, do livro de Tsuge, L'homme sans talent .
Também importante é Yoshihiro Tatsumi, autor do termo gekiga, ou "imagens-drama", correspondente ao nosso "romance gráfico". E Jiro Taniguchi (obras importantes: Quartier lointain, ,Le Journal de mon père, L'homme qui marche).

Em Itália, e para além do histórico Guido Buzzelli, há a destacar, Lorenzo Mattotti.Ver também
aqui;

Stefano Ricci




e Andrea Bruno.

Em França e na Bélgica muitos são os artistas de banda desenhada "d'art et d'essais" dignos de nota. O decano é Edmond Baudoin .


Les Yeux Dans Le Mur

Mas um dos mais importantes é, sem dúvida, Fabrice Neaud ver também aqui .

Para uma visão global (incluindo nomes como Thierry van Hasselt, Éric Lambé, Vincent Fortemps, Yvan Alagbé, Alex Barbier, Olivier Deprez, Aristophane, etc...) do panorama franco-belga na área da banda desenhada de autor, basta explorar o site da melhor editora de banda desenhada do mundo. A editora Frémok.

O argumentista Felipe H. Cava destaca-se em Espanha. Cava trabalhou com Raúl, Federico del Barrio, Ricard Castells. São ainda de referir os catalães Max e Pere Joan .

Quanto aos artistas portugueses também os há e de qualidade: Pedro Nora, Filipe Abranches, Diniz Conefrey, Miguel Rocha, Ana Cortesão, António Jorge Gonçalves, José Carlos Fernandes, etc...

Revistas de referência:

Madriz, Medios Revueltos, El ojo clínico, Nosotros somos los muertos (Espanha)
Ego Comme X, Lapin, Amok (França)
Fréon, Pelure Amère (Bélgica)
Strapazin (Suiça)
Mano (Itália)
Drawn & Quarterly (Canadá)
Raw (E.U.A.)
Garo (Japão)
LX Comics; Quadrado e Satélite Internacional (Portugal)

texto enviado por
Oubapo

posted by zazie on 19:24


 
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