Conta-se que o salteador Procusta assaltava os viandantes entre Atenas e Mégara. Deitava-os numa cama; cortava os membros aos mais altos e esticava os mais pequenos para adaptar todos ás mesmas dimensões. A metáfora da cama de Procusta parece-me excelente para explicar o que fazem as definições. Como preexistem independentemente das coisas excluem o que não se adapta aos critérios escolhidos, criando limites rígidos. É por isso que muito se discute entre quem se interessa por banda desenhada: qual foi a primeira banda desenhada?, será que há banda desenhada sem narração?, o que incluir no
corpus?, o que excluir?
Por mim, e dada a reconhecida arbitrariedade destas decisões, prefiro ter um critério largo. É assim que a banda desenhada pode ter começado no Egipto antigo e um dos primeiros e melhores exemplos desta arte pode ter sido escrito em galaico-português:
Cantigas de Santa Maria de Afonso X el Sábio (códices do Escorial e de Florença).
De igual modo posso incluir no corpus nomes que habitualmente não são recrutados para estas guerras, como são os casos de
William Hogarth; Katshushika Hokusai (Hokusai, já agora, inventou o termo que define hoje a banda desenhada no Japão: manga.)Ou Frans Masereel:
aqui e
aqui . E ainda,
Tom Phillips .
Outro problema que afecta a imagem pública da banda desenhada tem a ver com a sinédoque que faz quem só conhece a banda desenhada infanto-juvenil. A cama de procusta corta aqui a banda desenhada verdadeiramente adulta produzida nos últimos 40 anos.
Na pré-história (ou seja, nos anos 50) encontramos na Argentina os primeiros vestígios de uma banda desenhada amadurecida apesar de publicada ainda em revistas juvenis. Refiro-me às histórias do argumentista Héctor Germán Oesterheld, publicadas na sua Editorial Frontera: El Eternauta, com Solano Lopez; Mort Cinder, com Alberto Breccia; Ernie Pike e Sargento Kirk, com Hugo Pratt e outros (entre os quais José Muñoz, futuro autor, com Carlos Sampayo, de Alack Sinner e Sudor Sudaca).
Alberto Breccia seguiria depois uma carreia absolutamente notável.
Informe sobre ciegos
Ver também
um filme
Na Grã-Bretanha James Edgar (script) e Tony Weare (desenho) criaram um Western adulto que foge em muito (embora não totalmente, claro) aos clichés do género: Matt Marriott. Talvez por isso seja hoje uma banda desenhada quase esquecida.
O primeiro autor, consciente de o ser foi
Guido Buzzelli com La Rivolta dei Racchi, I Labirinti, Zil Zelub, Aunoa.
Uma visita ao site da Associazione Buzzelli pode dar a ideia, a quem nunca o leu, de que Buzzelli é apenas mais um artista de "BD" de ficção científica como os há aos pontapés nas Métal Hurlant deste mundo. Mas nada mais falso: Buzzelli escreveu parábolas políticas extremamente complexas num momento, o Maio de 68 e sequelas, que não apelava propriamente à sofisticação.
De citar é também o caso de Santiago "Chago" Armada em Cuba. Chago serviu a revolução como guerrilheiro, mas teve o azar de produzir uma banda desenhada demasiado intelectual. A sua genial criação Sa-lo-món foi publicada brevemente durante os anos 60, mas permanece em grande parte inédita. Para se apreciar só numa
galeria de arte .
Também
Harvey Pekar, argumentista norte-americano, foi autoconsciente do seu estatuto de artista autónomo em relação a qualquer instituição comercial. Pekar foi um dos pioneiros, juntamente com Justin Green, Robert Crumb e Aline Kominsky, do comic autobiográfico.
O problema nos comics de Pekar são os seus colaboradores. Como não podia pagar muito, alguns deixam algo a desejar do ponto de vista gráfico. De entre os desenhadores com qualidade destaco Robert Crumb e Frank Stack.
Em França Jacques Tardi publicou, para além do seu trabalho comercial (Buzzelli também dividia o seu trabalho em criativo e alimentar), obras importantes durante os anos 70 e início da década seguinte: La véritable histoire du soldat inconnu, C'était la guerre des tranchées, Trou d'obus, La bascule à Charlot.