As cartas de amor dos outros raramente me interessam. A menos que estejam para além de qualquer coisa. De quê? Não sei explicar mas o Georg Büchner sabe, tem a ver com rãs e peixes, febres e alucinações, fenol?
Büchner escreveu esta extraordinária e comovente carta à sua noiva, Minna, em 1837. A tradução é de Ernesto Sampaio e acompanha o texto Lenz, editado pela Hiena em 1986. É um livro tão curto quanto intenso mas que, infelizmente, se encontra esgotado (no entanto, a quem interessar, posso informar que existe um exemplar na Biblioteca Municipal Silvestre Ribeiro, na Praia da Vitória, na Terceira).
Neste momento não há nenhum livro de Büchner (traduzido, editado e) disponível, nem mesmo a peça Woyzeck. E não percebo porquê.
À Noiva
Zurique, 13 de Janeiro de 1837
Minha querida menina.... conto pelos dedos as semanas que faltam até à Ressurreição. Tudo se torna cada vez mais aborrecido. Ao princípio era mais fácil: novas vistas, novas caras, situações, tarefas... mas agora já estou acostumado e esta regularidade diverge da minha. O que me vale é manter activa a imaginação. A preparação mecânica dos ensaios para o microscópio deixa-a livre. Vejo-te sempre entre rabos de peixe e dedos de rã. Não será isto mais comovente do que a história de Abelardo, e de como Eloísa se lhe interpôs entre os lábios e a oração? Oh, cada dia me torno mais poético, os meus pensamentos nadam em fenol! Graças a Deus, voltei a sonhar muito à noite. O meu descanso já não é tão pesado.