sábado, maio 29, 2004 livros e o luar contra a cultura
> Budapeste - Chico Buarque
[Dom Quixote, Fevereiro de 2004]
Gostei de «Estorvo», gostei menos de «Benjamim» e, se o autor fosse outro, talvez tivesse agora ignorado «Budapeste». Mas, tratando-se de Chico Buarque, como passar ao lado de um livro novo sem, pelo menos, abrir e folhear? Foi o que fiz e, depois de alguns minutos de leitura, compreendi que não sairia da livraria sem «Budapeste» e que gostaria mais deste livro do que dos outros dois.
«Budapeste» conta a história de José Costa, que ganha a vida a escrever artigos, discursos e biografias que outros assinam e que, no regresso de um congresso de escritores anónimos na Austrália, passa uma noite em Budapeste e se apaixona pela língua húngara, apesar de não entender nada e porque não entende nada. Será, não muito mais tarde, Zsoze Kósta, dividido entre Budapeste e o Rio de Janeiro, entre Vanda e Kriska, que lhe ensina do húngaro todas as palavras excepto a mais humilhante, o que não o impedirá de se tornar escritor anónimo também na Hungria.
José Costa é anárquico, orgulhoso, caótico e indolente (por exemplo, na noite em que pensa ter ficado cego, depois de um breve pânico, resolve dormir, que já é às escuras, e preocupar-se a sério com isso no dia seguinte). A história angustia, provoca o riso, nunca pára, ouve-se e prende. Genial toda a sequência da passagem de ano no Rio de Janeiro, que começa com José e o filho, Joaquinzinho, em casa, na incerteza da chegada de Vanda, atravessando o deserto do Saara, um dos momentos mais dramáticos, intensos e belos do livro, um desespero em espiral e crescendo dentro da música.
Eu pensava que ia gostar mais deste livro do que dos outros, mas não foi só isso que aconteceu. «Budapeste» não habita o mesmo mundo de «Estorvo» e de «Benjamim». É um mundo, outro mundo. É muito bom. Quando comecei a aproximar-me do fim, comecei a ficar nervosa e a adivinhar uma adaptação penosa às horas depois da última página. Em livros assim apetece morar e eu queria ter mais uns dois ou três como este para ler. Da próxima vez que sair um livro de Chico Buarque, não vou folheá-lo porque é de Chico Buarque, vou lê-lo porque é do mesmo escritor que assina «Budapeste».