Foi a primeira frase que me ficou nos ouvidos "Devo então eu desistir de mim mesmo?", pergunta Sósia quando encontra Mercúrio, disfarçado de si mesmo, à porta do Palacio de Anfitrião, na segunda cena do primeiro acto. E dizer disfarce é dizer pouco porque se trata de uma apropriação. O deus grego roubou a verdadeira " essência" de Sósia.
Apesar de se apresentar como uma "comédia ao jeito de Molière", Anfitrião de Heinrich von Kleist empurra-nos para uma zona muito escura onde as personagens ficam desorientadas e já não sabem bem quem são. O riso acaba muitas vezes num esgar, ou deveria. Por trás de um jogo de escondidas cruel no qual os deuses se divertem a seu bel prazer e nós os humanos nos damos conta da nossa pequenez e das nossas incertezas, é tudo sombrio.
E foi por isso que não gostei quanto queria; havia cores a mais, luz a mais. Teria preferido uma cenografia diferente, mais escura; os actores iluminados por archotes, velas ou lanternas. Queria ver as sombras nos seus rostos. Assim seria o meu Anfitrião, na penumbra, pronto a desistir, apesar do final aparentemente feliz, ou por causa dele. Um outro Anfitrião.