Este filme é um documentário composto por vários fios: pelas emoções que senti quando fui confrontada com a precaridade; pelas possibilidades oferecidas pelas novas e pequenas câmaras digitais; e pelo desejo de filmar o que consigo ver de mim própria – as minhas mãos velhas e o meu cabelo grisalho. Também queria exprimir o meu amor pela pintura. Eu tinha de juntar as peças todas e conseguir que no filme tudo fizesse sentido, sem trair o tema social que tinha decidido tratar – desperdício e lixo: quem lhe encontra um uso? Como? Pode alguém viver dos restos dos outros?
Os filmes originam sempre emoções. Desta vez foi ver tanta gente a rebuscar o mercado ou a procurar minuciosamente restos nos contentores de lixo dos supermercados. Vê-los fez-me ter vontade de os filmar, especialmente aquilo que não pode ser filmado sem o seu consentimento. Como é que podemos testemunhar por eles, sem os embaraçar?
Durante a colheita de trigo no Verão de 1999, vi na televisão um agricultor sentado em cima da sua máquina de ceifar, que explicava que se a máquina fosse mal ajustada e deixasse cair um grão em cada espiga, ele acabaria por perder uma desconcertante quantidade de trigo e uma, igualmente desconcertante, quantidade de dinheiro.
Este grão de espiga chocou-me. Lembrou-me da respiga nos velhos tempos, um costume rural que hoje em dia desapreceu (por razões óbvias), e das pinturas de mulheres a respigar. Eu também queria passear. Conhecer pessoas. Procurá-las.
Mais do que um “road movie”, eu diria que é um “road documentary”.
primeiro tive de investigar o mundo rural (respigar e apanhar), e depois o mundo urbano (recuperação), e só me permiti divagações directamente relacionadas com o tema.
As pessoas que filmei dizem-nos muito acerca da sociedade e de nós próprios. Eu por exemplo aprendi muito enquanto filmava. Confirmei a ideia que eu tinha de que os documentários são uma disciplina que ensina modéstia.