quarta-feira, dezembro 17, 2003 Há qualquer coisa de errado
1. É apenas um fragmento [do Requiem Alemão de Brahms], nem sequer dos mais importantes e dramáticos do texto, e o que me interessou foi a frase “toda carne é como a erva”. A pergunta que me fiz, nem sequer muito presa ao sentido do texto, foi: quantos nazis, quantos torcionários, ouviram este Requiem com emoção, sentiram estas palavras, marteladas na nossa memória cristã desde a infância? Com genuína emoção? Certamente muitos.
Há qualquer coisa de errado na feitura dos humanos. Um bug, uma linha solta do programa, mesmo no sítio mais crucial, não no logos, mas no ethos.
José Pacheco Pereira, COMO MUITAS VEZES ACONTECE, 13.12.03, 12:23
2. Sim, eles ouviam música e é isso que é inaceitável. Seria tudo mais fácil se os monstros fossem apenas monstros, reconhecíveis. Seria um descanso para a alma.
Mas eles ouviam música e depois torturavam e à noite dormiam. Como é que é possível? Paul Celan já perguntou ( Mãe, eles escrevem poemas), Georg Steiner perguntou, Polanski perguntou (e "A Morte e a Donzela", de Schubert é agora uma composição ainda mais terrível), tanta gente a perguntar e nenhuma resposta, nenhum sossego. E se um dia eles somos nós?
3. Põe o ferrolho à porta: há 7 rosas na casa.
Há
sete rosas na casa.
Há
o candelabro de sete braços na casa.
nosso
filho
sabe isso e dorme.
(Lá longe, em Michailowka, na Ucrânia, onde
eles me mataram pai e mãe: que
floria aí, que
floresce aí? Que
flor, mãe
te fazia doer aí
com o seu nome,
mãe, a ti,
que dizias grão-de-lobo, e não
lupino?
Ontem
veio um deles e
matou-te
outra vez no
meu poema (...)