domingo, dezembro 28, 2003
Depois do banho, mulher enxaguando-se
Edgar Degas, c. 1903. Pastel, 69,9X73 cms. National Gallery, Londres
Francis Bacon – Bom, claro, nós somos carne, somos carcaça em potencial. Sempre que entro num açougue penso que é surpreendente eu não estar ali no lugar do animal. Mas usar a carne dessa maneira particular talvez seja igual à maneira como alguém usaria a espinha, porque estamos sempre vendo imagens do corpo humano através de chapas de radiografia, e isso obviamente modifica o modo como se pode usar o corpo. Você deve conhecer o belo pastel de Degas na National Gallery, de uma mulher lavando suas costas. E pode ver bem lá no alto da espinha que o osso quase vem para fora da pele. Isso dá uma tal força e imprime uma tal distorção que você passa a perceber a vulnerabilidade do resto do corpo, mais do que se Degas tivesse desenhado a espinha subindo naturalmente até o pescoço. Ele quebra a coisa para que ela pareça saltar da pele. Não importa se Degas fez isso de propósito ou não, é esse detalhe que torna o quadro ainda mais admirável, pois você de repente passa a perceber tanto a espinha quanto a carne, que em geral ele simplesmente pintava cobrindo os ossos. No meu caso, não resta dúvida de que essas coisas são influenciadas por chapas de radiografia.
retirado de “Entrevistas com Francis Bacon – A brutalidade dos factos” de David Sylvester, edição brasileira da Cosac & Naify e enviado para o Pedro.