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Ver é a coisa mais difícil do mundo, a gente julga que que vê, mas não vê nada. Nos museus é impressionante: as pessoas passam pelos quadros a correr e páram diante da Gioconda, que tem normalmente 20 pessoas à frente, portanto, também não vêem nada. Lembro-me sempre de um episódio em Quioto, no Japão, que se passou comigo num templo zen muito célebre. Quando lá se chega é desconcertante, porque aparentemente não há nada: o templo por dentro está vazio, em frente tem dois montinhos de areia e, atrás, pedras numa grande confusão. A sensação é: “O que é que isto tem de especial?” Depois há uns livros que eles distribuem, e de repente comecei a ver que aquilo era uma representação do cosmos, desde a origem ao fim, e que aqueles dois montes se chamavam o Jardim do Eterno Nada, onde já não existe nada, é a paz absoluta, o outro lado. E naquela grande confusão de pedras, animais, símbolos, homem, mulher, sexo, morte, violência, origem da vida, comecei a perceber que aquilo não estava ali por acaso, mas segundo uma certa disposição, contando uma história. Comecei a ficar crescentemente entusiasmado. Um monge budista que estava sentado na varanda do templo, a certa altura, perguntou-me se estava a gostar. “Cada vez mais, porque quando cheguei não percebi nada e agora já estou a perceber…” Ele disse: “Já está a perceber?” E eu: “Agora, com este livro, sim.” “É espantoso”, disse ele, “eu venho para aqui há 40 anos, todos os dias e cada vez percebo menos.” Caiu-me uma vergonha e pressenti que ele tinha toda a razão: eu não estava a perceber nada, a não ser o mais superficial…
João Bénard da Costa
(retirado de uma entrevista à revista Pública, de Setembro de 2001)