quinta-feira, junho 19, 2003
A Razão dos Sentimentos
From : Desidério Murcho desiderio.murcho@kcl.ac.uk
From: São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003
From: Folha Ciência
From: Claudio Angelo
Do que são feitos os sentimentos? Como decompor e definir, por exemplo, o conteúdo da alegria? Se a pergunta parece complicada, um experimento mental pode dar uma ajuda: pense numa praia, num fim de tarde. Nenhuma nuvem no céu. Seu corpo está estendido na areia, suavemente aquecido pelo sol. Som de mar à frente, barulho de folhas ao vento atrás. Você se sente tão bem que começa a pensar em eventos prazerosos passados e a antecipar outros, futuros. Na sua mente, conflitos se amenizam, opostos deixam de se opor.
Para o filósofo holandês Benedictus Spinoza (1632-1677), você teria alcançado o estado de "perfeição maior", ápice da necessidade básica de todas as criaturas de prosperar na própria existência. O neurocientista português Antonio Damasio, que imaginou a cena descrita acima, tem uma outra palavra para isso: homeostase. Sentimentos nada mais são do que representações altamente elaboradas do estado de equilíbrio do organismo. Alegria, tristeza, empatia, orgulho, são todos, em maior ou menor medida, derivados de uma idéia que o cérebro faz do funcionamento do corpo. E, sim, existem áreas definidas no sistema nervoso onde essas representações são geradas.
A proposta está delineada em "Looking for Spinoza: Joy, Sorrow and the Feeling Brain" (Procurando Spinoza: alegria, tristeza e o cérebro que sente), mais recente e mais ousado livro do neurologista da Universidade de Iowa, lançado neste ano nos EUA. Nas suas obras anteriores -o best-seller "O Erro de Descartes" e "O Mistério da Consciência"-, Damasio se dedicou a buscar a base biológica das emoções e da consciência humana. Agora, ele tenta fechar o ciclo, arriscando que os sentimentos, o próprio espírito humano e, em última instância, Deus, são produtos da evolução da espécie e também habitam as ligações sinápticas.
Damasio sabe que a afirmação é forte e que vai causar mal-estar até mesmo entre cientistas. Não por acaso, o livro evoca Spinoza, o panteísta, filósofo excomungado em vida e banido em morte pelas heresias publicadas em sua obra a respeito da natureza humana e divina.
(...)
em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/