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Janela Indiscreta
 
sábado, junho 07, 2003  
Hoje vou fazer uma espécie de discos pedidos e dedicados, só que não são discos - são posts - e não foram pedidos são apenas dedicados.
Para começar: um irónico Elogio aos Críticos, que dedico, claro, ao Crítico .
Além disso, este post tem música, em deferido, é certo, mas ouve-se

Elogio dos Críticos



Não escolhi este tema por acaso, escolhi-o por me sentir reconhecido. Porque estou, de facto, tão reconhecido como reconhecível.
O ano passado fiz várias conferências sobre «A Inteligência e a Musicalidade nos Animais».
Hoje vou falar-vos «Da inteligência e da Musicalidade nos Críticos». O tema é quase o mesmo mas com modificações, bem entendido.
Amigos meus disseram-me que era um tema ingrato. Ingrato, porquê? Não há nele ingratidão nenhuma; pelo menos, eu não vejo onde nos agarrarmos para dizer isso. Vou pois fazer, sereno, o elogio dos críticos.
Não conhecemos suficientemente os críticos; ignoramos o que fizeram, o que são capazes de fazer. Numa palavra, são tão desconhecidos como os animais embora tenham, como eles, a sua utilidade. Sim.
Não são apenas os criadores da Arte Crítica, que é mestre de Todas as Artes, mas os primeiros pensadores do mundo, os livre pensadores mundanos se assim podemos chamar-lhes.
De resto, foi um crítico quem posou para o Pensador de Rodin. Eu soube-o há quinze dias, o máximo três semanas, por um crítico. O que me deu prazer, muito prazer. Rodin tinha um fraco, um grande fraco pelos críticos… Os seus conselhos eram-lhe caros, muito caros, demasiado caros, acima de qualquer preço.
Há três espécias de críticos: os importantes; os que são menos; os que não são nada. As duas últimas espécies não existem: são todos importantes…
Fisicamente o crítico tem um ar grave, é um tipo do género rabecão. Ele próprio é um centro, um centro de gravidade. Se ri, ri só com um olho, que pode ser o bom ou o mau. Sempre muito amável para as Senhoras, com toda a calma mantém os Senhores à distância. Para resumir, é muito agradável à vista mas bastante intimidativo. Um homem sério, tão sério como um Buda; evidentemente, um Buda-peste. Mediocridade, incapacidade, não são coisas que haja entre os críticos. Entre colegas, um crítico medíocre ou incapaz seria motivo de riso; não conseguiria exercer a sua profissão, melhor dizendo o seu sacerdócio, pois ver-se-ia obrigado a abandonar a terra, mesmo que ela lhe fosse natal; e ser-lhe-iam fechadas todas as portas, ficando a sua vida reduzida a um suplício longo e terrível de tanta monotonia.
Quanto ao Artista, não passa de um sonhador; o crítico, esse, além da sua própria consciência tem a consciência da realidade. Um artista pode ser imitado; o crítico é inimitável e impagável. Como poderia alguém imitar um crítico? Pergunto eu. Aliás, seria coisa de muito, muito reduzido interesse. Dispomos do original e basta. Quem afirmar que a crítica é ligeira não diz nada que tenha um verdadeiro interesse. Chega mesmo a ser vergonha dizê-lo: era bem feito que ela corresse atrás dele, pelo menso um quilómetro ou dois.
Homem que escreva semelhante coisa virá a arrepender-se do que disse? É possível que sim, devemos desejar que sim, é mais do que certo que sim.

Erik Satie
© Memória de um Amnésico, colecção memória do abismo #38, Hiena (tradução de Alberto Nunes Sampaio)



posted by Anónimo on 21:00


 
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