sábado, junho 07, 2003
Hoje de manhã fui trocar livros à Biblioteca Almeida Garrett e aproveitei para ler a revista Actual, do Expresso. No meio das críticas aos livros, discos, filmes e fotografia encontrei um belíssimo artigo de Joao Miguel Fernandes Jorge sobre Francis Bacon. Saquei de uma papelinho da carteira a tirei notas.
Este post é, claro, dedicado à Zazie.
Nesse obscuro horror reside a existência
Estudo de um Cão (1952), Três Estudos para Figuras na Base de uma Crucificação (1944), Figura Sentada (1961), Estudo para Retrato em Cama Articulada (1963), Retrato de Isabel Rawsthorne (1966), Tríptico de Agosto de 1972.
Todas estas obras estão numa sala que a Tate Britain dedica ao pintor irlandês. É uma sala acerca do tempo e do corpo do tempo, dentro e fora do homem. Guarda nas suas paredes a brutalidade do facto de se existir e que é, também, uma filosofia do corpo.
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Quando, em boa verdade, todos nós lá estamos retratados nessa figura de cão esmagado sobre o próprio sofrimento: planificada esfera de fezes verdes, atenta ao olhar misterioso dos mortos. A língua, à míngua de sede raspa um chão castanho, emoldurado a vermelho, raspa uma terra queimada eliotiana (The Waste Land é inegavelmente umas das mais fortes marcas culturais da pintura do autor).
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Já ouvi chamar a Francis Bacon um psico-terrrorista do corpo humano. Ele seria aquele que transportaria para a pintura o semelhante às atrocidade infligidas ao homem no século XX. E em Londres, no final da Segunda Guerra Mundial, este tríptico pintado em 1944 acabaria por ser visto como um momento definidor na História da Arte Inglesa.
Ésquilo e Oresteia são elementos centrais para a pintura e para o pensamento da pintura de Bacon. As pessoas do drama da sua pintura parecem estar sempre a prolongar o grito de Cassandra em Agamémnon: “matadouro de homens, chão coberto de sangue”. Mas também Sófocles, com Édipo Rei, traz consigo um grito terrível por destino a par da figura do enigma. O carácter de Édipo inspira actos de mutilação. E muitos dos seus “estudos” transportam para a pintura um sentido de terror, isto é, a imagem de alguém que não é capaz de ver nem o objecto do seu movimento nem, tão pouco, de reconhecer o som da sua própria voz. Nesse obscuro horror reside a existência (veja-se “Édipo e a Esfinge Segundo Ingres”, 1983, Sintra, Museu de Arte Moderna / colecção Berardo).