Gostaria de chamar a atenção para o texto da Maria João Cantinho, intitulado Hermann Broch: o poeta relutante que se encontra no último número da Revista Agulha, aqui.
Dele disse Hannah Arendt ter sido um poeta “à sua própria revelia”. O facto de ter por destino ser poeta e de não querer sê-lo, transformou-se num dos conflitos centrais da sua vida, inspirando-lhe, ainda, a intriga dramática da sua obra-prima A Morte de Virgílio. Não se tratava de um conflito psicológico ou, mesmo, de uma tensão entre capacidades, pois sabemos como Broch era parente próximo do génio goethiano e a sua obra assentava sobre a tríade, constituída pelos pólos Literatura, Conhecimento e Acção. Mas a publicação da sua obra literária - no seu conjunto - coincidiu com o aparecimento dos campos de extermínio e o escritor dava primazia absoluta ao domínio da acção sobre os campos da literatura e do conhecimento. Ele jamais poria em causa, fosse qual fosse a situação, o primado absoluto e inviolável da acção. Por isso, obrigou-se a si próprio a interromper a escrita, não por razões meramente pessoais, mas para cumprir esse imperativo ético com que se deparou. Tornara-se indispensável a sua acção política, para ajudar as hordas de refugiados que, diariamente, chegavam aos Estados Unidos. Nessa época, nesse confronto entre actividade teorética e contemplativa e a acção política, suspende a sua actividade, enquanto questiona a sua função de artista no século XX, aquele que ele considerava o “da mais negra anarquia, do mais negro atavismo, da mais negra crueldade”. Todavia, essa tensão constante, entre literatura, conhecimento e acção afectavam-no de um modo permanente, no seu trabalho quotidiano. Disso nos dá testemunho a sua Autobiografia Psíquica, num retrato desenhado com as cores cruas e objectivas da realidade que viveu.