Decorria um festival de cinema. Não vimos nenhum filme do princípio ao fim. A ansiedade, a claustrofobia, a minha miopia, apoquentavam-me e os meus amigos eram fixes. Ocupávamos as coxias e saíamos silenciosamente, inclinados para a frente, pela porta fechada que dizia Exit graças a um vermelho luminoso. Os filmes podiam estar bem ou mal realizados, não era esse o critério. O critério era a ansiedade, a eterna companhia. Mesmo assim havia uns melhores melhores que outros, dava para ver o suficiente, o mau hábito dos juízes estéticos. Nos intervalos surgia um personagem todo vestido de preto saído directamente de um filme “underground” nova-iorquino e se chamava Nick e me fascinava ao vê-lo a beber uma bica com a sua pele imaculada nunca antes atingida por qualquer grão de luz solar. Os meus amigos levaram-me dali, senão ainda lá estava.
Era bonita aquela vila ou aquela cidade ou aquela paisagem, que um rio dividia a meio, e onde se podem encontrar as mulheres mais belas, escreveu o escritor português José Maria Eça de Queiroz, que devia saber do assunto porque nasceu ali perto, e eu juro que concordo, em particular com uma que se chama Ana de cabelos absolutamente pretos e que nunca olhou para mim, uma só vez que fosse. Eu sei que não merecia, nem mereço. A Ana. As vezes sem fim em que fiquei a pensar na Ana sem fim. Os beijos de língua imaginados, fotografados, muito bem realizados, bem iluminados, correctamente montados.
Comíamos coisas magníficas – filetes de pescada e polvo, escabeche de enguias, trutas doiradas – por um preço modesto num restaurante pintado todo de amarelo e vermelho perdido num campo de searas e papoilas ao vento. Numa vizinha casa brasonada, em ruínas, um velho muito velho, emigrante de Toronto tocava acordeão com os olhos esbugalhados espantosamente. Antes de chegar a esposa, que tudo acavabava com uma arrelia, uma dor no peito, um ai. Estavámos no Minho, ou perto. O amor doía um bocadinho, como sempre. Como quem diz: nunca me esqueçam, eu tenho um nome, eu sou o Amor. O amor. O suicídio de amor sempre adiado