segunda-feira, junho 16, 2003 “As coisas simples não mudam e são sempre as melhores”, diz a Zazie, sobre a noite de Santo António :)
É verdade. E além da lua cheia sobre o rio, que foi ficando mais bela ao longo da noite, estava muito calor - o Santo António não é Santo António sem muito calor! Uma pessoa sente-se mal, destila, transpira, sente tonturas, mas uma noite de Santo António fresquinha é uma fraude e devia ser proibida se possível fosse. O que talvez estragasse a alegria depois da expectativa e a própria expectativa, que também fazem parte da festa. Além do calor, mal abrimos a porta do prédio, demos com o cheiro total a sardinha assada, Lisboa transformada num gigantesco fogareiro. Começámos a descer a rua em direcção à Baixa. A cidade enfeitada, o trânsito quase parado, muita gente a pé, o som a crescer na Rua da Madalena, o fumo, a música. Depois da Sé, num dado momento, começámos a descer: escadas largas, escadas estreitas, curvas, mais escadas, mais curvas, entre paredes e muros caiados, arcos, flores, fitas coloridas, mais fumo, mais música, o adensar da multidão e da sua voz; por fim, chegámos à Varandinha de Alfama: metem a mão na conta, sim, o tecto é baixo demais, o espaço é um forno (ainda mais calor) e não nos é oferecido conforto algum além do sabor da comida, mas, este lugar, que durante todo o ano é o espaço onde se reúnem os reformados de Alfama e que abre aos forasteiros durante os santos populares, tem uma vista sobre o Tejo que não se encontra em nenhum outro sítio. E o facto de ficar a meio do arraial das escadinhas, em plena confusão de Santo António, torna-o ainda mais especial. Chegámos à Varandinha de dia, o Tejo ainda azul claro e pálido, naquela hora em que se confunde com o céu, encoberto por uma ligeira neblina, a lua quase cheia e quase transparente. Ficámos horas. Esperámos mesa com paciência de noite de Santo António, que é aquela que não admite que nada estrague a alegria, conversámos, calámo-nos porque o Santo António é breve e muitas vezes inexprimível, sentámo-nos, comemos e rimo-nos. Sem nunca tirar os olhos do rio, a desfilar tonalidades de azul possíveis e impossíveis, até as luzes se acenderem na outra margem, o último azul ficar negro e a lua cheia e luminosa. A noite de Santo António é uma noite muito bonita. É a primeira grande noite de Verão... depois do solstício os dias começarão a minguar, porque, por ironia dos calendários, o Verão começa oficialmente no preciso momento em que, lentamente, começa a acabar. Até lá, enquanto as noites forem largas e quentes, o Verão prometido será mais Verão. É esta promessa que celebro no Santo António; e parece-me razão bastante para mergulhar na multidão.
Lembro-me disto quando penso neste tempo:
“April come she will
When streams are ripe and swelled with rain;
May, she will stay,
Resting in my arms again.
June, she'll change her tune,
In restless walks she'll prowl the night;
July, she will fly
And give no warning to her flight.
August, die she must,
The autumn winds blow chilly and cold;
September I'll remember
A love once new has now grown old.”
- Simon & Garfunkel