quinta-feira, junho 19, 2003
Angélica Liddell em Portugal na
Sociedade Guilherme Cossoul
A dramaturga, encenadora e actriz Angélica Liddell (Figueres, Catalunha, 1968) vem, pela primeira vez, a Lisboa para fazer a sua Performance Lesiones Incompatibles Con La Vida nos dias 14 e 15 de Julho, pelas 22h na Sociedade Guilherme Cossoul em Lisboa.
Dramaturga vencedora da última edição do Festival de la Escena Contemporánea (Madrid, Fevereiro 2003), Angélica Liddell é, na sua geração, o nome mais forte da revivificação da tragédia que, na europa, tem outros cultores como, por exemplo, o francês Michel Azama, curiosamente também nascido na Catalunha.
A obra de Angélica Liddell é já vasta e nela se destacam:
Las Condenadas; Dolorosa; Perro Muerto En Tintorería: Los Fuertes; El Matrimonio Palavrakis; El Jardín De Las Mandrágoras; Leda; El Amor Que No Se Atreve A Decir Su Nombre; Menos Muertos; La Falsa Suicida;Agua Y Limonada En El Madison Square Garden; Once Upon A Time In West Asphixia;
TEATRO DA PULSÃO
Apesar de, no terreno da crítica, algumas vezes se fazerem aproximações entre o teatro de Sarah Kane e o de Angélica Liddell, a verdade é que estamos perante poéticas muito diferenciadas que, de comum, têm apenas o despojamento, o ilimite, e a presença incontornável de dados biográficos (em Kane) e de códigos biográficos (em Liddell).
A visão aguda e por vezes supliciante do mundo nos dramas de Liddell corresponde a uma atitude trágica, ao desplaneamento das situações pelo exterior. O destino aparece como marca fulgurante mas também pejado da semiótica vivencial do ocidente, quer pela interiorização e exploração dos mitos, quer pela viagem pelos arquétipos colectivos de civilizações carimbadas pela violência, a hipocrisia, o dinheiro, religião, poder, que oferecem aos seus locatários o sonho falso.
Ou seja: o desmantelamento (a nudez grega) ou desconstrução do sonho de mercado (onde a viva interrogação: qual é o nosso sonho próprio, o nosso exacto desejo próprio, a nossa intimidade própria, o nosso amor único?) é o continúo pathos da obra de Liddell que joga com todo o Real nas vertentes comportamentais com referência muito explícita aos novos desmembrados do social e do individual que muitas vezes, mantêm o seu nome mítico: Ofélia, Horácio, Grieta, Adão, Isadora, ou inscrevem no seu nome características semânticas (Blanquita) que fazem com que os nomes das personagens fujam do asséptico das nomeações do quotidiano e realmente signifiquem, representem, identifiquem.
A identidade – a impossível identidade que o início do século XX viu (re)nascer pela literatura de Raul Brandão, Proust, Mário Sá-Carneiro, Kafka ou Virgínia Woolf, é, quer no colectivo (a identidade de Tebas – força maior de Édipo Rei – perde-se quando se endogamiza, quando se fecha; a identidade actual dos utentes e consumidores do audiovisual – em Suicidio de Amor por un difundo desconocido ou La falsa suicida ou Once Upon a Time in West Asphixia – é, por mimesis, a anulação de um colectivo), quer no individual (afinal quem é a Puta de Dolorosa? afinal quem não é a Puta de Dolorosa?), o punkt dramático onde a catarsis se pode consumar.
Este aspecto é de grande relevância na medida em que a tragédia grega tinha como modus operandi a presença e cumplicidade de uma comunidade sem a qual as situações de cena estariam conotadas com o mero desvario. A tragédia grega implicava uma comunidade que sabia, por vivência e cultura, tudo o que era posto em cena.
Ao comungar, quase ritualmente, a comunidade podia entender claramente o pathos e chegar facilmente à catarsis. Perdida essa e outras comunidades, a forma de repô-la, no teatro, implica uma saída da órbita dos processos da chamada normalidade. Implica uma abertura ao que não há (Blanquita em Suicídio de Amor por um Defunto Desconhecido) ou acrescentar ao que há ("Lesiones Incompatibles Con La Vida"). Ou seja: todo um trabalho poético inerente à nomeação da verdade. Em 1995, Michel Azama dizia "o teatro actual não precisa de mais dramaturgos, precisa de poetas".
Podemos claramente afirmar que a poesia é o grande múnus de Angélica Liddell – na esteira dos grandes poetas, desde Sófocles a Shakespeare, de Ibsen a Artaud, alimentado por vozes poéticas fundamentais como Emily Dickinson ou Alejandra Pizarnik.
Em Portugal, Angélica Lidell tem duas peças publicadas:
Suicídio de Amor Por Um Defunto Desconhecido (Ed. Tema, Lisboa, Março 2002, trad. de Hermínio Chaves Fernandes)
Dolorosa (Edições Fluviais, Lisboa, Fevereiro 2003, trad. de Alberto Augusto Miranda)
E a Performance:
Lesiones Incompatibles Con La Vida / Lesões Incompatíveis Com A Vida (Edições Do Buraco, bilingue, Lisboa, Junho 2003, tradução de Alberto Augusto Miranda)
Inf: 965817337
ATENÇÃO: Os espectáculos de Lisboa, nos dias 14 e 15 Julho, às 22 horas, na Sociedade Guilherme Cossoul, apenas permitem, por razões de encenação, um número limitado de presentes.